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Da impossibilidade das forças armadas como poder moderador da República: Uma análise histórica, com a palavra de Pontes de Miranda

STF decide que Forças Armadas não são poder moderador. Artigo 142 reflete normas anteriores. Transição democrática na Constituinte de 1985.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Atualizado às 15:15

No STF, o recente julgamento de ação (ADIn 6.457) intentada pelo PDT, em análise da lei complementar 97/99, decidiu por unanimidade (11 votos) que não cabe às Forças Armadas atuarem como poder Moderador dos poderes da República brasileira. Em que pese em análise sumária da questão levar ao mesmo entendimento, entendeu bem esse subscritor debruçar-se sobre a questão e tratar do assunto de maneira didática.

Como se demonstrará abaixo, o histórico constitucional brasileiro em momento algum legitima tal assertiva. Fatos históricos, não opiniões, é disso que se trata no presente artigo. 

A primeira constatação, em um trabalho de pesquisa, é poder notar que a redação do art. 142 constante na Constituição Federal de 1988 "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem." não se inova, não se inaugura no Direito constitucional brasileiro. O que capta-se da leitura de outros artigos de Constituições anteriores é a mesma norma.

Nessa linha, é mister situar o especial contexto histórico da última constituinte brasileira, convocada pelo então presidente José Sarney, em 1985.  A convocação marca a superação de um Estado institucional, por outro. O Estado institucional era um Estado descompromissado com a democracia, com os direitos e liberdades individuais. Assim o fora desde 2/3/64, que não nos olvidemos desse fato histórico.

A Constituinte, pois, a superar o Estado liderado pelas Forças Armadas não poderia, por uma razão lógica, criar - e como veremos, não criou nem mesmo textualmente - a legitimação de um poder Moderador seja lá para quem que fosse, ainda mais para as próprias Forças Armadas. Uma vez um presidente civil eleito, pós 20 anos de militares na chefia da nação, não há lógica para que se permitisse uma autorização legal, de qualquer natureza, para pô-los como um poder acima dos demais. 

Voltemos à história do Brasil. Traz-se fatos históricos para se dirimir a presente questão, para que não persistam objeções. 

No que se refere à Constituição de 1967, o art. 92 "As forças armadas, constituídas pela Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica Militar, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei." O sentido é o de que não são as Forças Armadas ente autônomo do Estado brasileiro. Como não o eram nos momentos pregressos da ciência política republicana brasileira.

Em lição do inolvidável mestre Pontes de Miranda (A partir de comentários a Constituição de 1967, tomo III, editora Forense, páginas 387 e seguintes), lê-se em cristalino ensinamento: 

"A consideração dos círculos de hierarquia é assaz importante: sòmente quando acaba ao quadro do círculo maior, envolvente dos quadros e serviços, é que não há mais graduação ou promoção possível; para cima, não há mais Forças Armadas: há, tão-só, o Presidente da República." 

Nesse breve período, sustenta-se, a questão está resolvida. 

Conforme se demonstra, a norma extraída do texto constitucional se mantém uníssona. Optou-se, pois, a trazer o ensinamento do mestre alagoano naquela que foi a última comentada por ele (dado o seu falecimento, no ano 1979), em edição mais recente (ano 1987), para consolidar, doutrinariamente, a questão. Leiamos e ouçamos sua lição.

Nessa mesma linha, no que se refere à Constituição Federal de 1946, o art. 176 "As forças armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei."

Igualmente, no que se refere à Constituição Federal de 1937 - até mesmo a Constituição feita para a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas por Francisco Campos, no art. 161, "As forças armadas são instituições nacionais permanentes, organizadas sobre a base da disciplina hierárquica e da fiel obediência à autoridade do presidente da República." a norma era a mesma, subordinando as Forças Armadas ao presidente da República.

Ainda, no que se refere à Constituição Federal de 1934, o art. 56 "Compete privativamente ao presidente da República: (...) § 8º) decretar a mobilização das forças armadas;" em leitura conjunta com o art. 162 do mesmo texto "As forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e, ordem e a lei." colocava as Forças Armadas sob as ordens do presidente da República.

A título de inquietação intelectual, este subscritor defrontou-se com a primeira constituição republicana. No que se refere à Constituição Federal de 1891, encontra-se a fundamentação para a suposta interpretação que embase o que se chama de poder Moderador da República brasileira. Está no art. 14, no qual lê-se: "As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior."

Ocorre que essa interpretação é partida, incompleta, capenga. O ex-ministro do STF, Eros Grau, em feliz lição para o presente artigo ensinava em voto proferido no ano 2006: "(...) não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços". 

Afirma-se nessa linha, especialmente porque mais adiante o mesmo texto da Constituição de 1891 assenta em seu art. 48: "Compete privativamente ao Presidente da República: (...) 3º) exercer ou designar quem deva exercer o comando supremo das forças de terra e mar dos Estados Unidos do Brasil, quando forem chamadas às armas em defesa interna ou externa da União;" 

Conforme se depreendeu do exposto, a história da República brasileira, desde a sua fundação administrativa, marcada quando da promulgação da Constituição Federal de 1891, não confere nem muito menos legitima qualquer interpretação que conceda às Forças Armadas o papel de poder Moderador da República. 

Em verdade, a simples expressão "poder Moderador da República" é um latente paradoxo, pois presume uma estruturação do Estado republicano com vieses de uma monarquia, na qual o Imperador figurava com tal atribuição, prevista expressamente na Constituição do Império (no texto de 1824, constante no artigo)

Pontes de Miranda, mais uma vez, valioso para os estudantes brasileiros. A lição permanece: Tenhamo-lo por perto, imbuídos de um compromisso histórico com o Brasil.

Ednardo Claudio Benevides

Ednardo Claudio Benevides

Advogado. Pesquisador da bibliografia de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.

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