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Estudos práticos sobre processo civil: Preclusão consumativa, REsp 2.075.284/SP e um recado aos advogados

No Direito Civil, atos seguem uma lógica avançada; advogados são como médicos, confiança é essencial; responsabilidades sérias.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Atualizado às 14:39

No Direito Processual Civil brasileiro, os atos praticados se desenvolvem por intermédio de uma avançada e detalhada cadeia lógica, proibidos os retrocessos ou atos inúteis.

De pronto, sabe-se que os jurisdicionados, em sua maioria leigos, confiam aos seus advogados a missão de bem defender seus interesses em juízo. 

A relação de um cliente com o seu representante em muito se assemelha com a de cliente e médico, onde há uma estreita confiança em relação a assuntos técnicos e específicos, os quais não é possível que as partes detenham conhecimento e domínio.

Advogados e médicos, a título exemplificativo e não exaustivo, comungam de imensas responsabilidades, respectivamente, a saúde e as mais diversas consequências nas esferas cível, criminal, tributária, administrativa, dentre outras. Trata-se de algo muitíssimo sério.

O ramo do direito processual civil revela-se técnico, delicado e com diversas nuances interpretativas além de um desenvolvimento lógico-jurídico avançado, principalmente na seara recursal.

Pois bem. Baseado em casos concretos que ocorrem na prática forense com certa frequência, trago exemplo com o objetivo de alertar e ajudar os inúmeros advogados militantes em nosso país. Observemos a seguinte ementa oriunda do STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. INTERPOSIÇÃO DO SEGUNDO RECURSO DENTRO DO PRAZO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO SEGUNDO INCONFORMISMO. DESINFLUÊNCIA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA QUE IMPEDE O SEU CONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

  1. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
  2. A antecedente preclusão consumativa proveniente da interposição de um recurso contra determinada decisão enseja a inadmissibilidade do segundo recurso, simultâneo ou subsequente, interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, haja vista a violação ao princípio da unirrecorribilidade, pouco importando se o recurso posterior seja o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido, objetivamente, o prazo recursal.
  3. Na hipótese em apreço, a parte ora recorrida impugnou, através de agravo de instrumento, a decisão extintiva do cumprimento de sentença por ela iniciado, não tendo o recurso merecido conhecimento, porquanto inadequado à impugnação desse ato judicial; mas, antes de findo o prazo recursal, interpôs apelação, da qual o Tribunal estadual conheceu e deu-lhe provimento, o que acarretou ofensa ao princípio da unirrecorribilidade, a implicar a reforma do acórdão recorrido, a fim de não se conhecer da apelação interposta pela parte recorrida.
  4. REsp provido." (STJ, REsp 2075284/SP, 3ª turma, rel. min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 8.8.23)

Para aclarar a situação, imaginemos a interposição de agravo de instrumento em face de uma decisão que extingue a execução (sentença) não conhecido. Após a decisão do relator em não admitir a insurgência, a mesma parte interpõe o correto recurso de apelação, em razão de ainda não ter se esgotado o prazo de quinze dias úteis.

Desse modo, o tribunal de justiça conhece e dá provimento à apelação após o não conhecimento do agravo, posto que ainda no prazo recursal e sob o fundamento de que o recurso incabível não teria sido conhecido.

Além disso, a corte de origem invocou o parágrafo único do art. 932, do CPC, para fundamentar a decisão. Esse é o resumo do caso concreto.

Apenas a título de curiosidade, o não conhecimento (inadmissão) do recurso não implica na sua inexistência, razão pela qual considera-se praticado o ato, porém contaminado com vícios formais obstativos ao julgamento do mérito.

Recurso inexistente é aquele interposto por advogado sem procuração nos autos1. Apesar disso, há doutrina que entende superado o enunciado da súmula 115 do STJ, sob o fundamento de que ao relator foi franqueado o poder de sanabilidade de determinados vícios formais2.

No caso do relator, de maneira equivocada, não abrir espaço para regularização, ou permitindo, a ordem não for acatada, o apelo será tido por inexistente, apesar de não ser a melhor nomenclatura para o fenômeno.

Da simples leitura do resumo do julgamento, é possível vislumbrar alguns conceitos processuais.

Primeiro, nota-se a figura da preclusão consumativa, vejamos: um advogado interpõe recurso equivocado, inadequado para determinado tipo de pronunciamento judicial. Ataca sentença por agravo de instrumento ou vice-versa.

Fatalmente o recurso sequer será conhecido, ao passo que o CPC defere ao relator poderes para, em uma análise preliminar (juízo de admissibilidade), não conhecer de recurso que apresente algum obstáculo para que se adentre ao juízo de mérito ou a sua regularização, em se tratando de vício formal.3

E foi o que ocorreu. O relator não conheceu do agravo, porém conheceu e proveu a apelação ante a mesma decisão, algo inconcebível sob a ótica processual.

Logo, um recurso que não preencha o pressuposto da adequação, por ausência de cabimento, sequer logrará êxito no juízo de prelibação, e não terá o seu mérito examinado.

Não conhecer de um recurso é o mesmo que declará-lo inadmissível4, e, no caso analisado pelo STJ, o recurso incabível foi inadmitido, ocorrendo a preclusão consumativa5, extinguindo-se, portanto, o direito da parte de recorrer daquela decisão específica, não se podendo modificar o ato, acrescentando-lhe ou retirando-lhe algo.

Por isso não se revela possível invocar os dizeres do parágrafo único, do art. 932, do CPC ou que não houve a concessão de prazo para correção do vício, até mesmo em razão de ser vício material insanável na espécie, ante o erro grosseiro.

Ademais, a meu sentir, o dispositivo legal franqueia a correção de irregularidades formais relativas ao mesmo recurso, e não a orientação acerca de como a parte deve proceder, tampouco complementando suas razões ou interpondo nova insurgência.

Da sentença cabe apelação, o que, por si só, não permite invocar dúvida na escolha do meio processual correto.

Daí surge o segundo ponto pautado no caso concreto: a interposição do recurso cabível, ainda no prazo legal, possibilitaria o seu conhecimento e regular processamento?

Como visto acima, a resposta revela-se negativa, pois aí além da preclusão consumativa, surgiriam dois outros empecilhos processuais, quais sejam a incidência do princípio da unirrecorribilidade, unicidade ou singularidade recursal e a ausência de fungibilidade.

Para cada decisão judicial é cabível, via de regra, apenas um recurso. A afirmação não se revela opostamente verdadeira, ao passo que será possível a interposição de um mesmo agravo de instrumento para impugnar mais de uma decisão interlocutória.6

Existem algumas exceções à unirrecorribilidade, como por exemplo a interposição conjunta de recurso especial e recurso extraordinário, agravo interno e agravo em REsp ou RE, além da oposição de embargos de declaração anteriormente a qualquer recurso "principal", salvo um único entendimento que se revela, a meu sentir, desarrazoado: a negativa oposição dos aclaratórios em face de decisão que inadmite os recursos excepcionais7.

Importante mencionar que na hipótese de embargos de declaração, diferentemente da possibilidade de interposição conjunta dos recursos exemplificados acima, não será possível a oposição simultânea ao recurso principal tido por cabível, mas sim primeiramente.

Isso se dá, na medida em que os aclaratórios não ostentam exatamente uma função reformadora/infringente, mas sim objetivam aperfeiçoar, aclarar, corrigir ou suprir eventuais vícios formais, até mesmo para que se possa interpor o recurso originariamente cabível com maior precisão.

Outra curiosidade se dá com a fungibilidade aplicada entre o pedido de reconsideração e o agravo regimental8, entendimento a meu ver inadequado posto que o pedido de reconsideração não faz as vezes de qualquer recurso, tampouco ostenta previsão legal, não sendo cabível a aplicação do princípio. 

Como segundo empecilho, alguns poderiam sustentar a aplicação do princípio da fungibilidade pelo colegiado, privilegiando o julgamento do mérito recursal.

Ocorre que, para que se aplique esse princípio, jurisprudencialmente construído, se faz necessária a conjugação de três requisitos: a) dúvida objetiva quanto ao recurso a ser interposto; b) inexistência de erro grosseiro na escolha da peça recursal; e c) observância do prazo do recurso cabível.9

Além disso, no caso concreto sequer seria o caso da sua aplicação, ao passo que a decisão atacada (sentença) não pode ser recorrida através de agravo de instrumento, pois não haveria dúvida objetiva quanto a escolha recursal (salvo raras exceções como a confusão que possa vir a existir nas fases decisórias do procedimento especial de exigir contas), bem como presente, na espécie, a existência de erro grosseiro. 

No caso concreto, eventual interposição de agravo interno em face do provimento monocrático que não conhece (inadmite) o recurso fatalmente teria um desfecho negativo.

Ao fim e ao cabo, ante esse exemplo que ilustra uma dentre várias situações processuais curiosas e perigosas que podem se apresentar, os advogados devem ter cautela e atenção ao estudar o cabimento de determinado recurso, pois o erro grosseiro somado a questões processuais relevantes terá o condão de fulminar o direito do seu cliente, ensejando, até mesmo, a sua responsabilização pessoal, presentes o dano, a culpa e o nexo causal por se tratar de responsabilidade civil subjetiva.

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1 Súmula 115, do Superior Tribunal de Justiça

2 Enunciado 83, do FPPC

3 Artigo 942, inciso III e parágrafo único, do CPC

4 ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, O Novo Processo Civil Brasileiro, 2ª ed., Atlas, p. 495

5 ARAKEN DE ASSIS, Manual dos Recursos, RT, 2007, p. 100

6 Disponível em: https://www.academia.edu/115261385/Quest%C3%B5es_pr%C3%A1ticas_sobre_processo_civil_%C3%89_poss%C3%ADvel_interpor_um_agravo_de_instrumento_visando_a_impugna%C3%A7%C3%A3o_de_mais_de_uma_decis%C3%A3o_interlocut%C3%B3ria

7 Disponível em: https://www.academia.edu/101586273/Do_cabimento_dos_embargos_de_declaracao_contra_decisoes_que_inadmitem_Recurso_Especial_e_Extraordinario

8 Ag Rg no HC 801.806, STJ

9 REsp 1828657/RS.

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Advogado e especialista em direito processual civil.Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Processo Civil OAB/DF.

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