Crime e o controle das emoções e dos impulsos
O controle emocional é vital no comportamento humano, inclusive em crimes sob forte emoção. Falhas nesse controle podem levar a comportamentos agressivos impulsivos e arrependimento subsequente.
terça-feira, 16 de abril de 2024
Atualizado às 15:52
O controle das emoções e dos impulsos desempenha um papel fundamental na regulação do comportamento humano, inclusive no contexto do crime, e em especial nos que são praticados sob forte emoção.
Diante de situações interpretadas como ameaçadoras ao bem-estar físico e/ou mental, processos neuropsicológicos envolvidos no controle inibitório e na autorregulação emocional interagem, e podem influenciar a manifestação de comportamentos agressivos, muitas vezes inesperados. São comportamentos que ocorrem de maneira imediata, irracional, emocional e exagerada à situação, o que comumente repercute com o arrependimento do perpetrador.
Dessa forma, é fundamental que operadores do direito possam contar com o conhecimento e avaliações de psiquiatras forenses e psicólogos jurídicos em casos penais em que o indivíduo reagiu sob forte emoção, que demonstra prejuízo em seu controle dos impulsos ou importante dificuldade no manejo das emoções.
Os déficits nestas funções cognitivas impactam diretamente as habilidades necessárias para a tomada de decisões racionais e a capacidade de atuar de forma adequada ao contexto. Assim, peritos e assistentes técnicos em psiquiatria forense e psicologia jurídica podem contribuir demonstrando o nível de prejuízo apresentado pelo indivíduo, tanto de forma relativamente contínua no tempo, como no casos de alguns transtornos mentais ou neurológicos graves, como de forma breve, devido aos mecanismos envolvidos no sequestro emocional, ou sequestro da amígdala. Este último, um fenômeno que ocorre quando a interpretação de uma ameaça como grave faz com que a amigdala domine certas funções cerebrais para "lutar ou fugir", sendo que prevalecem respostas emocionais, dirigidas à sobrevivência/equilíbrio, às racionais.
Controle Inibitório
Com o escopo de explorar o conceito de controle inibitório, é imprescindível compreender o que se refere como funções executivas. Entende-se como funções executivas uma gama de processos cognitivos que permitem o sujeito perceber e responder aos estímulos dispostos no ambiente, de forma a regular seu comportamento: Antecipando, planejando e alterando ações e pensamentos.1
As funções executivas, ademais, são basilares para os processos de aprendizagem. Nesse contexto, destaca-se que uma das suas principais integrantes, considerada até mesmo a mais usada, é o controle inibitório, que se resume como a capacidade de autorregulação do sujeito em suas experiências cotidianas, na qual o cérebro assume a habilidade de corrigir um comportamento e reagir diante de situações imprevisíveis ou que revelam ameaça de maneira rápida e assertiva.
O controle inibitório é fundamental chave na construção dos vínculos sociais, pois permite ao sujeito resistir a inclinações orientadas por emoções, impulsos, e optar por decisões mais racionais alicerçadas em planejamento e reflexão do que é mais adequado e necessário diante das demandas sociais.2
Pesquisas apontam que indivíduos com bom controle inibitório revelam reduzido índices de raiva e ansiedade quando essas emoções são induzidas comparado a aqueles cujo controle apresentava-se prejudicado.3 Dessa forma, compreende-se que o controle inibitório é um processo top-down, recurso neurológico de processamento de estímulo baseado em experiências e expectativas pessoais, capaz de reduzir a experiência de estados emocionais negativos.4
O controle inibitório ou o controle do comportamento implica na inibição de respostas comportamentais rápidas, prematuras e descontroladas para buscar um comportamento direcionado a um objetivo.5
A amígdala é uma estrutura cerebral que desempenha papel central no processamento emocional, avaliação de estímulos aversivos e na formação de respostas emocionais Ela pode provocar respostas fisiológicas ou inibir comportamentos em face de um estímulo ambiental identificado como ameaça, gerenciando os recursos cerebrais envolvidos nesse processo, localizados principalmente no córtex pré-frontal, com o objetivo de avaliar qual melhor alternativa para superar a ameaça.
Em termos mais específicos, pontua-se que o córtex pré-frontal ventromedial e o córtex orbitofrontal são regiões que, principalmente em processos de tomadas de decisões, se comunicam com a amígdala por meio de aferências que associam a percepção dos valores motivacionais dos estímulos e avaliam o comportamento que será assumido.
Portanto, lesões ou disfunções em áreas frontais do cérebro geram graves prejuízos na habilidade de tomada de decisões e gestão de estratégias comportamentais, pois são responsáveis pelo controle inibitório, ocasionando em atitudes impulsivas.6
Outrossim, urge destacar que transtornos mentais aliados a sequestros neurais podem reverberar esse comprometimento do controle inibitório a longo prazo. O desenvolvimento de transtornos mentais, como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, TEI - Transtorno Explosivo Intermitente e transtorno de conduta, são potencializados em sujeitos que experienciam com mais frequência esses sequestros. Indivíduos que apresentam TEI são incapazes de controlar a raiva e exibem explosões agressivas incompatíveis com a realidade em que estão expostos, em função de uma percepção afetada dos eventos.
Autoregulação e a agressão reativa
Seguindo com as explicações sobre comportamentos agressivos e funções executivas, frequentemente mencionam deficiências na autorregulação, ou seja, na capacidade de exercer controle cognitivo intencional sobre os próprios pensamentos, emoções e comportamentos.7 Esse fracasso na autorregulação em atos violentos se dá frequentemente em resposta a estados de humor negativos, entre outras situações de risco.
A agressão pode ser definida como comportamento intencional com o objetivo de prejudicar outra pessoa, seja fisicamente ou psicologicamente. É geralmente classificada em dois subtipos principais, proativa e reativa, embora esses dois tipos não sejam mutuamente exclusivos e um ato agressivo possa ser caracterizado por elementos de ambos:
- Agressão proativa: Pode surgir sem antecedentes óbvios. Geralmente requer a presença de um plano e não está associado ao desempenho prejudicado nas funções executivas.
- Agressão reativa: Resulta da interpretação das intenções de alguém como hostis, provocativas ou frustrantes, está associada a dificuldades no desempenho executivo e na autorregulação e, portanto, causa uma hiper-responsividade à ameaça e respostas impulsivas.
Assim, é provável que a agressão reativa ocorra em indivíduos nos quais o controle inibitório deficiente co-ocorre com a regulação emocional deficiente. Abster-se de ações agressivas quando socialmente ameaçado, provocado ou frustrado requer a capacidade de regular as emoções negativas e inibir o desejo de agir de forma agressiva.
Quanto mais fortes forem as emoções provocadas, maior será a necessidade de controle cognitivo. Notavelmente, o controle cognitivo nem sempre é confiável e/ou tende a ficar cansado com o uso frequente, tornando alguns indivíduos propensos a atos agressivos.8
Revisões de estudos morfológicos e de imagem cerebral funcional sugerem que anormalidades na amígdala podem estar presentes entre indivíduos propensos à agressão reativa, com relatos de volume reduzido e atividade em repouso mais baixa, bem como aumentos fásicos de atividade em resposta a tarefas agressivas e imagens de faces.
Como visto, a amígdala estabelece conexões recíprocas com o córtex pré-frontal, que tem função de inibir sua atividade. Consequentemente, a falha desses circuitos faz com que a amígdala seja liberada da inibição e uma tendência para comportamentos associados à autorregulação emocional precária pode ser observada.
Pesquisas genéticas com gêmeos concluem que a quantidade de variância explicada por fatores genéticos herdados na agressão reativa varia de 26% a 45%, com aproximadamente 40% do restante da variância explicada por fatores ambientais não compartilhados e 10% por fatores ambientais compartilhados. Quando se considera apenas o componente impulsivo da agressão reativa, os fatores genéticos representariam 90% da variância explicada.9
Estudos de alelos em crianças demonstram associações de alterações na pró-socialidade e na empatia emocional com a propensão à agressão reativa. Outros estudos de polimorfismo de genes específicos também demonstram potenciais causas biológicas da agressão reativa.
A "cascata da agressão"
O comportamento agressivo é promovido por:
- Fatores ambientais, como condições culturais e sociais, eventos traumáticos na primeira infância, experiências de vida, tratamentos farmacológicos, abuso de drogas, entre outros;
- Elementos biológicos, como mutações genéticas nos níveis de neurotransmissores e receptores, condições patológicas como alterações morfofuncionais devido a tumores, lesões cerebrais acidentais e/ou lesões vasculares, doenças neurodegenerativas e transtornos mentais.
Alguns desses fatores representam apenas um fator de risco para o comportamento agressivo, enquanto outros podem ser considerados como causas desencadeantes de comportamentos antissociais e agressivos impulsivos, como:10
- Lesões cerebrais, especialmente lesões no lobo frontal;
- Abuso de substâncias psicoativas, como a cocaína, que causa danos às redes neurais de decodificação emocional, raciocínio abstrato e perda de controle inibitório, bem como comprometimento das habilidades mnemônicas e verbais;
- Doenças neurodegenerativas, que podem afetar estruturas cerebrais envolvidas em julgamento, função executiva, processamento emocional, comportamento sexual e autoconsciência;
- Outros transtornos mentais, como a esquizofrenia, o transtorno de personalidade antissocial e o transtorno do espectro do autismo, que são condições psiquiátricas que podem se manifestar com agressividade anormal e comportamento antissocial.
Estas causas estão descritas na figura abaixo que apresenta a "cascata da agressão". Nesta são incluídas interações gene-ambiente-epigenética. Epigenética correspondem às alterações que ativam ou inativam genes sem alterar a sequência do DNA, devido à idade e à exposição a fatores ambientais.11
Essas interações podem induzir déficits neuronais e neurotransmissão alterada. Em transtornos de comportamento agressivo, observa-se uma função alterada de áreas corticais, amígdala e outras regiões. Essas perturbações podem ser representadas por alterações volumétricas, lesões e processamento anormal nas mencionadas regiões límbicas. Sistemas neurotransmissores também estão envolvidos nessas funções alteradas. Mudanças na síntese, captação, transporte e metabolismo de neurotransmissores, bem como alterações na conectividade cerebral, são frequentemente encontradas na agressão.
O efeito é uma modificação nos circuitos emocionais e cognitivos envolvendo a amígdala, córtex pré-frontal, gânglios da base e outras regiões. Esses fenótipos intermediários cerebrais resultam em um desequilíbrio nas recompensas, no medo e no controle cognitivo, o que, por sua vez, gera comportamento agressivo.
Red-outs, ou amnésia do crime
Um conceito que deve ser analisado em conjunto com os processos cognitivos e emocionais envolvidos na prática de crimes é o de red-outs, um tipo específico de amnésia em crimes violentos associados à intensos sentimentos de raiva.12
São considerados uma forma de amnésia dissociativa-seletiva, comumente relacionada a homicídios intrafamiliares, especialmente contra cônjuges.
Os red-outs apresentam quatro elementos básicos:
- Memória intacta antes e depois do ataque violento;
- Um sentimento incomum de fúria associado ao crime;
- Amnésia para a parte mais violenta do evento;
- Ausência de álcool, drogas ou base orgânica para a amnésia.
A memória possui a capacidade de armazenar elementos do mesmo evento em compartimentos distintos. Algumas partes dessas memórias podem ser facilmente acessadas, enquanto outras podem temporariamente ou permanentemente tornar-se inacessíveis. Detalhes factuais e emocionais de um mesmo acontecimento podem ser retidos separadamente na memória, envolvendo o uso de mecanismos diferentes, não necessariamente conscientes, para processar e armazenar informações.
No contexto de red-outs, a intensidade das emoções ou do humor durante a percepção de um fato pode ser significativamente maior do que na tentativa de recordar esse mesmo fato, alterando substancialmente a situação.
A abordagem psicanalítica destaca que memórias extremamente dolorosas ao ego podem ser fragmentadas ou reprimidas, persistindo na existência do indivíduo e potencialmente afetando-o ao longo da vida, mesmo sem acesso à consciência. Pela instância do superego, a repressão da memória pode ocorrer para evitar confrontar a incongruência entre um comportamento criminoso e a autopercepção moral. Nestes casos, o sujeito sentirá culpa pelo ato cometido, e a memória da ação ficaria reprimida para evitar a lembrança de evento tão doloroso.
Teorias comportamentais acrescentam que a amnésia pode resultar de falhas de associação e da memória semântica, indicando que o indivíduo pode não recordar eventos específicos do passado, mas ainda mantém um conhecimento geral das coisas.
Ressalta-se que a amnésia em casos criminosos pode ser atribuída a diferentes causas, como blackout decorrente do efeito do álcool ou drogas, bem como mecanismos de defesa psicológicos, como a repressão.
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1 TRIGO, D. A importância das funções executivas na aprendizagem. 8 jun. 2018.
2 DIAMOND, A. Controle Cognitivo e Autorregulação em Crianças Pequenas: Maneiras de melhorá-los e Por que. Janeiro, 2013. Disponível em: http://www.enciclopedia-crianca.com/funcoes-executivas/segundo-especialistas/controle-cognitivo-e-autorregulacao-em-criancas-pequenas
3 TANG, D. & SCHMEICHEL, B.J. Stopping anger and anxiety: Evidence that inhibitory control predicts negative emotional responding. Cognition & Emotion, 28: 132-42, 2014
4 Manual de psicologia cognitiva [recurso eletrônico] / Michael W. Eysenck, Mark T. Keane; tradução: Luís Fernando Marques Dorvillé, Sandra Maria Mallmann da Rosa ; revisão técnica: Antônio Jaeger. - 7. ed. - Porto Alegre : Artmed, 2017.
5 MILLER EK, COHEN JD. Uma teoria integrativa da função do córtex pré-frontal. Annu Rev Neurosci. 2001; 24 :167-202.
6 AGUIAR, BR DE. Mecanismos neurológicos por trás da raiva: como os sequestros neurais afetam o comportamento. UNIFUCAMP, 2023.
7 Gillespie, Steven M.; Brzozowski, Artur; Mitchell, Ian J. (2017). Self-regulation and aggressive antisocial behaviour: insights from amygdala-prefrontal and heart-brain interactions. Psychology, Crime & Law, (), 1-15.
8 Bertsch K, Florange J, Herpertz SC. Understanding Brain Mechanisms of Reactive Aggression. Curr Psychiatry Rep. 2020 Nov 12;22(12):81.
9 Ángel Romero-Martínez, Carolina Sarrate-Costa, Luis Moya-Albiol, Reactive vs proactive aggression: A differential psychobiological profile? Conclusions derived from a systematic review, Neuroscience & Biobehavioral Reviews, Volume 136, 2022.
10 Cupaioli, Francesca A.; Zucca, Fabio A.; Caporale, Cinzia; Lesch, Klaus-Peter; Passamonti, Luca; Zecca, Luigi (2020). The neurobiology of human aggressive behavior: Neuroimaging, genetic, and neurochemical aspects. Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry, (), 110059-.
11 NIH. https://www.cancer.gov/espanol/publicaciones/diccionarios/diccionario-cancer/def/epigenetica
12 Swihart, G., Yuille, J. e Porter, S. (1999). O papel da memória dependente do estado nos "red-outs". Jornal Internacional de Direito e Psiquiatria, 22 (3-4), 199-212.
Bárbara Cristina Barbosa de Oliveira
Estudante do 7° período de Psicologia na Universidade de Brasília (UNB). Integrante do Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida (LabPAM/UNB). Atua como Assistente de Perícias na Vida Mental Perícias.