Políticas públicas de saúde e liberdade de expressão comercial
Recentemente, no periódico "Folha de São Paulo", edição de 4/7 próximo-passado, o Presidente do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária - CONAR, Sr. Gilberto Leifert, concedeu entrevista afirmando que eventuais restrições à publicidade de bebidas alcoólicas contrariaram a Constituição Federal por limitar a liberdade de expressão comercial.
quarta-feira, 13 de junho de 2007
Atualizado às 09:17
Políticas públicas de saúde e liberdade de expressão comercial
José Diogo Bastos Neto*
Recentemente, no periódico "Folha de São Paulo", edição de 4/7 próximo-passado, o Presidente do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária - CONAR, Sr. Gilberto Leifert, concedeu entrevista (clique aqui) afirmando que eventuais restrições à publicidade de bebidas alcoólicas contrariaram a Constituição Federal (clique aqui) por limitar a liberdade de expressão comercial.
A par da polêmica que envolve o tema e interesses econômicos envolvidos, pois os anunciantes de cerveja estão dentre os maiores na mídia nacional, pode se extrair duas conclusões do pensamento externado pelo Sr. Leifert: A primeira é a de que o Sr. Leifert, com a permissão devida, faz leitura míope da Carta Política, optando por visão focada apenas em interesses de poucos; a segunda é a de que o CONAR, entidade pioneira na auto-regulamentação em relevante segmento da economia nacional, sacrifica parte do respeito que conquistou junto a sociedade brasileira por sua valorosa atuação diante da postura de seu representante maior.
Com efeito, a Carta Magna, junto ao art. 220, que assegura liberdade de expressão, prevê junto ao § 2º, II, "in fine", a perspectiva de restrições à "..propaganda de produtos, práticas, e serviços que possam ser nocivas à saúde e ao meio-ambiente", estabelecendo, outrossim, no § 4º do mesmo arquétipo, que "..a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, a advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso."
Por seu turno, a mesma Constituição Federal, no art. 196, após afirmar que "..a saúde é direito de todos e dever do Estado..", assegura a efetivação deste princípio através da possibilidade de adoção de "...políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário de ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.", sendo certo que, "...qualquer iniciativa que contrarie tais formulações há de ser repelida veementemente, até porque fere ela, no limite, um direito fundamental da pessoa humana." (SEBASTIÃO TOJAL, "apud" ALEXANDRE DE MORAES em "Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional", Atlas, 5ª Edição, . 2041)
Nesse diapasão, aferida a perspectiva constitucional de restrição para propaganda de produtos como bebidas alcoólicas, assim como ser obrigação do Estado promover políticas públicas que visem a redução de doenças, não parece difícil concluir a possibilidade de normatização na veiculação de propaganda de cervejas, evitando-a em horário nobre, por exemplo, sem que tal mudança configure transgressão ao princípio da liberdade de expressão comercial.
Ou seja, no confronto dos valores constitucionais envolvidos, quais sejam, de um lado o dever do Estado e interesse difuso na implantação de políticas públicas de saúde que visem reduzir o alcoolismo e todos os efeitos maléficos que seu uso excessivo causam, obviamente estimulados pela publicidade ilimitada, de outro o interesse de alguns anunciantes de bebidas alcoólicas em anunciar seus produtos sem restrições, apesar da Lei Maior as permitir, parece razoável intuir que o bem maior a ser preservado é a saúde pública e cidadania de forma indistinta.
Sob aspecto fático, não é demasiado constatar que alcoolismo é considerado doença pela Organização Mundial de Saúde, demandando, destarte, medidas de prevenção de sua propaganda até em razão do elevado custo que recai sobre o sistema público de saúde diante dos efeitos nocivos advindos do uso excessivo, assim como os recentes índices que apontam redução de consumo de cigarros após o implemento de restrições na propaganda da indústria tabagista.
Assim, salvo maior juízo, inexiste violação alguma a liberdade de expressão comercial caso as indústrias de bebidas alcoólicas estimulem o consumidor a beberem cerveja as quartas (Zecas)-feiras somente após as 23h, quando presumivelmente boa parte do público infantil e adolescente já não estará "grudado" na telinha, ou mesmo modere a veiculação por tipo de público na grade de programação, como sugeriu o publicitário Nizan Guanaes em carta a mesma Folha de São Paulo, restringindo a propaganda de bebidas alcoólicas aos programas aonde o público seja predominantemente adulto, como telejornais, só não podendo valer o argumento de que esta espécie de limite seria forma de censura pois ai o panfleto superaria a técnica, figurino certamente inadequado a entidade como o CONAR.
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*Advogado do escritório Chiaparini e Bastos Advogados
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