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Desmistificando a plausibilidade do Tribunal Constitucional

Em tempos de conflitos bélicos e disputas geopolíticas, é notória a importância de se discutir sobre a historicidade e a caracterização dos tribunais Constitucionais, tentando-se balancear as prerrogativas e as sujeições inerentes.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Atualizado às 13:21

Com o final da Segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de se criar um tipo de tribunal ad hoc, com autonomia constitucional, cujos membros não fossem nomeados pelo sistema de meritocracia tradicional. Nesse viés, pode-se citar que o denominado TC - Tribunal Constitucional se expandiu pela Europa, especificamente em sistemas parlamentaristas ou semi-parlamentaristas, como Alemanha, Itália, Iugoslávia e Turquia. A priori, destacou-se a função de promover a estabilidade democrática e a justiça constitucional, em tempos de conflitos geopolíticos. Todavia, é cediço que a existência de um TC em determinado país não é um sinal de saúde democrática, uma vez que há uma correlação da sua criação à notória dificuldade de superação ao estado liberal do século XIX. Para complementar a argumentação, faz-se necessário citar os dizeres do doutrinador Hans Kelsen, coautor do TC na Alemanha, "A essência da democracia não é a onipotência da maioria, mas sim o compromisso constante dos grupos representados, impedindo a violação aberta ou a erosão dissimulada da Constituição".

Após a apresentação do significado do TC, inicia-se a argumentação expositiva sobre as sujeições e as prerrogativas da positivação deste em determinado país. Isto é, sabe-se que cada nação adotou um modelo específico de TC, devido a própria contextualização e desígnios socioeconômicos culturais pontuais. A priori, é mister descrever sobre os juízes deste TC, denominados juízes constitucionais de 1ª e única instância, nomeados politicamente por período predeterminado, não sendo considerados magistrados tradicionais de jurisdição. Ademais, é importante frisar que estes podem ser dispensados pelas autoridades que os indicaram e, quando nomeados, devem resguardar dedicação exclusiva e integral às questões constitucionais inerentes ao cargo. Por conseguinte, tenta-se garantir ao TC o pluralismo religioso, étnico, linguístico e cultural, cuja renovação de seus membros é determinada em blocos por um período específico.

Ademais, para alguns juristas, o TC seria uma espécie de 4º poder, sem jurisdição constitucionalizada, comparado a um órgão do Estado com funções políticas. Para outros, uma anomalia histórica a ser retirada do ordenamento jurídico, uma vez que pode ser descrito como um órgão negativo e defensivo, arrefecendo a estabilidade constitucional. Explicando melhor, em países onde a Carta Magna foi respeitada, após o liberalismo pós-guerra, como a Inglaterra, não houve a necessidade de criação de um TC. Conquanto, pode-se dizer que a decisão de estruturar um TC em uma nação denota uma inovação ousada a ser ponderada pelas autoridades, uma vez que tem o condão de limitar os poderes do parlamento nacional.

Destarte, as funções dos TC, de modo geral, coadunam com a proteção final da lei suprema, além de promover uma nova legitimidade aos cidadãos de caráter proativo, em relação aos direitos fundamentais. Ou seja, o sufrágio universal tem como decorrência a eleição do parlamento e este escolhe os membros a serem nomeados para atuar no TC, ao contrário da nomeação dos magistrados com jurisdição - nomeados pelo mérito. Nesse contexto, em muitos países, são nomeados pelos chefes de Estado, para o cargo de juízes constitucionais professores de Direito, advogados, funcionários públicos, dentre outros, estabelecendo-se que haja inamovibilidade e imunidade relativos aos cargos.

Outrossim, além da função de proteção constitucional, pode-se destacar a resolução de conflitos entre os poderes e o Estado, reivindicações das comunidades autônomas, julgamentos criminais de autoridades, questões eleitorais e internacionais, dentre outras. Entretanto, especificamente no TC austríaco, a função de controlar a constitucionalidade e a legalidade das normas abrange questões peculiares que os diferencia dos outros TC. Assim dizendo, os TC da Áustria podem ser considerados "supertribunais" de cassação, com o intuito de filtrar recursos, atuando somente em 4 sessões anuais. Além disso, é interessante descrever que a sentença relacionada ao controle de constitucionalidade tem efeito ex-nunc e erga omnes, resguardando a segurança jurídica.

Nessa toada, para finalizar, deve-se descrever sobre o TC francês e suas peculiaridades oriundas da Revolução Francesa, porquanto exerce o controle preventivo político e não judicial. Explicando de outra forma, razões históricas relativas à desconfiança em relação aos magistrados os privaram de interpretar as leis e declará-las nulas. Portanto, no período pré-revolução, havia certa arbitrariedade disfarçada de subjetividade nos julgamentos dos magistrados daquela época. Posteriormente, delegou-se aos juízes a atribuição de pronunciar a lei, inibindo-os de exercer a função legislativa. Em decorrência disso, razões práticas, ideológicas e históricas conciliaram ao Conselho de Estado, instituído o poder de controlar a constitucionalidade dos atos normativos. Com a promulgação da Constituição francesa de 1958, criou-se o Conselho Constitucional, muito próximo do modelo da Corte americana, com o objetivo de fortalecer o executivo e racionalizar o parlamento. Nessa perspectiva, as decisões atuais desta Corte não se sujeitam a recursos, sendo obrigatórias e perfazem o efeito de coisa julgada.

Diante do exposto, esta tratativa demonstra a complexidade do assunto referente ao TC, requerendo uma análise histórica territorial específica, pois cada país prioriza a caracterização de seu próprio Tribunal. Nesse texto, não se pretendeu esgotar o tema de viés universalizado, mas sim expor as funções, as benesses e as implicações de se institucionalizar um TC. Todavia, os TC, em regra, são símbolos de eticidade e altruísmo, defendendo os direitos humanos, após um período tão conturbado como a Segunda Guerra Mundial. Resta saber qual será o futuro constitucional desses Tribunais peculiares, posto que, cada vez mais, o universalismo das nações tem perdido terreno para o individualismo econômico e social.

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3. BALKIN, Jack M. "What Brown Teaches us About Constitutional Theory". In: Virginia Law Review, vol. 90, n. 4. Virginia: Virginia Law Review Association, 2004, p. 1537-1577 1.

4. BARROSO, L. R. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Rio de Janeiro: OAB Editora, 2008. Disponível em 2.

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Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Mestranda em Direito FUNIBER, pós graduação em Direito Constitucional Damásio, pós graduanda em direito tributário Anhanguera, coautora do livro novos temas de direito e pós modernidade (2023).

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