60 anos do golpe militar: Uma história de paixões recentes
Artigo aborda eventos históricos pós-afastamento de João Goulart, incluindo renúncia de Jânio Quadros e o movimento militar de 1964. O Senado não votou o impedimento do presidente, apesar da pressão militar.
quinta-feira, 18 de abril de 2024
Atualizado às 12:03
No presente artigo serão apresentados fatos históricos públicos, especialmente no contexto dos primeiros atos realizados pós afastamento do então presidente João Goulart.
O enredo do ocorrido no Brasil nos anos 1960, especialmente após a renúncia do então presidente Jânio Quadros em agosto de 1961, que o fizera apenas sete meses após eleito, sustenta-se, marca o início de um quadro de instabilidade política que culminou com o movimento militar iniciado em 31/3/64, com o direcionamento das tropas do general Olympio Mourão Filho de Belo Horizonte para a cidade do Rio de Janeiro, com intento de pressionar a saída do então presidente João Goulart da presidência da República.
O Senado federal não votou o impedimento do presidente. É um detalhe relevante que passa despercebido, ainda que tamanho seja o afronte do referido ato. A sessão do Senado federal de 2/4/64, presidida pelo senador Auro de Moura Andrade não votou o impedimento do presidente.
O áudio da sessão é uníssono no sentido de que ele mesmo declarou vaga a cadeira de presidente da República, afirmando que seu titular, abandonara-a, em que pese manifestações em contrário, dentre elas do ministro-chefe da casa civil Darcy Ribeiro, afirmando que o presidente se encontrava em território nacional, no estado do Rio Grande do Sul.
Afastado o presidente da República nessa sessão do dia 2/4, a Constituição Federal de 1946 teve de ser alterada (pelo AI-1, de 9/4/64), para permitir a candidatura do general Castelo Branco (vide art. 1º, parágrafo 2º, suspendendo todas as ilegibilidades constantes no art. 139 da referida Constituição).
É de se constatar, pois, que o golpe militar de 1964 estava adquirindo outras proporções, e dentre elas a de - na prática - rasgar a Constituição de 1946, editando-a sem os formalismos inerentes aos respectivos atos, quais sejam, os trâmites das matérias no Congresso Nacional.
Antes mesmo da eleição indireta e consequente posse do general Castelo Branco, esse mesmo AI-1, de 9/4/64, (editado pelo autoproclamado poder constituinte originário da revolução) sumariamente suspendeu as eleições diretas que se fariam no ano seguinte, 1965.
Emerge uma questão: Se havia a questão de que João Goulart desestabilizara a República brasileira, e tendo sido ele, ainda que nas condições que o fora, retirado da cadeira de presidente da República, nesse raciocínio, o que era de se esperar: Que o então presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli concluísse o mandato de presidente da República e conduzisse o Brasil para as eleições diretas de 1965. Entretanto, não foi o que aconteceu.
Percebe-se, então, que o regime iniciado não se comprometia nem mesmo com a estrita legalidade que falaciosamente sustentava ser a sua primordial motivação.
O perfil do Estado de exceção já vinha no preâmbulo do já citado AI-1, onde se lê: "(...) a revolução não procura legitimar-se através do Congresso."
É estranha redação, aniquilando o Congresso Nacional, para um movimento que de dizia existir pela vontade popular, razão pela qual, não deveria menosprezar as casas legislativas com membros eleitos diretamente pelo povo brasileiro.
Em 8/6/64, por decreto, o ex-presidente da República Juscelino Kubistichek, então Senador pelo estado de Goiás, teve seus direitos políticos cassados. A aniquilação daquela que àquele tempo era sem dúvidas a maior liderança política brasileira, e preferido para as eleições que deveriam ter sido realizadas no ano seguinte.
Fato histórico esse que muito se lamenta, especialmente tendo Juscelino, enquanto Senador da República, votado no então candidato general Castelo Branco para presidente da República (nas eleições indiretas conforme determinado pelo AI-1, em seu art. 2º).
O que se viu após esse ambiente político foram muitas mais ilegalidades, arbitrariedades. Tendo, pois, esse histórico, é que os brasileiros devem estar a par da consequência de seus atos civis, e não contribuírem para dar lastro a movimentos que não se comprometam com o Estado democrático de direito. A Constituição Federal de 1988 tem, face o contexto político que a antecedera esse compromisso, sua razão de ser e especialmente, de continuar existindo.
É preciso vigilância, é preciso compromisso com o Brasil, é preciso compromisso para que a história não se repita. A democracia, no dizer de Pontes de Miranda, é "um eterno fazer-se". Não é um ponto final, ela é reticências.
A questão é, pois, costurar os pontos que a compõe com linhas firmes, porque o que se levou décadas para se ver construído, o edifício da cidadania, da democracia, pode se ver desmoronar com uma implosão de segundos. O que o Brasil espera de nós é um compromisso histórico, de conhecimento de sua própria história, lastreada, como feito acima, em fatos históricos, não em opiniões e vontades de cunho altamente duvidoso, para não escrever ilegal e arbitrário.
A lição que fica, ainda válida para os dias de hoje é a seguinte: Não se rompe a legalidade no intento de preservá-la. A ilegalidade, dentro da legalidade, cria uma nova ordem institucional que, por incompatível com a ordem anterior, solapa-a, aniquila-a e, uma vez ilegalmente legitimada, põe por terra toda a ordem institucional de outrora. Não podemos admitir quaisquer tentativas que surjam no bojo da ilegalidade.
A democracia, a liberdade e a igualdade são os pilares do Estado democrático de direito, o qual deve ser constantemente preservado e especialmente defendido, defesa essa que deve ser enfática, pois defender a democracia é defender a nossa própria existência não apenas enquanto cidadãos, mas especialmente enquanto civilização, que precisa caminhar para o futuro com passos firmes, sem retrocessos.