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Negociado sobre o legislado - Tema 1.046 do STF e sua aplicação pelo TST

O artigo discute o uso do Tema 1.046 do STF na preferência do negociado sobre o legislado pela mais alta corte trabalhista do Brasil, com mais de 50 mil processos suspensos. Essa temática é crucial, dada a complexidade das negociações coletivas e a insegurança jurídica resultante.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Atualizado em 17 de abril de 2024 15:51

O presente artigo aborda, em breves linhas, como a mais alta corte trabalhista do país tem aplicado o Tema 1.046 do STF na análise de controvérsias que envolvem a prevalência do negociado sobre o legislado. Segundo dados do CNJ, havia 50.346 processos suspensos quando da fixação do Tema 1.046 pelo STF, ocorrido em junho/22.

Embora esse número seja expressivo, ele não reflete a extrema relevância dessa temática. Basta tomar por base a informação de que o Brasil possui mais de 100 milhões de trabalhadores ocupados, os quais são representados por um dos mais de 10 mil sindicatos profissionais existentes no país.

Como regra, cada um dos sindicatos profissionais negocia Convenções Coletivas de Trabalho com sindicatos patronais ou Acordos Coletivos de Trabalho com empregadores estabelecendo regras e condições específicas, não previstas na legislação trabalhista vigente.

Nesse contexto, forma-se um enorme conglomerado normativo que regula a relação mantida entre empregados e empregadores e que, não raras vezes, quando levado à análise pelo Poder Judiciário, gera provimentos judiciais distintos para uma mesma situação jurídica. Por conseguinte, perpetua-se um cenário de insegurança jurídica para todas as partes envolvidas na negociação coletiva (empregados, empregadores e sindicatos).

Feitos esses esclarecimentos preliminares, passamos à análise do tema que consagrou a prevalência do negociado sobre o legislado em matéria trabalhista. Eis o seu teor:

"São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis."

Referida manifestação do STF parece corroborar, de forma reiterada (com o perdão do pleonasmo), a relevância da autonomia negocial coletiva no âmbito do Direito do Trabalho.

Diga-se corroborar, pois referido instituto já se encontrava presente na Constituição Federal, mais especificamente nos arts. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI que, em linhas gerais, conferem à negociação coletiva o poder de decidir as melhores condições aos

trabalhadores, em cada caso concreto, ainda que isso resulte em contrariedade à regra geral aplicável. 

E, diga-se de forma reiterada, pois a Reforma Trabalhista (lei 13.467/17) já havia introduzido o art. 611-A à CLT, o qual fixa a prevalência das normas coletivas sobre a lei. Parece, assim, que coube ao STF ratificar (como se necessário fosse) a mens legis no sentido de privilegiar a autonomia negocial coletiva.

Parece, também, não ser exagero afirmar que a fixação do Tema 1.046 não foi apenas paradigmática, mas necessária e extremamente positiva às relações de trabalho. Paradigmática, porquanto fixou os direitos absolutamente indisponíveis como limite das negociações coletivas que restringem ou afastam direitos trabalhistas, e afastou a necessidade de indicação de vantagens compensatórias no âmbito da negociação coletiva.

Necessária, na medida em que seus efeitos são vinculantes (já que proferida em sede de repercussão geral), mitigando a insegurança jurídica e a desconfiança por parte de empregadores na celebração de normas coletivas ao reduzir a subjetividade do julgador acerca da legalidade da negociação coletiva, em cada caso concreto.

Positiva, pois consagra a importância da negociação e da autonomia privada coletiva, há muito instituída pelo legislador constituinte, estimulando e fomentando a discussão entre os principais partícipes nas relações trabalhistas (empregados, empregadores e entidades sindicais).

Dito isso, e passados quase dois anos da edição do Tema 1.046, passamos a abordar, sucintamente, como o TST tem aplicado referido tema em matérias cuja negociação coletiva não costumava prevalecer.

Deixamos, assim, de adentrar em discussões relevantes, como o conceito de direito absolutamente indisponível, a acurácia dos exemplos trazidos no voto do Relator no ARE 1121633 e a ausência de modulação dos efeitos da decisão, para nos concentrar nas principais matérias recentemente avaliadas pelo TST, que refletem uma mudança de posicionamento do Tribunal em razão da aplicação do Tema 1.046, e podem fomentar a adoção de ações específicas por empregadores:

1. Entendimentos sumulados pelo TST:

§ Súmula 451 do TST - Pagamento proporcional de PLR

A Súmula 451 dispõe que o empregado cujo contrato de trabalho foi rescindido antes do pagamento da PLR tem direito ao seu recebimento, de forma proporcional, e que a exclusão desse direito do trabalhador mediante acordo coletivo ou política interna viola o princípio da isonomia.

Com base nessa súmula, o TST anulava cláusulas de programas de PLR, ainda que aprovados via norma coletiva, que excluíam da elegibilidade ao recebimento da PLR empregados com contrato de trabalho rescindindo no curso de seu período de apuração.

O que se observa após a decisão do STF é que o TST tem se inclinado no sentido de reconhecer a superação do entendimento da súmula 451, assegurando, por conseguinte, a prevalência das normas coletivas (acordo ou convenção coletiva) que excluem do rol de elegíveis à PLR os empregados desligados antes da data prevista para o seu pagamento.

Assim, a instituição, em norma coletiva, de regra limitando a elegibilidade à PLR somente aos empregados com contrato de trabalho vigente na data de pagamento da parcela confere mais segurança às empresas após a edição do Tema 1.046, especialmente em razão dos impactos financeiros oriundos da anulação desse tipo de cláusula.

Vale destacar que a segurança mencionada decorre apenas da negociação de PLR via norma coletiva, e não de programa de PLR instituído por comissão paritária. Isso porque, nesta última hipótese, a PLR não estará amparada em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, afastando-se, como consequência, da aplicação do Tema 1.046.

Ademais, a segurança da norma coletiva dependerá da fixação de regras claras sobre o direito (ou não) do empregado desligado ao recebimento da parcela.

§ Súmula 423 do TST - Jornada de trabalho superior a 8 horas em turnos ininterruptos de revezamento

A redação da Súmula 423 do TST, editada antes do Tema 1.046, limita a jornada regular máxima em turnos ininterruptos de revezamento em 8 horas de trabalho, desde que autorizada em norma coletiva, e em 6 horas diárias quando ausente negociação coletiva.

Vale lembrar que a jurisprudência trabalhista também sedimentou entendimento que amplia o conceito de turnos ininterruptos, bastando para a sua configuração que o empregado se ative em apenas dois turnos (diurno e noturno), e não havendo a necessidade de funcionamento ininterrupto da empresa.

Contudo, decisões recentes proferidas pelo TST têm afastado a aplicação desse entendimento e validado jornadas superiores a 8 horas, em turnos ininterruptos, fixadas em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Por se tratar de tema afeto à jornada de trabalho (ou seja, cuja recorrência é diária e sucessiva e que atinge uma coletividade de trabalhadores), nunca é demais destacar que a anulação desse tipo de jornada tem potencial de impacto financeiro e prático extremamente nocivo aos empregadores.

Por isso, as decisões que conferem validade às negociações coletivas em jornadas superiores a 8 horas em turnos ininterruptos devem ser celebradas.

Evidentemente, essa validade depende da adequada atuação pelo sindicato profissional que, no exercício constitucional de representação dos trabalhadores, deve realizar detida análise acerca da razoabilidade das jornadas propostas e das contrapartidas ofertadas pelas empresas, com intuito de celebrar norma coletiva que favoreça o interesse de todas as partes, o que é inerente ao próprio processo de negociação coletiva.

2. Jornada de trabalho

§Jornada 12 x 36 em ambiente insalubre sem autorização prévia do MTE

Antes da Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), em vigor desde 11.11.2017, a adoção da jornada 12 x 36 em ambiente insalubre demandava autorização prévia do MTE.

Nessa linha, o entendimento predominante dos Tribunais Trabalhistas era de que a obrigatoriedade de obtenção da referida autorização não poderia ser afastada por norma coletiva. Contudo, esse entendimento tem sido superado no TST, que passou a permitir a substituição da autorização da autoridade ministerial pela negociação com o sindicato profissional.

Nesse cenário, o sindicato profissional assume o papel da autoridade governamental na avaliação das condições de saúde mais adequadas aos seus representados.

Reforça-se, com isso, a importância da atuação dos sindicatos profissionais no exercício da defesa dos trabalhadores tal como lhes foi outorgado pela Carta Magna.

§Compensação de jornada - jornada de 12 horas não seguida por 36 horas de descanso

O entendimento até então predominante no TST consignava a invalidade de norma coletiva que permite o desempenho, pelo empregado, de jornada de 12 horas em escalas 4 x 2 e 2 x 2. Isto é, jornadas nas quais o turno de 12 horas de trabalho não sempre é seguido de 36 horas de descanso.

Em decisões recentes, no entanto, o TST tem reconhecido a prevalência das normas coletivas que autorizam a adoção da jornada de 12 horas não seguidas de 36 horas de descanso, validando, assim, as escalas em 4 x 2 e 2 x 2 em jornada de 12 horas de trabalho.

Privilegia-se, assim, um período maior de descanso aos trabalhadores (dois dias seguidos), o que, usualmente, é uma demanda dos próprios empregados que se ativam em jornada 12 X 36.

§Banco de horas - desconto de horas negativas

O desconto salarial decorrente de horas negativas na liquidação do banco de horas ou quando da rescisão contratual sempre se tratou de tema controverso nos Tribunais Trabalhistas.

Entretanto, é possível notar que o TST tem validado a incidência desse desconto quando expressamente previsto em norma coletiva, justamente por não se tratar de direito indisponível dos trabalhadores.

Embora pareça se tratar de tema ordinário, a validação dessa prática pelo TST desestimula o acúmulo de saldo negativo de horas de trabalho pelos empregados e confere aos empregadores a segurança jurídica esperada para a imposição dos descontos salariais, caso necessário.   

Há diversas outras matérias em que o tema 1.046 tem sido aplicado pelo STF e que valem acompanhamento como a delimitação de cargos isentos do controle de jornada, as horas in itinere e os minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho, para citar alguns. 

É possível, assim, que haja uma revisão da jurisprudência consolidada nos Tribunais Trabalhistas, inclusive mediante a readequação de Súmulas e Orientações Jurisprudenciais vigentes.

Espera-se, também, um maior incentivo às negociações coletivas e a ocupação de posição de destaque pelas entidades sindicais em decorrência da maior flexibilidade e relevância conferida aos ajustes entabulados por meio de acordos e convenções coletivas.

Destaca-se, ainda, a possibilidade de análise no âmbito contencioso judicial em busca de oportunidades de discussões em processos em curso (fase de conhecimento, recursal ou de execução) ou, eventualmente já encerrados por meio de Ação Rescisória.

Na esfera contenciosa administrativa, podem ser avaliadas ações revisionais para readequação de obrigações assumidas perante o MPT em TACs - Termos de Ajustamento de Conduta e ações anulatórias contra autuações lavradas pelo MTE, conforme as particularidades de cada caso.

A principal expectativa, assim, e por fim, é de que a aplicação recorrente do Tema 1.046 pelo TST, tal como tem ocorrido, restabeleça a confiança da sociedade na eficácia das normas coletivas, na segurança jurídica das negociações estabelecidas com entidades sindicais, e contribua para a tão necessária redução de litígios.

Douglas Uenohara

Douglas Uenohara

Sócio de área do Pipek Advogados.

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