Teoria de Milton Friedman em tempos de ESG
Empresas enfrentam desafios na implementação de políticas ESG enquanto ainda lidam com cultura de lucro acima de tudo, contradizendo ideais de responsabilidade social de Milton Friedman.
quinta-feira, 21 de março de 2024
Atualizado às 07:51
Em tempos de ESG - Environmental, Social and Governance, muito tem se falado sobre o valor e potencial aumento de competitividade das empresas que buscam implementar políticas com viés ambiental, social e de governança.
Na contramão do avanço do conceito ESG, assistimos grandes escândalos que colocam em xeque a seriedade com a qual as Companhias vêm tratando o tema. Notadamente, a cultura do capitalismo predatório, pautada no "lucro pelo lucro", ainda tem vez na estratégia de negócios de algumas empresas, muito embora seja ideologicamente negado, como refletido no artigo publicado no New York Times, em 1970, no qual o economista Milton Friedman sustentou que a única responsabilidade social de uma empresa seria aumentar os seus lucros.
Milton Friedman destacou a importância da maximização do retorno para os acionistas como o propósito fundamental das empresas. Para Friedman, o papel social das empresas reside em gerar lucros e criar valor para seus investidores, contribuindo assim para a prosperidade econômica geral.
Revisitar o conceito de Friedman, especialmente no contexto em que ainda há quem sustente o lucro a qualquer custo, possibilita tirar algumas conclusões. O e-book "Milton Friedman 50 Years Later, a Reevaluation", publicado pela Promarket Writers, em novembro de 2020, colaborou com essa reflexão.
É possível que o principal ponto de instabilidade no ensaio de Friedman tenha sido a óptica, aparentemente descolada da realidade posterior, ao sedimentar a teoria na pressuposição de que, o Estado seria responsável e suficiente às demandas sociais, ao passo que a empresa poderia estar focada apenas nos lucros. Ainda, havia uma preconcepção de que a busca pelo lucro não excluiria a postura ética e respeito às regras, leis e normas gerais, que de certo modo, protegem todas as partes interessadas.
Várias interpretações se estenderam a partir do pensamento predominante naquela época e que certamente norteou o capitalismo nas décadas seguintes. No entanto, o conceito, além de obsoleto, tem encaminhado grandes empresas à ruína. Hoje é o tempo de refletir se o shareholder (acionista) deve dar lugar ao stakeholder.
Nesse sentido, desde 1984, Freeman, filósofo e professor de ética e negócios, - no livro "Strategic Management: A Stakeholder Approach", - introduz o conceito de que as empresas devem dar retorno à todas as partes interessadas (stakeholders).
Uma nota sobre isso fez a organização de direito ambiental ClientEarth, que amplia a interpretação de responsabilidade dos administradores, frente ao direito de agir fiduciário e a obrigação de apresentar planos concretos que contemplem as demandas ESG, a fim de garantir a manutenção do valor de mercado da Companhia.
Neste sentido e de forma sumária, é possível concluir que a óptica da busca do lucro como fim único da Companhia a distancia do caminho a ser trilhado e da própria sustentabilidade. Espera-se que, a tomada de consciência do poder que as empresas e os administradores têm possa mudar a dinâmica do mercado no sentido de tornar as Companhias sérias e comprometidas com temas de relevância mais abrangente do ponto de vista ambiental, social e governamental.
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Milton Friedman 50 Years Later, a Reevaluation, disponível em: https://www.promarket.org/2020/11/17/ebook-milton-friedman-50-years-later/
A Responsabilidade dos Administradores e a ESG, disponível em: https://fflaw.com.br/a-responsabilidade-dos-administradores-e-a-esg/
Francisco Petros
Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB - Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.
Rosana Silva
Advogada no escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.