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Conhecimento cura preconceito: Um olhar jurídico para o dia mundial de conscientização sobre o autismo

Carolina Figueiredo Germano, Isabela Maria Soares Silva e Virgínia Lorena da Silva

Dia Mundial de Conscientização sobre o autismo, promove entendimento do espectro autista e direitos das pessoas, combatendo tabus e discriminação.

sábado, 6 de abril de 2024

Atualizado em 5 de abril de 2024 14:35

Criado em 2007 pela ONU e instituído no Brasil pela lei 13.652/18, o dia 2 de abril é o Dia Mundial de Conscientização sobre o autismo. O objetivo dessa data é promover o conhecimento sobre o espectro autista, bem como sobre as necessidades e os direitos dessas pessoas, considerando que ainda existem muitos tabus, discriminação e falta de informação sobre o tema.

TEA - Transtorno do Espectro Autista é definido pelo Ministério da Saúde enquanto "uma condição de saúde caracterizada por desafios em habilidades sociais, comportamentos repetitivos, fala e comunicação não-verbal", que aparece na infância e tende a persistir na adolescência e idade adulta.1

Assim como as pessoas sem deficiência, as pessoas autistas também possuem as suas particularidades e individualidades. Não por outro motivo, o autismo foi classificado como espectro em 2013 pela American Psychiatric Association.2 Isso porque, o autismo pode se manifestar em diferentes níveis e formas, exigindo diferentes suportes terapêuticos para a promoção da autonomia e qualidade de vida da pessoa.

 Nesse contexto, aumentar a compreensão sobre o tema significa enfrentar também o capacitismo - preconceito em razão de deficiência -, auxiliar na conquista e exercício de direitos e, em última instância, caminhar para uma sociedade cada vez mais inclusiva e que respeite a diversidade humana. Assim, o objetivo deste breve texto é apresentar um panorama geral das principais informações e prerrogativas das pessoas autistas no Brasil.

Publicada em dezembro de 2012, a Lei Berenice Piana (lei 12.764/12), que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estabelece um extenso rol de direitos e garantias fundamentais a essas pessoas, com destaque para o direito: (i) de acesso à serviços específicos de saúde, como diagnóstico precoce, medicamentos e atendimento por uma equipe multidisciplinar; (ii) ao tratamento igualitário em relação às pessoas sem deficiência, inclusive no que diz respeito à sua liberdade e convivência familiar; (iii) à participação de planos privados de assistência à saúde; e (iv) direito à Ciptea - Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista para prioridade no atendimento e acesso, seja no setor público ou privado, à saúde, educação e assistência social.

Ademais, a lei prevê que as pessoas diagnosticadas no espectro são consideradas PcD - Pessoas com Deficiência para todos os efeitos legais (art. 1º, §2º da Lei Berenice Piane). Esse reconhecimento é de grande relevância porque, alinhado ao disposto na CDPD - Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (decreto 6.949/09), o foco recai em evidenciar que a deficiência não é apenas um atributo da pessoa, mas também um resultado entre as suas caraterísticas e as barreiras (sociais ou arquitetônicas) por ela enfrentadas, que impedem a sua efetiva participação na sociedade em igualdade com as demais pessoas (art. 1º da CDPD).

Assim, às pessoas no TEA também é garantido o gozo de todas as normas protetivas aplicáveis às PcD a nível nacional e internacional. Nesse sentido, vale destacar que a CDPD, enquanto tratado de direitos humanos, foi internalizada no Brasil com status de norma constitucional.3 Por esse motivo, inclusive, foi promulgado o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) como forma de instrumentalizar ferramentas para a inclusão, bem como prever sanções para eventuais violações aos direitos das PcD.

Com base nas informações divulgadas pela CDC - Centers for Disease Control and Prevention,4 estima-se que há cerca de 6 milhões de pessoas com TEA no Brasil.5 A pesquisa levou às seguintes hipóteses para justificar o crescente aumento de diagnósticos: (i) maior acesso da população aos serviços de diagnóstico; (ii) maior capacitação de profissionais da saúde sobre o autismo e suas nuances, sobretudo por ser uma deficiência oculta; (iii) maior conscientização de pais, professores e pediatras para identificar sintomas; e (iv) maior compreensão sobre fatores externos que, associados a questões genéticas, contribuem para maior recorrência de TEA, como idade avançada dos pais e uso de certos medicamentos na gravidez.

 Contudo, em que pese o aumento nos diagnósticos, a legislação protetiva e a crescente conscientização sobre o assunto, muitas pesquisas evidenciam que as pessoas autistas não desfrutam plenamente dos seus direitos e garantias no país.

Em um levantamento recente feito pelo Mapa Autismo Brasil, conduzido no Distrito Federal, foi possível constatar que 36,49% das pessoas com TEA frequentaram apenas a educação infantil. Segundo os dados da pesquisa, dentre as razões para a evasão escolar, está a baixa adesão (19,36%) a um PEI - Plano Educacional Individualizado, a saber, plano pedagógico que acompanha o desenvolvimento do aluno e estabelece as suas específicas necessidades educacionais.

A pesquisa indica ainda que 31,72% dos alunos autistas não tiveram acesso a nenhum recurso e/ou serviço de adaptação e apenas 37,43% possuem acesso a um mediador/facilitador educacional, apoio indispensável para atender as particularidades do aluno autista, em linha com os arts. 58 e 59 da lei de diretrizes e bases da educação nacional (lei 9.394/96).

Por sua vez, pesquisa realizada pela Universidade Mackenzie de São Paulo concluiu que a distribuição das entidades que prestam serviços de apoio especializado às pessoas autistas é irregular e insuficiente para a demanda nacional. Foram identificadas 650 instituições que assistem pessoas com TEA, mas que estão concentradas nas regiões Sul e Sudeste do país.

É importante destacar que o tratamento da pessoa com TEA não se resume ao tratamento diagnóstico e intervenção médica, mas também aos aspectos psíquicos e interpessoais. Nesse sentido, em 2023, o Ministério da Saúde anunciou a inclusão do TEA na Política Nacional da Pessoa com Deficiência, redirecionando verbas aos CERs - Centros Especializados em Reabilitação habilitados na modalidade intelectual e que prestam atendimento às pessoas com TEA, com o objetivo inicial de auxiliar especialmente crianças e adolescentes de 0 a 18 anos por meio de ações e serviços de cuidado integral da saúde.

Finalmente, cabe ressalvar que informações públicas/acessíveis e pesquisas de fontes confiáveis sobre o TEA ainda são incipientes e a falta de informação - ou conscientização, como objetiva o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo - é um dos principais obstáculos para a efetivação dos direitos e políticas públicas sobre a matéria no país. Inclusive, somente em 2022, foi incluído no Censo Demográfico realizado pelo IBGE uma pergunta específica sobre TEA em virtude de previsão legal (lei 13.861/19), cujo resultado está previsto para o final de 2024.6

São muitas as dificuldades de efetivação das políticas públicas no país, aqui, em especial, aquelas visando ao acesso à educação inclusiva e à saúde pública pelas pessoas autistas. Assim, a obtenção de mais dados, o mapeamento demográfico e a difusão de informações revelam-se passos essenciais para avançar na conscientização sobre o TEA e combater a discriminação em relação às pessoas autistas, sobretudo por se tratar de uma deficiência oculta.

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1 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Biblioteca Virtual em Saúde. "Educação inclusiva": 02/4 - Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/educacao-inclusiva-02-4-dia-mundial-de-conscientizacao-sobre-o-autismo/. Acesso em 07/03/2024.

2 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5. Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli et al. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

3 Eis que aprovado nos termos do art. 5º, §3º da Constituição Federal de 1988, a saber: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

4 CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Data & Statistics on Autism Spectrum Disorder. Disponível em: https://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html. Acesso em: 08/03/2024.

5 Valor calculado e estimado para a realidade brasileira (população de 216 milhões), com base no estudo do CDC dos Estados Unidos (EUA), referência mundial no tema, que apontou que há prevalência de uma pessoa autista para cada 36 nos EUA. Disponível em: https://www.canalautismo.com.br/artigos/por-que-o-brasil-pode-ter-6-milhoes-de-autistas/. Acesso em: 07/03/2024.

6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma pergunta que abre portas: questão sobre autismo no Censo 2022 possibilita avanços para a comunidade TEA. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/noticias-por-estado/36346-uma-pergunta-que-abre-portas-questao-sobre-autismo-no-censo-2022-possibilita-avancos-para-a-comunidade-tea. Acesso em: 08/03/2024.

Carolina Figueiredo Germano

Carolina Figueiredo Germano

Advogada na equipe de Energia do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados. Pós-Graduanda no MBA em Regulação, Energia e Transição Climática pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Pós-Graduanda em Direito Regulatório pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Isabela Maria Soares Silva

Isabela Maria Soares Silva

Advogada na equipe de Contencioso Cível Empresarial do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados. Especialista em Direito Civil pela PUC-Minas. Pós-graduanda em advocacia contenciosa cível pela Legale. Pesquisadora do Laboratório de Bioética e Direito - Cátedra UNESCO. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Lavras (UFLA).

Virgínia Lorena da Silva

Virgínia Lorena da Silva

Assistente jurídica no Rolim, Goulart, Cardoso Advogado. Graduanda em Direito pela PUC Minas.

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