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A concorrência desleal nos patrocínios de marcas em ferramentas de busca online

Natália Salles Martins

Patrocinar a marca do concorrente em buscas online desvia clientes e configura concorrência desleal, refletindo uma competição intensa no ambiente digital.

sábado, 23 de março de 2024

Atualizado em 22 de março de 2024 14:10

Imagine o seguinte cenário: duas lojas concorrentes entre si, localizadas uma ao lado da outra, em uma rua movimentada, com fluxo constante de clientes. Em um dia qualquer, a loja "B" coloca um grande outdoor em frente à loja "A", anunciando seus próprios produtos com uma propaganda mais atrativa. Como resultado, os clientes que inicialmente pensavam em ir à loja "A", veem o outdoor e decidem experimentar os produtos da loja "B", enquanto outros clientes até mesmo se confundem, achando que se trata da mesma loja. Nesse caso, o outdoor do concorrente está desviando a clientela que originalmente seria da primeira loja.

Essa analogia se aplica ao que acontece no patrocínio de marcas em ferramentas de busca online. É como se a rua fosse o buscador, a loja fosse um website e o outdoor do concorrente fosse a busca patrocinada, aparecendo acima do concorrente nos resultados, com especial destaque, atraindo clientes que inicialmente iriam visitar o primeiro website pesquisado.

Quando uma empresa patrocina a marca registrada de seu concorrente para aparecer em ordem prioritária no ranking de resultados das buscas realizadas pelos clientes, ela perpetua um desvio de clientela e, consequentemente, pratica concorrência desleal. Trata-se de uma competição empresarial acirrada, porém inserida no contexto contemporâneo, em que se prioriza a publicidade virtual e o comércio eletrônico.

O patrocínio de buscas é utilizado como uma estratégia vantajosa de marketing e publicidade há bastante tempo, sempre com o objetivo de chamar a atenção de potenciais clientes que realizam pesquisas relacionadas aos produtos ou serviços que a empresa patrocinadora oferece. No entanto, a utilização de marca registrada alheia como "palavra-chave" levanta sérias questões judiciais relacionadas à concorrência desleal. Essa situação não tem escapado da análise dos tribunais.

No âmbito jurídico, a concorrência desleal é definida, em sentido amplo, como toda prática empresarial que visa obter vantagem competitiva de maneira ilícita, prejudicando direta ou indiretamente os interesses de concorrentes. Nesse prisma, o desvio de clientela emerge como uma das piores formas de concorrência desleal, pois implica na atração indevida de consumidores que originalmente buscavam pelos produtos ou serviços de um concorrente específico.

É possível extrair, ainda, dessa prática desleal, que a parte que patrocina visa se apropriar da reputação e do renome de terceiros para redirecionar o tráfego de usuários para seu próprio website ou plataforma. Tal conduta, além de ser moralmente questionável e atentar contra a boa-fé, é também contrária às normas legais que regem a propriedade intelectual.

Atualmente, é possível encontrar diversos precedentes jurisprudenciais sobre o tema, sempre rechaçando a conduta que promove a deslealdade no mercado.

O Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do TJ/SP já havia editado o Enunciado XVII, no ano de 2022, para orientar o julgamento de casos sobre o tema. A novidade é que recentemente, na sessão do dia 12/12/23, foram inseridos os termos "nome empresarial ou título do estabelecimento" para fins de "adequação à jurisprudência do Grupo de Câmaras", conforme consta na justificativa. Assim ficou, portanto, a redação do Enunciado XVII1:

"Enunciado XVII - Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, nome empresarial ou título do estabelecimento, dotado de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet."

Além disso, importante frisar que no entendimento predominante do STJ, nestes casos, entende-se que os danos morais e materiais são presumíveis (na forma "in re ipsa"), ou seja, independem de comprovação minuciosa do prejuízo sofrido, uma vez que "o dano decorre automaticamente do ilícito praticado, que se caracteriza pelo uso indevido da marca" (vide AREsp 1.541.870/SP. min. Paulo de Tarso Sanseverino. 26/4/21).

No entendimento do desembargador Marcelo Fortes Barbosa Filho, integrante da citada Corte Paulista, uma vez que "entre outras funções, a marca ostenta uma de caráter publicitário", o "seu uso indevido por terceiro numa ferramenta digital destinada a buscas e geradora da celebração de novos negócios propicia uma deturpação grave, reduzindo a capacidade de ganhos e ocasionando uma diluição da distintividade naturalmente induzida pela propriedade industrial" (TJ/SP. Apelação Cível 1009373-39.2017.8.26.0100. rel. Fortes Barbosa. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP. 27/4/22).

Importante também relembrar que o Marco Civil da Internet, pelo seu art. 22, permite que as partes, que são alvo deste tipo de conduta reiterada pelos seus concorrentes, efetuem uma "requisição judicial de registros" às empresas responsáveis pelas ferramentas de busca, para que forneçam os dados e registros de quem realiza tais patrocínios, a fim de formar conjunto probatório em posterior processo civil ou penal.  Tal tipo de ação também já é resguardada pelos precedentes do STJ (Buscador "Google" - REsp 1.961.480/SP. min. Nancy Andrighi. 3ª turma. Julgado em 7/12/21; e Buscador "Bing" - REsp 1.806.632/SP. min. Nancy Andrighi. 3ª turma. Julgado em 25/8/20).

Em suma, vê-se que os Tribunais têm aplicado de forma ampla a legislação, de forma a proteger a marca em todos os seus aspectos, permitindo que a livre concorrência no mercado, que é um princípio constitucional2, seja mantida, mas com condutas justas e leais para a proteção da ordem e do bem-estar econômico. As ferramentas de marketing digital disponíveis crescem diariamente e devem ser utilizadas sempre para que se tenha um mercado competitivo, mas sem ferir o espaço e a reputação alheia.

__________

1 TJ-SP - Alteração do Enunciado XVII - Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/SecaoDireitoPrivado/Enunciados/GrupoCamarasEmpresariaisEnunciadosCompletos.pdf

2 Artigo 170, inciso IV da Constituição Federal.

Natália Salles Martins

Natália Salles Martins

Advogada na Employer.

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