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O princípio da vinculação do instrumento convocatório na licitação

A vinculação ao instrumento convocatório ou ao Edital, à evidencia, é de vital importância não só para a realização do certame, como também para disciplinar as relações jurídicas consequentes.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Atualizado às 07:52

Tanto a finada lei 8.666/93, quanto a lei 14.133/21, consideradas normas gerais licitatórias, estabeleceram, expressamente, que o processo administrativo licitatório obedecerá, dentre outros princípios, ao da vinculação ao instrumento convocatório (ou ao Edital, na linguagem do normativo de 2021). Trata-se de principio de natureza explicita, infraconstitucional, consistente no conjunto de enunciados, que estabelecem os termos e as condições mediante as quais será instalado, desenvolvido e encerrado um processo administrativo de natureza licitatória, bem como pré-estabelecendo os termos e as condições das relações jurídicas que lhe são consequentes, especialmente no que atina aos direitos e obrigações que a Administração Publica manterá com o licitante detentor da proposta que, formalmente, for contratada. 

Em regra, o instrumento convocatório resulta da expedição de ato administrativo que aceita o conteúdo previamente elaborado pelos agentes públicos responsáveis pela sua confecção, determinando o lançamento do certame. Este ato formal atribui juridicidade aos enunciados contidos no instrumento convocatório, devendo os interessados respeitar o seu conteúdo, assim como aqueles responsáveis por exercer o controle correspondente, tanto interna, quanto externamente.  

O instrumento convocatório naturalmente deverá respeitar os limites da lei aplicável, das normas gerais licitatórias, assim como dos comandos constitucionais que também se enderecem à matéria envolvendo licitação e seu processo. Havendo eventual desconformidade, abre-se a possibilidade de impugnar-se o instrumento convocatório, por qualquer um que assim o deseje, sem prejuízo do vício correspondente ser, se for o caso, objeto de discussão judicial, até envolvendo a nulificação ou anulação do certame e o apenamento daqueles envolvidos no ilícito.  

A vinculação  

Dizem, alguns, que o instrumento convocatório é, verdadeiramente, lei interna, lei entre as partes envolvidas no certame etc. Não nos parece apropriado dizer que ato administrativo assemelhe-se à lei, seja lá de que espécie for, ainda que assim se refira numa analogia ou metáfora. Confunde os iniciantes. Alçado ao altiplano principiológico, diz-se que o princípio em questão é da vinculação ao instrumento convocatório ou ao Edital. Noutros torneios, pode-se dizer que os termos e condições constantes do aludido instrumento vinculam ou obrigam a todos aqueles que tomarão parte no processo administrativo, assim como a todos aqueles que sejam chamados a sobre ele tomar parte, opinar ou decidir, caso dos Tribunais de Contas e, também, do Poder Judiciário, se provocado, nas questões que transcendam o âmbito administrativo. 

Isto ocorre porque o ato administrativo que aprova o instrumento convocatório, contendo, como efetivamente contém, a presunção de legitimidade, imperatividade e exigibilidade própria dessas espécies de atos jurídicos, a todos obriga, implementando, concretamente, as determinações emanadas da Constituição Federal, assim como das normas jurídicas infraconstitucionais. Ao servir de condutor de prescrições legais, acrescido de disposições resultantes do poder discricionário de identificarem-se as situações mais apropriadas ao certame, atinge os interessados, seja a própria Administração Pública e seus agentes públicos, seja os administrados, cidadãos e responsáveis pelo controle externo. 

A vinculação, em regra, é absoluta, no tocante aos direitos e obrigações que reflitam e adotem, adequadamente, as normas jurídicas atinentes ao processo licitatório.  

Agora, observa-se que em especificas situações poderá a vinculação ser relevada, especialmente quando entrar em desacordo com determinados princípios jurídicos caros à licitação, caso dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, referir-se a aspecto que, substancialmente, em nada prejudicaria o processo administrativo licitatório ou, mesmo, formalmente desatender ao instrumento convocatório ou Edital, mas, substancialmente, satisfazer à finalidade da norma.  Se a condição constante do edital é de clareza solar, foi efetivamente desatendida por determinado licitante, inseriu-se no mérito administrativo por ocasião da sua elaboração, mas a infringência é de repercussão praticamente nenhuma ao certame, não resultando de má-fé dos envolvidos e nem trazendo qualquer prejuízo ou desfavor ao interesse público, a vinculação por vezes poderá ser relativizada, sendo mesmo tolerada em obsequio, inclusive, ao aspecto da vantajosidade e da competitividade. 

Havendo, entretanto, desconformidade com os valores relevantes inseridos em lei e, praticamente, somente retratados no instrumento convocatório em questão, sobretudo, mas não se limitando, a afronta à determinação constitucional de exigir-se a comprovação de satisfação aos requisitos técnicos e econômico-financeiros, como também contrariedade a disposições relevantes resultantes do exercício do poder discricionário, entendemos que não será apropriada e nem jurídica a relevação, especialmente porque o processo licitatório, como se sabe, é movido pelo caráter competitivo que envolve os interessados, sendo daí mais rigorosa a cobrança e obediência estrita aos termos a às condições assinaladas no instrumento convocatório.  

Fundamentos do princípio da vinculação ao instrumento convocatório ou ao Edital 

As normas gerais licitatórias disseminam diversos enunciados jurídicos que, em conjunto, concedem fundamento a este princípio, que se torna de natureza explicita, dada a referência expressa formulada pelas aludidas leis.  

Antes de vincular a todos, o legislador revela intensa preocupação em delimitar, sob os modais deônticos, sobretudo, no ponto, proibir ou obrigar, o conteúdo do instrumento convocatório. Aspectos sensíveis são lançados na lei e deverão contar com estrita obediência por ocasião da elaboração dos atos convocatórios. Dizem respeito, v.g., à proibição de inserção de condições restritivas, anticompetitivas e antiisonômicas, à impossibilidade da obtenção de recursos financeiros para a execução de obras ou serviços, à vedação da apresentação de materiais sem quantitativos precisamente dimensionados, à restrição envolvendo bens ou serviços sem similaridade, à obrigação da Administração franquear e disponibilizar todos os elementos necessários à apresentação de propostas etc. 

Após definir os domínios do conteúdo dos instrumentos convocatórios, reiteradamente adverte e determina que todos deverão atender e obedecer ao seu teor ao longo do certame licitatório e, mesmo, após o seu encerramento, pois, como se sabe, os atos e fatos relativos aos processos administrativos licitatórios perduram gerando efeitos, inclusive no que atina aos contratos que lhe sucedam e sejam celebrados por força da realização do certame.   

Aspecto subjetivo

Sob o aspecto subjetivo, observa-se que o endereçamento das determinações prescritivas do legislador aloja-se, intensamente, na própria Administração Publica e nos agentes responsáveis pela condução e conclusão do processo administrativo licitatório. Preocupa-se em erguer limites bem definidos para que a Administração Publica não os transborde, incorrendo no vitando equivoco de contrariar as normas gerais licitatórias, por supor que, num caso concreto,  em assim o fazendo, poderia trazer maiores vantagens à própria Administração Publica ou, ainda, como lamentavelmente se constata, por vezes, para o fim de abrigar interesses subalternos. 

Mas, a par disso, evidentemente, os comandos legislativos que exigem obediência ao instrumento convocatório, também se direcionam aos vivamente interessados no certame, que ganham a rotulação de licitantes, assim como para todos aqueles que, compulsória ou eventualmente venham a ser chamados a intervir no processo, seja para controlá-lo, seja para dele manifestarem-se, ainda que de maneira reflexa (caso dos magistrados que se debrucem sobre medidas judiciais que venham a ser eventualmente propostas para dirimir controvérsias instaladas no próprio certame ou nos contratos consequentes), ou, ainda, para a sociedade civil que queira acompanhar e tomar ciência dos termos e das condições estabelecidas nas contratações que envolvam a Administração Publica correspondente.  

A vinculação na contratação subsequente

Além do aspecto subjetivo de endereçamento, observa-se que, uma vez encerrado o certame, e, nos casos em que contrato formal seja subscrito entre a Administração Publica e o licitante vitorioso, observam-se, nas normas gerais licitatórias, enunciados jurídicos que integram o ajuste contratual aos próprios termos e condições constantes do instrumento convocatório, inclusive ao exigir que a minuta do contrato seja parte integrante do instrumento convocatório. 

A relação contratual subsequentemente instalada, não apresenta natureza contratual simples e autônoma, isto é, somente alicerçada nas clausulas constantes do próprio contrato. Antes, ao contrário. O contrato possui todas as disposições alojadas nas normas gerais, por determinação legal internadas no ajuste, dada a prescrição expressa de haver remissão explicita a tanto.  Submete-se a um corpo normativo publicista, que pouco deixa de margem de discricionariedade ao elaborador do texto ou ao agente publico responsável pela sua formulação, ressalvadas, naturalmente, as particularidades especificas que envolvam a contratação em apreço; menos, ainda, deixa espaço para o administrado, o qual, verdadeiramente, torna-se mero subscritor de um ajuste que mais se parece com o contrato de adesão, dado que a sua participação na definição do seu conteúdo é praticamente nenhuma. 

Relativamente às contratações diretas, ou seja, naquelas decorrentes de licitações dispensadas, dispensáveis ou inexigíveis, os termos e as condições que justificam essa modalidade de contratação, ainda que formalmente não se apresentem sob a forma de Edital, frequentando termos de denominação imprecisa ou inespecífica, perduram ao longo do ajuste, vinculando o fornecimento ou a prestação objeto do contrato. Havendo mutação do objeto, v.g., haverá desconformidade que maculará a contratação, suscitando a aplicação das repercussões apenadoras apropriadas.  

A vinculação ao instrumento convocatório ou ao Edital, à evidencia, é de vital importância não só para a realização do certame, como também para disciplinar as relações jurídicas consequentes, não importa o suporte legal sob as quais se instalem (contrato, carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra, ordem de execução de serviço).

Marcio Pestana

Marcio Pestana

Sócio do escritório Pestana e Villasbôas Arruda Advogados.

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