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O indiciado é um acusado em sentido amplo: por uma participação eficiente do cidadão no inquérito policial

Nunca foi tão importante identificar que o indiciado é um acusado em sentido amplo e que o inquérito policial não pode ser analisado como mero procedimento administrativo.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Atualizado às 07:38

O inquérito policial "tal como hoje existe, descende exatamente do processo inquisitorial (daí provém o nome das atuais investigações policiais)" (GONÇALVES, 2003, p. 162).

O inquérito policial hoje vigente tem a função precípua de investigação do crime e a descoberta do seu autor, a fim de fornecer elementos para o titular da ação penal, seja o Ministério Público ou para o particular iniciar a persecução penal.

Contudo, não é esse o fim que vem se realizando o inquérito policial nos últimos tempos, ao contrário, tem sido palco de diversas injustiças e prejuízos para os cidadãos.

O indiciamento, por exemplo, que é o ato de apontar através do inquérito o indivíduo que praticou o ilícito criminal, a autoridade policial baseia-se em elementos de dolo ou culpa, o que só pode-se admitir sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Assim, não restam dúvidas que com o indiciamento, o indivíduo sofre diversas restrições em sua liberdade, inclusive, através dele pode-se até decretar sua prisão preventiva, ganhando sem sobra de dúvidas conotação de acusado.

Com brilhantismo e atenção quer requer a temática, observa Gonçalves,

"[...] só podemos concluir que quando se aponta, no inquérito policial, alguém como autor de um crime - indiciamento - está na verdade a acusá-lo, sem que haja qualquer defesa por parte dele. Não é mais possível fechar os olhos, numa atitude cômoda e passiva, e dizer que indiciar é uma coisa e acusar é outra. Na linguagem técnico-jurídica isso fica evidente, mas diante da realidade o indiciamento nada mais é que uma espécie do gênero acusação [...]" (GONÇALVES, 2003, p. 168)

Cientes da realidade, sabemos que as peças inclusas no inquérito policial, não são apenas para formar a opinião do titular da ação, esse procedimento administrativo uma vez entranhado nos autos do processo-crime muitas vezes são utilizados em desfavor do acusado.

Desomesse de maneira translúcida que o inquérito policial é ato induvidosamente preparatório para o provimento final, vê-se aí, em razão da interferência do ato na esfera individual do cidadão, seu interesse de nele participar e de contribuir de forma satisfatória para o provimento, como elemento integrante de um Estado Democrático.

O processo consiste na tutela dos direitos fundamentais e deve ser conduzido de forma a cumprir as garantias positivadas do texto constitucional, significando a atuação participativa dos interessados sempre nos atos preparatórios que consubstanciarão o provimento final.

Assim, através de um critério lógico de inclusão, não podemos deixar de conceber o inquérito, como ato nitidamente processual, no qual o investigado e provável indiciado é o principal interessado.

Assim, a presença do advogado no inquérito policial visa impedir abusos e violações das garantias processuais e permite que a pessoa utilize devidamente a sua liberdade de declaração, bem como possa influenciar no ato preparatório para o provimento final. Assim, parece que o "processo penal brasileiro não mais conhece a figura do acusado dissociado do defensor" (HADDAD, 2005, p. 244).

Desta forma, para que tenhamos um processo justo é preciso que respeite a própria natureza do Estado Brasileiro, possibilitando ao cidadão preso ou solto, uma participação eficiente no inquérito policial.

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BARRROS, Romeu Pires de Campos. Sistema do processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1991.

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992.

GONÇALVES, Guilherme Augusto Marinho. O sistema procedimental do inquérito policial como ofensa aos pressupostos constitucionais da cidadania. In: Lições de Cidadania. (organizador) GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Brasília: OAB editora, 2003.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. 2. Ed. São Paulo: RT, 1982.

HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

MALATESTA, Nicola Framarino. A lógica das provas em matéria criminal. tradução Paolo Capitano. Campinas: Bookseller, 1996.

MITTERMAIER, C.J.A. Tratado da prova em matéria criminal. Tradução de Hebert Wüntzel Heinrich. 2 ed. Campinas: Bookseller, 1997. Original alemão.

NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.

Gustavo Bernardes Rodrigues

VIP Gustavo Bernardes Rodrigues

Advogado e Professor de Direito, sócio fundador do Escritório Gustavo Bernardes Advogados, especializado em Direito Penal, Diretos do Passageiro, Fraudes bancárias e Família e Sucessões.

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