MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Tarifas bancárias em contratos CDC: A simplicidade da lei e a complexidade das decisões judiciais

Tarifas bancárias em contratos CDC: A simplicidade da lei e a complexidade das decisões judiciais

Rafael Arthur Ribeiro Carvalho

A judicialização das tarifas bancárias, especialmente no crédito direto ao consumidor, persiste apesar das regulamentações do CMN, refletindo questões como o abuso na concessão de Justiça gratuita.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Atualizado às 08:35

Ano após ano, o Poder Judiciário não consegue se livrar do pesado manto que as ações de cunho revisional colocaram sobre seus Setores de Distribuição. O tema "Tarifas Bancárias" continua sendo um dos principais objetos de discussão neste cenário, com foco na modalidade CDC - Crédito Direto ao Consumidor.

Nos contratos CDC, as Tarifas Bancárias mais discutidas são: Tarifa de Cadastro, Tarifa de Avaliação de Bem e Despesa com Registro de Contrato. Nomenclaturas como "TAC", "TEC" e "Gravame Eletrônico" caíram em desuso, e outras atualmente são consideradas ilegais, como a "Comissão de Correspondente Bancário", que não pode ser cobrada desde 25/2/11 (Res. CMN 3.954/11).

De Norte a Sul, de Leste a Oeste, dos juizados às varas Cíveis, nenhum tribunal ou comarca escapa. E, mesmo com o cenário de demandantes e advogados que dividem as demandas (revisionais e pedidos de devolução de Tarifas), já tendo sido descoberto, exposto e reportado aos Magistrados, não se vê desencorajamento na proposição deste tipo de pleito.

É certo que a excessiva concessão de Justiça gratuita, sem qualquer tipo de comprovação, é um dos motivos que explicam o aumento das referidas ações ou, ao menos, nos ajudam a entender por que não houve ainda uma drástica diminuição de demandas deste tipo.

Inicialmente, é imprescindível esclarecer ao leitor que tais tarifas bancárias já estão regulamentadas e padronizadas pelo CMN - Conselho Monetário Nacional, por meio da resolução 3.518/07, e sua legalidade já foi tema de Repercussão Geral, que serão expostos a seguir.

Surge a questão: será que essa quantidade de demandas que assola o Poder Judiciário surgiu apenas por conta dos advogados demandantes e/ou das concessões de justiça gratuita?

Começando pela Tarifa de Avaliação de Bem, esta se origina da atividade necessária da Instituição Financeira para confirmar que o objeto dado em garantia ao contrato realmente possui condições comerciais para tal.

Ainda mais frívola é a discussão sobre a Despesa com Registro de Contrato, que nada mais é do que o efetivo registro do contrato de financiamento junto ao DETRAN. Sua necessidade é indiscutível para dar publicidade ao ônus da alienação, impedindo que o veículo seja objeto de outros contratos.

Como pontuado anteriormente, essas tarifas já foram objeto de decisão no REsp 1.578.553-SP, de relatoria do ministro Paulo de Tarso, em 28/11/18 - Tema 958 STJ, que reconheceu a legitimidade destas.

Assim, no julgamento, que à época abrangeu quase 400.000 ações que estavam suspensas, restaram decidido pela legalidade da Tarifa de Avaliação de Bem e Registro de Contrato, desde que os serviços sejam efetivamente prestados.

Neste sentido, há magistrados que inclusive aplicam multa por litigância de má-fé a autores que ajuízam este tipo de ação, como é o caso do dr. Guilherme Duran Depieri, por meio da sentença proferida em 18/12/23, no processo 1083784-46.2023.8.26.0002 (10ª vara Cível de São Paulo - Foro Regional II - Santo Amaro):

Quanto às tarifas de avaliação de bem e de registro de contrato, houve reconhecimento da validade delas pelo STJ, no julgamento do REsp 1.578.553/SP, em sede de recurso repetitivo (Tema 958).

No presente caso, depreende-se que o veículo objeto do contrato foi efetivamente avaliado, uma vez que seu valor constou expressamente do contrato celebrado entre as partes, com comprovação dos procedimentos pelos documentos. O registro de contrato no órgão de trânsito, de seu turno, consta do próprio DUT do veículo.

Por fim, depreende-se que a parte autora formulou pedidos contra teses firmadas em Recursos Repetitivos e em súmulas do C. STJ, deixando de cumprir o dever legal previsto no art. 77, II, do CPC, olvidando-se da força obrigatória dos precedentes estabelecida no art. 927 do mesmo diploma processual. Por tal razão, com fundamento no art. 80, I c/c o art. 81, ambos do CPC, aplico à parte autora multa por litigância de má-fé, correspondente a 5% sobre o valor da causa, em proveito da parte ré. (juiz: Guilherme Duran Depieri; sentença: 18/12/23, Juízo: 10ª vara Cível de São Paulo - SP - Foro Regional II - Santo Amaro).

Ora, o próprio STJ já sedimentou o entendimento de que a multa por litigância de má-fé deve ser aplicada nos casos em que o tema do processo já foi submetido aos Repercussivos, vide AgInt no REsp 1.573.980/PE - STJ. Contudo, mesmo após o Repercussivo citado, são proferidas decisões que não apenas abalam a segurança jurídica, mas também colocam em xeque a supremacia dos tribunais superiores, como é o caso das sentenças proferidas nos autos 0028840-07.2023.8.17.8201, em 15/8/23, e 1003297-14.2022.8.26.0297, em 28/6/22, respectivamente. Vejamos:

A Tarifa de Registro - não tem autorização do Banco Central e tem a finalidade de proteger o crédito da instituição financeira, havendo precedentes do STJ orientando no sentido de que a cobrança deve ocorrer se prevista expressamente no contrato e haver autorização do Banco Central sobre a despesa, portanto se não há autorização do Banco Central ou resolução, não pode a despesa ser repassada ao consumidor. Devendo, portanto ser devolvida em dobro. (juíza: Maria Rosa Vieira Santos; processo 0028840-07.2023.8.17.8201; sentença: 15/8/23, juízo: 5º juizado especial de Recife - PE).

É certo que o réu apresentou documento comprovando suposta avaliação do bem.

No entanto, é necessário laudo detalhado. Ora, até um contrato de locação de veículo exige uma descrição mais apurada.

Além disso, o que temos observado neste juizado é que o modelo de documento utilizado pelo réu é o mesmo, como se todos os veículos fossem iguais. Como se vê, não há comprovação de que fora realizada avaliação, por meio de descrição apurada, considerando a especificidade do veículo.

Não bastasse, não há, sequer, nota fiscal comprovando a efetiva prestação do serviço. Logo, a cobrança revela-se abusiva. (juiz: Fernando Antonio de Lima; processo 1003297-14.2022.8.26.0297; sentença: 28/6/22; juízo: juizado especial de Jales - SP).

Como seria possível a consolidação de um entendimento sobre um tema se o próprio Poder Judiciário cria entraves e novidades para a sua aplicação? Em nenhum momento do julgamento dos Repercussivos restou delimitada, por exemplo, a qualidade desses serviços, mas tão somente a sua comprovação.

O fato de haver hoje tamanha discrepância de entendimento entre os magistrados, em uma matéria que o próprio Judiciário ilustrou como simples, é, com toda a certeza, um dos maiores motivos pelos quais ações deste tipo se proliferam, facilitando o trabalho dos advogados agressores e, pior, os encorajando.

Portanto, o quadro de milhares de ações indenizatórias desse segmento pode parecer desafiador, mas grande parte da sua solução é simples e caseira: basta todos colocarem em prática aquilo que já foi determinado em 2018.

---------------------

Código de Defesa do Consumidor;

Código de Processo Civil;

Resolução n.º 3.518/2007 - CMN;

Resolução n.º 3.954/2011 - CMN;

TEMA 958 STJ;

REsp 1.578.553-SP - Ministro Paulo de Tarso;

AgInt no REsp 1573980/PE - STJ;

Processo n.º 1083784-46.2023.8.26.0002 (10ª Vara Cível de São Paulo - SP - Foro Regional II - Santo Amaro);

Processo n. 0028840-07.2023.8.17.8201; Sentença: 15/08/2023, Juízo: 5º Juizado Especial de Recife - PE - Juíza: Maria Rosa Vieira Santos;

Processo n. 1003297-14.2022.8.26.0297; Sentença: 28/06/2022; Juízo: Juizado Especial de Jales - SP - Juiz: Fernando Antonio de Lima;

https://www.conjur.com.br/2023-dez-06/litigancia-predatoria-envolve-330-mil-acoes-e-gera-impacto-de-r-27-bilhoes-ao-ano/

Rafael Arthur Ribeiro Carvalho

Rafael Arthur Ribeiro Carvalho

Advogado no Mascarenhas Barbosa Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca