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Sistema de Financiamento dos Direitos da Criança e do Adolescente

O art. 4º do ECA reforça a prioridade absoluta para crianças e adolescentes, alinhado ao art. 227 da Constituição. No orçamento, essa prioridade implica destinação privilegiada de recursos públicos.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Atualizado em 21 de março de 2024 11:22

1. Introdução

O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) entra em consonância com a redação do art. 227 da Constituição Federal - CRFB e densifica o que se conhece por princípio da prioridade absoluta para a Infância e Juventude: 

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão1.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude2.(GRIFO NOSSO)

Qual a delimitação da referida disposição normativa no âmbito do Orçamento? De fato, ao se entender como princípio que perpassa toda e qualquer atuação do Estado, está-se diante de um verdadeiro princípio da Constituição Financeira cuja concretização enfrenta inúmeros desafios, tendo em vista as características do próprio sistema de financiamento das políticas públicas especializadas:

A proteção à criança, adolescente e jovem é política pública que se materializa por um conjunto de ações governamentais e não-governamentais que apresenta aspectos administrativos bastante complexos, como se poderá ver. Exige sofisticados mecanismos de financiamento e a superação de dificuldades gerenciais. Complexidade que se constata pela intensa atuação dos poderes e instituições independentes, uma vez que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, todos eles exercem funções relevantes voltadas a atingir os objetivos dessa política pública que é prioridade absoluta prevista na Constituição. Atuam diretamente na própria execução, e, principalmente, controle das ações, como se vê pela obrigatória participação do Poder Judiciário e Ministério Público nas medidas de guarda, tutela, adoção, dos atos infracionais, da fiscalização das entidades governamentais e não-governamentais de atendimento e tantas outras. Interferem também para assegurar os muitos direitos fundamentais previstos na Constituição (art. 227) e legislação infraconstitucional que exigem prestações estatais e têm sido objeto de intensa judicialização visando à concretização ante a inércia estatal, como se pode constatar das várias demandas judicializadas por vagas em creches (STF, RE 436.996-6 Agr e RE 410.715-5 Agr; STJ, REsp 1.185.474), dever de proteção integral (STF, RE 482611 e STF, RE 488.208), e muitas outras. Uma evidência da distância que existe entre o que está previsto na lei e a realidade. Mais do que isso, não é simples coordenar todos os entes da federação, em um exemplo claro de federalismo cooperativo que neste caso mostra-se bastante evidente, com a participação da União, estados, Distrito Federal e municípios. Acrescente-se que, ante a sistemática de organização setorial estabelecida na maior parte das administrações públicas, as necessidades das crianças, adolescentes e jovens espalham-se por diversas áreas, tais como saúde, assistência social, educação, segurança pública etc., tornando necessária uma ação conjunta e coordenada de diversos órgãos dentro de uma mesma unidade federativa - sem esquecer de que o mesmo ocorre nas demais esferas de governo com as quais os entes federados necessariamente devem de se relacionar. Não é só. As políticas públicas voltadas para a proteção à criança, adolescente e jovem estão entre as que mais - e não seria exagerado dizer, a que mais - contam com a participação do terceiro setor, por meio da intensa atuação de instituições não-governamentais, muitas recebendo subvenções orçamentárias.3

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1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

2 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2019.

3 CONTI, José Maurício. Maioridade penal, os 25 anos do ECA e o Direito Financeiro. Revista Consultor Jurídico, 28 de jul de 2015. Disponível em: . Acesso em 29 de set. de 2019.

Mariana Seifert Bazzo

Mariana Seifert Bazzo

Doutoranda em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra em "Estudos sobre Mulheres - Gênero, Cidadania e Desenvolvimento" pela Universidade Aberta de Portugal (2018). Pós-graduada em Justiça Europeia dos Direitos do Homem pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal (2008). Promotora de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná (2004).

Karine Tomaz Veiga

VIP Karine Tomaz Veiga

Doutoranda em Direito Financeiro (USP) e Auditora de Controle Externo (TCE-RJ). Atualmente cedida ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para assessoramento na área de Tutela Coletiva.

José Maurício Conti

José Maurício Conti

Professor de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP. Mestre, doutor e livre-docente em Direito Financeiro pela USP. Economista. Consultor em Direito e Finanças Públicas.

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