MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. As consequências eleitorais e políticas da abstenção de voto

As consequências eleitorais e políticas da abstenção de voto

O voto, essencial para a cidadania, é assegurado pela Constituição brasileira, sendo direto, secreto, periódico e obrigatório, garantindo a participação democrática.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Atualizado em 18 de abril de 2024 15:28

O direito ao voto é um dos maiores instrumentos de participação do cidadão no governo da sociedade e elemento fundamental dos Direitos Políticos. Após um histórico de eleições nebulosas, elitistas e restritas nos períodos do Império e da Ditadura Militar, por exemplo, a instituição dos direitos civis e políticos na era pós redemocratização do Brasil é um marco importante para o efetivo exercício do direito à cidadania dos brasileiros.

Com efeito, a "Constituição Cidadã" trouxe a instituição de um regime democrático, presidencialista e republicano no país. Em conjunto, a legislação e o texto constitucional garantem, no Brasil, o direito universal ao voto, sendo este direto, secreto, periódico e obrigatório.

As características do voto no Brasil, o qual também é dever de todo cidadão, estão atrelados aos princípios que regem a Carta Magna e os demais dispositivos normativos brasileiros. O voto representa um direito personalíssimo, portanto intransferível e indisponível, e seus aspectos estão vinculados aos direitos e garantias fundamentais de cada pessoa. Nesta toada, o voto é secreto em respeito à liberdade e privacidade da pessoa, que tem sua decisão resguardada para si mesmo; é periódico em respeito à periodicidade dos mandatos dos representantes dos poderes executivo e legislativo; e obrigatório, para garantir a participação de todos na votação para representatividade política. Quanto à característica da compulsoriedade do voto, a sociedade brasileira ainda diverge na opinião sobre o instituto.

O Código Eleitoral de 1932 instituiu uma série de fatores que culminaram para a ascensão do modelo político-administrativo do Brasil. A revolução da época, pautada por vieses liberalistas e progressistas, teve uma corrente histórica de muita repressão e corrupção política, momento em que era necessário a instituição de novas medidas para garantir a ordem social.

Assim, os direitos políticos instituídos à época visavam garantir, principalmente, as bases da soberania popular. A regulação de direitos e deveres, pautados nos valores da sociedade e no cenário político, se deu por causa da preocupação em promover algo que se tornaria, posteriormente, a democracia brasileira.

Às liberdades individuais foram somadas a constitucionalização dos direitos sociais, sua  proteção  e  materialização  através  de  políticas  públicas,  além  da  participação política dos cidadãos. Houve uma expansão dos instrumentos processuais de garantia às liberdades individuais e o Estado foi coroado com o princípio da soberania popular. (NETO, 2020, p.196 apud BOWERK, 2022, p. 12).

Assim, no período em questão, foram pilares inovadores: o direito ao voto secreto, o direito de votar das mulheres, a instituição da Justiça Eleitoral, as regras de inelegibilidade, as ideias acerca do voto proporcional e direto e algumas regras do financiamento e propaganda da campanha eleitoral. A obrigatoriedade do voto, instituída primeiramente no Brasil pelo Código Eleitoral de 1932, ainda é vigente nos dias atuais, e inclusive possui respaldo Constitucional, determinado pelo art. 14 da CF/88.

Vale ressaltar, no entanto, que o prelúdio do voto obrigatório no país foi feito com base nos contextos políticos, sociais e históricos da época. Em um cenário de grande pressão popular e na busca por um país mais civilizado, maduro politicamente, e com representantes legitimamente escolhidos, a obrigatoriedade do voto surgiu com o objetivo de aumentar o número de eleitores, fortalecendo cada vez mais a democracia. A ideia era que, com mais pessoas tendo voz na escolha dos representantes, mais legitimado era o governo escolhido para reger o país.

Também, considerando o contexto político da Era Vargas, o voto era uma maneira de empoderar as classes populares e afastar a possibilidade de regimes autoritários, como o fascismo, que ganhava cada vez mais força na Europa. No entanto, diante do cenário político nacional e internacional dos dias atuais, surgiu a dúvida se essa obrigatoriedade ainda é necessária, uma vez que o regime democrático já está enraizado no Brasil.

Esta pauta é discutida e questionada por muitos. Os defensores da obrigatoriedade do voto alegam que este favorece ao máximo o exercício da democracia, promovendo o exercício dos direitos de cidadania aos apáticos, por exemplo. No entanto, a corrente que diverge de tal entendimento alega que o voto, ao se tornar um dever e não apenas um direito, restringe a liberdade individual.

Além disso, o fato de a pessoa não exercer o seu direito e dever de votar lhe incumbe algumas sanções e limitações de prática de diversos atos da vida civil, elencados no art. 7° do Código Eleitoral (lei 4.737, de 15/7/65):

Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367.                         

§ 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:

  1. inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;
  2. receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;
  3. participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos territórios, do Distrito Federal ou dos municípios, ou das respectivas autarquias;
  4. (Revogado pela lei 14.690/23)
  5. obter passaporte ou carteira de identidade;
  6. renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;
  7. praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

Nesse sentido, Paulo Henrique Soares, consultor legislativo, através da Consultoria do Senado Federal (2004), pontua a discussão e apresenta argumentos favoráveis e desfavoráveis à prática. Na análise do consultor, o mesmo afirma que, dentre as argumentações favoráveis à obrigatoriedade do voto no Brasil, estão o fato de que o voto é instrumento de educação política, e que a democracia brasileira não tem parâmetros suficientes para compreender a adoção do voto facultativo. Por outro lado, também indica que o voto facultativo tem capacidade de melhorar a qualidade do pleito eleitoral, uma vez que abarcará apenas eleitores conscientes politicamente. Neste viés, explicou o jurista Nelson de Souza Sampaio, antes mesmo da instituição da Carta Magna:

Do exposto, conclui-se que o voto tem, primordialmente, o caráter de uma função pública. Como componente do órgão eleitoral, o eleitor concorre para compor outros órgãos do Estado também criados pela constituição. Em geral, porém, as constituições têm deixado o exercício da função de votar a critério do eleitor, não estabelecendo sanções para os que se omitem. Nessa hipótese, as normas jurídicas sobre o voto pertenceriam à categoria das normas imperfeitas, o que redundaria em fazer do sufrágio simples dever cívico ou moral. Somente quando se torna obrigatório, o voto assumiria verdadeiro caráter de dever jurídico. Tal obrigatoriedade foi estabelecida por alguns países, menos pelos argumentos sobre a natureza do voto do que pelo fato da abstenção de muitos eleitores, - fato prenhe de conseqüências políticas, inclusive no sentido de desvirtuar o sistema democrático. Nos pleitos eleitorais com alta percentagem de abstenção, a minoria do eleitorado poderia formar os órgãos dirigentes do Estado, ou seja, Governo e Parlamento. (SAMPAIO, 1981, p. 66 apud SOARES, 2004, p. 3)

De qualquer maneira, frente ao crescimento do absenteísmo dos eleitores e ao aumento dos votos brancos e nulos, é possível inferir que, cada vez mais, essa obrigatoriedade se dissipa. Isso é confirmado, ainda, pelo fato de que essa determinação não incube ônus nenhum ao Estado, e que é mínimo o prejuízo constituído ao eleitor, que, nos termos do art. 7° do Código, se resume a uma multa de, no máximo, R$ 3,51, no caso das eleições mais recentes (2022).

As abstenções dizem respeito àquelas pessoas que se encaixam nos critérios eleitorais, mas não exercem seu direito ao voto. A cada ano aumenta-se o número de pessoas que se abstém de votar. Historicamente, a parcela da população com maior número de abstenções é entre os que possuem baixa escolaridade e renda.

As motivações mais recorrentes que impedem os eleitores de comparecerem às urnas são, além de problemas de saúde ou impossibilidade física/mental, o desinteresse pela eleição e pelos candidatos, e em razão da localidade do colégio eleitoral. No último caso, percebeu-se um aumento em especial, no qual muitas pessoas se abstiveram de votar porque as seções eleitorais eram muito distantes das residências, e não havia a possibilidade de usufruir de um meio de transporte para o comparecimento. Além disso, pessoas que moram em áreas afastadas e rurais muitas vezes sequer têm meios possíveis de comparecer à cidade mais próxima no dia das eleições.

O primeiro turno das eleições de 2022, por exemplo, teve o maior número de abstenções desde 1998; com 20,9% do eleitorado ausente - o que corresponde a quase 33 milhões de pessoas.

Pensando nisso, o STF concedeu uma autorização aos Estados brasileiros para que oferecessem transporte público gratuito para os eleitores no 2° turno das eleições de 2022, a fim de que viabilizasse o comparecimento de mais pessoas aos colégios eleitorais. Por meio dessa iniciativa, notou-se que mais eleitores compareceram às urnas do que no primeiro turno, e o número de abstenções ficou fixado em 20,5%.

Dessa maneira, conclui-se que a abstenção por motivos de precariedade no acesso aos colégios eleitorais é um problema que merece atenção e planejamento anterior às eleições. A abstenção do voto representa a ausência do poder político do povo, o que demonstra uma falha no exercício da democracia brasileira. Além disso, um alto índice de abstenções pode representar também que não há de fato uma representação política do país, ferindo o princípio da soberania da vontade popular.

Para que o poder-dever instituído na Constituição seja devidamente cumprido, é intrínseco que o eleitorado deve ser incentivado a exercer tal direito. Mesmo que a discussão da obrigatoriedade do voto esteja recorrentemente em pauta na política e no meio social, é cediço que, quanto mais eleitores se apresentem no momento de escolha, mais efetiva será a representação política do candidato eleito, o que fortalece a democracia.

Portanto, a presente análise evidencia que a abstenção eleitoral devido à precariedade no acesso aos locais de votação é uma preocupação que demanda intervenções prévias às eleições. A falta de participação nas urnas não apenas reflete a falha no exercício democrático, mas também questiona a própria representatividade do sistema político e fere o direito à cidadania. Nesse sentido, é crucial incentivar a participação do eleitorado para fortalecer a democracia e garantir uma efetiva expressão da vontade popular em participar das eleições, como votantes, conforme preconizado na Constituição.

------------------------

BOLWERK, A.; MONTEIRO DE MOURA, G. .; DE CARVALHO LIMA, L. . O voto obrigatório no brasil: uma reflexão a partir do método histórico-dialético. Caderno Virtual, [S. l.], v. 1, n. 54, 2022. Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/6551. Acesso em: 12 abr. 2024.

BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1965.

CORRALO, G. S.; CAMARGO, L. de O. O voto obrigatório no Brasil: análise crítica e comparada. Revista do Direito Público, [S. l.], v. 18, n. 3, p. 186-202, 2023. DOI: 10.5433/1980-511X.2023v18n3p186. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/45297. Acesso em: 12 abr. 2024.

SILVA, Rafael da. Comportamento eleitoral na América Latina e no Brasil: em busca dos determinantes das abstenções, votos brancos e votos nulos. Tese de doutorado - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/169659. Acesso em: 12 abr. 2024.

SOARES, Paulo Henrique. Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do facultativo. Consultoria Legislativa do Senado, Brasília, 2004. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/ tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-6-vantagens-e-desvantagens-do-voto-obrigatorio-e-do-voto-facultativo. Acesso em: 12 mar. 2024.

Tribunal Superior Eleitoral. Estatísticas de comparecimento/abstenção. Disponível em: https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao-comp-abst/home?session=206635875285246.  Acesso em: 12 mar. 2024

Elisa Guimarães

Elisa Guimarães

Colaboradora do escritório Barreto Dolabella Advogados na área de propriedade intelectual e controladoria jurídica. É graduanda em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (UniCEUB). Possui experiência em direito imigratório.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca