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Reparando o passado: empresas, ditadura e ESG

Empresas que apoiaram o golpe militar de 1964 enfrentam questões de responsabilidade social e governança. O reconhecimento e reparação desses atos são cruciais para a integridade corporativa e o alinhamento com princípios ESG. Exemplo: Volkswagen no Brasil.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Atualizado em 17 de abril de 2024 15:41

Neste 31/3 próximo passado passou-se o marco nefasto dos 60 anos do golpe civil militar no Brasil. Para lidar com os entulhos autoritários do passado, a responsabilização das empresas que apoiaram o golpe militar no Brasil, ocorrido em 1964, constitui uma questão não apenas histórica, mas também profundamente relevante para os debates contemporâneos sobre governança corporativa e responsabilidade social. À luz das pautas de ESG - Environmental, Social, and Governance, esse tema adquire uma nova dimensão, estabelecendo um vínculo entre o passado e as práticas empresariais do presente.

Inclusive é comum se referir ao golpe como "golpe civil-militar" porque melhor reflete a participação e o apoio significativo de segmentos civis na preparação, execução e sustentação do regime antidemocrático. Essa terminologia busca reconhecer e destacar a colaboração de empresários, políticos, membros da mídia e de setores da sociedade civil que, por diversos motivos, contribuíram ativamente para o golpe e para a consolidação da ditadura militar subsequente no país.

O golpe no Brasil teve o apoio de diversas empresas, tanto nacionais quanto multinacionais. Muitos empresários e economistas da época apoiavam a ideia de um golpe para implementar reformas econômicas liberais e estabilizar a economia brasileira, que consideravam ameaçada pelas políticas de esquerda de Goulart. Estas corporações buscavam um ambiente de negócios supostamente mais estável ou favorável às suas operações, muitas vezes à custa de direitos humanos e princípios democráticos. Hoje, o movimento em direção a uma maior responsabilidade social corporativa exige que revisitemos essa história para entender melhor como as empresas podem e devem ser agentes de promoção da justiça e da sustentabilidade.

Primeiramente, é importante reconhecer o papel das empresas no apoio a regimes que violaram direitos humanos, para então fomentar uma cultura de responsabilidade e transparência. Isto passa pela necessidade de as empresas reconhecerem seus atos passados, contribuindo para a memória histórica e para reparação das injustiças cometidas. Este processo de responsabilização é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e é um passo crucial para as empresas que desejam se alinhar verdadeiramente aos princípios ESG.

Um exemplo concreto que ilustra bem a questão da responsabilização de empresas por seu apoio a regimes que violaram direitos humanos é o caso da Volkswagen no Brasil. Investigações e relatórios históricos revelaram que a empresa não só apoiou o golpe de 1964, como também colaborou ativamente com o regime, incluindo a denúncia de trabalhadores suspeitos de ativismo contra a ditadura para as autoridades, o que, em alguns casos, levou à detenção e tortura dessas pessoas. Após um período de investigações e pressão pública, a Volkswagen reconheceu formalmente seu envolvimento com o regime militar e pediu desculpas aos trabalhadores afetados e à sociedade brasileira. Este reconhecimento veio como parte de um esforço maior para lidar com seu passado durante a ditadura. Em 2017, a Volkswagen anunciou que faria compensações financeiras a ex-trabalhadores que foram perseguidos durante a ditadura, como parte de um acordo com o Ministério Público Federal. Além das compensações financeiras, a montadora também se comprometeu a apoiar projetos de memória histórica e educação sobre a ditadura no Brasil, contribuindo assim para a preservação da história e o fomento da conscientização sobre os riscos da ditadura e a importância da democracia.

Do ponto de vista ambiental, social e de governança, as lições do passado são claras: as empresas têm um papel fundamental na promoção de práticas sustentáveis, na defesa dos direitos humanos e no fortalecimento das instituições democráticas. Isso envolve não apenas evitar o apoio a regimes autoritários, mas também adotar práticas que promovam o bem-estar social, a proteção ambiental e a governança ética.

Na esfera ambiental, por exemplo, as empresas devem se comprometer com a redução de sua pegada ecológica e com o investimento em tecnologias limpas. No aspecto social, é imperativo que adotem políticas de inclusão, diversidade e respeito aos direitos dos trabalhadores. Quanto à governança, a transparência e a ética nos negócios são fundamentais para construir uma relação de confiança com a sociedade.

Assim, a conexão entre a responsabilização das empresas que apoiaram o golpe militar e as pautas ESG reflete a compreensão de que o desenvolvimento sustentável não se restringe apenas à esfera ambiental, mas abrange também a responsabilidade social e a integridade na condução dos negócios.

Falar em golpe civil-militar é uma forma de reconhecer a complexidade dos eventos de 1964 no Brasil, destacando a diversidade de interesses e atores envolvidos, e evitando simplificações que apenas atribuem o golpe às forças armadas. Ao olharmos para o passado e reconhecermos os erros cometidos, podemos construir um futuro em que as empresas sejam verdadeiramente partes da solução para os desafios globais, contribuindo para uma sociedade mais justa, sustentável e democrática.

Melina Girardi Fachin

Melina Girardi Fachin

Advogada e professora adjunta dos cursos de graduação e pós graduação da UFPR.

Fachin Advogados Associados Fachin Advogados Associados

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