Kleiton Lima - Respeito à igualdade de gênero!
Os princípios da presunção de inocência e a garantia ao devido processo legal impõe ao Poder Judiciário a apuração de fatos criminosos, que apenas poderão ser assim considerados com o trânsito em julgado. A avaliação social também deve seguir os mesmos parâmetros?
quinta-feira, 18 de abril de 2024
Atualizado às 11:57
Nestes últimos dias, a recontratação do técnico Kleiton Lima, ao comando das Sereias da Vila, trouxe muitas discussões, sobretudo nas redes sociais e na imprensa.
Isto porque o ex-técnico da seleção e do time feminino de futebol do Santos foi acusado de assédio moral e sexual em 19 cartas anônimas que, em tese, foram escritas por jogadoras do time feminino. Após tomar conhecimento dessas denúncias, ele deixou o cargo no final do ano de 2023.
De acordo com as informações disponibilizadas pelos principais canais midiáticos até o momento, essas cartas narram que o ex-técnico teria observado uma jogadora com roupas íntimas no banheiro e teria feito comentários sobre o corpo de jogadora e sobre sua vida íntima com a esposa. Além disso, ele teria utilizado a bermuda esportiva sem roupa íntima, o que ressaltava sua genitália e chamava atenção, causando desconforto nas jogadoras.
Consta também que as jogadoras teriam sido orientadas a não registrar boletim de ocorrência, de modo que os fatos não foram noticiados às autoridades públicas na ocasião e, consequentemente, não houve investigação pelos órgãos competentes.
No entanto, quando as denúncias realizadas à ouvidoria do Santos chegaram ao conhecimento público, alcançaram repercussão considerável, o que causou diversos questionamentos sociais não só a respeito da recontratação do ex-técnico como também sobre a conduta adotada pelo clube.
Segundo o coordenador Alexandre Gallo e a coordenadora de futebol feminino do clube, Thais Picarte, as denúncias foram apuradas e nada restou comprovado. Thais afirmou que, na qualidade de mulher, estava tranquila com o retorno do técnico, pois diversas jogadoras foram ouvidas e nada de concreto foi comprovado.
Posteriormente, algumas jogadoras se manifestaram e negaram que foram contactadas e/ou ouvidas pelo clube.
No final de semana, a recontratação reverberou negativamente nas redes sociais, na imprensa e nos gramados. Diversas jogadoras, de times variados, protestaram durante o hino nacional, virando-se de costas, com as mãos na boca. A manifestação sugere que as jogadoras do Santos, tiveram suas vozes silenciadas, clamando por respeito.
Diante das manifestações e da pressão, o técnico novamente pediu o seu desligamento, no site do clube foi disponibilizado o seguinte comunicado:
"Para preservar sua família, sua integridade e o próprio Santos Futebol Clube, Kleiton Lima solicitou hoje afastamento do cargo de técnico das Sereias da Vila. Por ser tratar de uma decisão pessoal, o Santos Futebol Clube aceitou o pedido e reiterou sua confiança de que o assunto seja definitivamente encerrado. Desde a sua contratação, o treinador vem sofrendo críticas e nos últimos dias até ameaças de morte em razão das acusações feitas no ano passado. Mesmo convicto de que não cometeu nenhum dos atos pelos quais é acusado, Kleiton Lima entendeu que seu pedido de afastamento é a melhor opção para preservar todas as partes".
Curioso observar que, em relação aos fatos, não houve qualquer mobilização ou engajamento por parte dos jogares de futebol. Ao que tudo indica, estes fatos não lhes dizem respeito. Circunstância absolutamente diversa, ocorre quando os "parças", isto é, seus colegas, foram acusados pela prática de crimes sexuais.
Não é novidade que o mundo do esporte, especialmente o do Futebol, é machista. Interessante notar que no futebol feminino as jogadoras também enfrentem dificuldade em serem ouvidas, com mais espécies em fatos tão graves.
Neste caso chama atenção que as autoridades também não tenham se posicionado.
Em pleno 2024, tudo o que está sendo veiculado sobre estes fatos não parece razoável e adequado à gravidade das acusações, que merecem maior atenção.
Fazendo um paralelo com o mundo corporativo, imaginemos uma denúncia por fraude, crime patrimonial, em que o profissional seria afastado até a apuração real dos fatos, devidamente investigados pelo compliance.
Tratando-se de condutas ainda mais graves, consistentes em possíveis crimes sexuais, em razão de gênero, as implicações, por óbvio, deveriam ser mais severas e enérgicas, ainda mais por existirem 19 denúncias, o que sugere não se tratar de um fato isolado.
Por muito menos, as pessoas estão sendo literalmente "canceladas"!
Diante dos fatos, antes da recontratação, o clube deveria, até por dever de cautela e demonstração de respeito, questionar as jogadoras do time, sobre o retorno do técnico.
Não se pode negar que o técnico, tem muita influência sobre elas e, consequentemente, sobre suas carreiras. Assim, para preservá-las, não deveria mesmo ter retornado ao cargo.
Diante de tudo, fica o questionamento - a avaliação social e profissional somente por ser realizada com o final de um processo criminal? A sociedade pode avaliar e condenar alguém pelas denúncias?
Nestes casos, a questão é muito mais delicada. Será que a vítima, a jogadora, se sente forte, capaz de se expor e enfrentar tudo e todos, colocando sua carreira em jogo, bem como seu incerto futuro profissional e financeiro?
Como sempre, e este caso parece não ser diferente, de um lado existe uma pessoa tida como influente e do outro vítimas, facilmente silenciadas e descredibilizadas, especialmente pela condição de gênero.
Lamentamos os fatos, insistindo que não basta ser contra o machismo estrutural, devemos combatê-lo. A igualdade de gênero deve ser assegurada em todos os ambientes - inclusive no FUTEBOL.
Felipe Mello de Almeida
Advogado criminalista, especialista em Processo Penal. Sócio do FM Almeida Advogados