O caso Rachel Sheherazade e o futuro da pejotização
Embora os desafios e controvérsias associados à pejotização sejam evidentes, é crucial reconhecer as vantagens desta prática no contexto legal e empresarial.
quarta-feira, 27 de março de 2024
Atualizado às 08:28
A 1ª Turma do STF, reformando decisões da Justiça do Trabalho, concluiu pelo não reconhecimento de vínculo empregatício entre os jornalistas Hermano Henning e Rachel Sheherazade para com o SBT, nos autos das reclamações 64.550 e 64.273, respectivamente. Essas decisões marcaram um momento significativo na discussão sobre a pejotização (a prática de contratar profissionais como pessoas jurídicas em detrimento de empregados clássicos, visando flexibilidade operacional e redução de encargos trabalhistas) e a relação de emprego no Brasil.
Nos casos abordados, incluindo o notável da jornalista, houve significativa atenção pública. Sheherazade, destacando-se no jornalismo, sustentou que sua atuação se alinhava mais a uma relação de emprego tradicional, apesar de formalmente engajada como pessoa jurídica. O STF, por sua vez, reforçou seu entendimento segundo o qual a terceirização é permissível para qualquer atividade empresarial, conforme demonstrado pelas decisões na ADPF 3241 e no RE 958.2522 , que originou o Tema 7253.Essas decisões sublinham o entendimento de que a Constituição Federal não impõe um modelo único de relação de trabalho, permitindo a terceirização de atividades-meio e fim. Segundo o STF, essa flexibilidade contribui para a eficiência econômica e competitividade, princípios fundamentais para o livre mercado.
Contrastando com a posição do STF, o TST tem, em diversas ocasiões, reconhecido o vínculo empregatício em arranjos contratuais semelhantes, fundamentando-se na existência de fraude, simulação ou abuso na terceirização. Essas decisões da Corte trabalhista buscam proteger o trabalhador das manobras utilizadas por empresas para esquivar-se das obrigações trabalhistas.
Não obstante, apesar dos precedentes vinculativos do STF, o TST argumenta que suas decisões não confrontam diretamente tais precedentes, visto que se baseiam em contextos fáticos distintos nos quais os elementos caracterizadores da relação de emprego são evidenciados, contrapondo-se à pura análise jurídica feita pelo Supremo.
A divergência entre os tribunais destaca a complexidade e a multiplicidade de interpretações sobre o tema, refletindo a tensão entre a necessidade de flexibilização das relações de trabalho e a proteção dos direitos trabalhistas. O debate sobre a pejotização, intensificado pelo caso de Rachel Sheherazade, demonstra a urgência de uma legislação que aborde as nuances do trabalho moderno, equilibrando os interesses de empregadores e empregados.
A controvérsia persistente sinaliza que o fim deste debate está longe de ser alcançado. Enquanto o STF sustenta a liberdade contratual e a adaptação às novas formas de trabalho, o TST mantém seu foco na proteção dos trabalhadores. Essa dicotomia invoca a necessidade de uma atuação legislativa mais assertiva e inovadora, capaz de harmonizar as distintas visões e adaptar-se às evoluções do mercado de trabalho.
Embora os desafios e controvérsias associados à pejotização sejam evidentes, é crucial reconhecer as vantagens desta prática no contexto legal e empresarial. Muitas empresas, visando adaptabilidade e eficiência, escolhem a contratação via pessoa jurídica como uma resposta pragmática às rigidezes do mercado. Essa modalidade não se destina apenas a evitar encargos trabalhistas, mas também a promover uma escolha mútua por flexibilidade e autonomia profissional.
Nesse cenário, o papel do advogado torna-se fundamental para assegurar que o procedimento seja realizado dentro dos parâmetros legais, defendendo sua legalidade e conformidade.
Ao invés de ver a judicialização como um sinal de conflito, pode ser interpretada como uma fase na evolução das relações de trabalho, desafiando o sistema jurídico e as empresas a encontrarem um equilíbrio entre inovação e direitos trabalhistas.
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1 Estabeleceu a licitude da terceirização tanto para atividades-meio quanto para atividades-fim das empresas. Neste julgamento, ficou determinado que não se configura relação de emprego automática entre a empresa contratante e o empregado da empresa terceirizada. Além disso, determinou que cabe à empresa contratante verificar a idoneidade e capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente por descumprimentos de normas trabalhistas e obrigações previdenciárias. Este julgamento reforçou a liberdade das empresas em adotar estratégias de negócio que incluem a terceirização, sem que isso seja automaticamente considerado uma forma de precarização do trabalho.
2 Tratou da licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo das empresas, tanto para atividade-meio quanto para atividade-fim. O STF, ao julgar este recurso junto com a ADPF 324, firmou o entendimento de que a terceirização de qualquer atividade é permitida, não estabelecendo uma relação de emprego automática entre a empresa contratante e o empregado da empresa terceirizada. Além disso, definiu que a empresa contratante deve verificar a idoneidade e a capacidade econômica da empresa terceirizada e é responsável de forma subsidiária pelo descumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias desta última, caso a terceirizada não cumpra com tais obrigações
3 A tese firmada declara que a terceirização é permitida, independente do objeto social das empresas envolvidas, mantendo-se a responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias da contratada
Sigifroi Moreno
Advogado. Professor. Especialista em Direito Processual pela UFSC. Presidente da OAB-PI 2010/2012.Conselheiro Federal da OAB 2013/2015.