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Precisamos de um novo Código Civil?

Não se aborda aspectos específicos do anteprojeto do Código Civil. Há pressa em aprovar um novo código, apesar do atual vigorar há 21 anos.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Atualizado em 18 de março de 2024 11:15

Neste texto não vamos abordar aspectos particulares do anteprojeto do Código Civil, particularidades estas que são bastante questionáveis, jurídica e moralmente. Mas não é o objeto desse estudo.

Há uma verdadeira pressa legislativa em se aprovar um novo Código Civil, sendo que o último (lei 10.406/02) vige em nosso Ordenamento Jurídico há pouco mais de 21 anos.

Apenas para ilustrar, o Código Civil Beviláqua que antecedeu o [atual] Código Reale é de 1916 e, apenas, em 2002 fora substituído. Não há razão em se ter tanta urgência em aprovar uma lei que envolve todos os aspectos da vida privada.

O Código Civil é a verdadeira Constituição dos homens comuns

Nesta norma é estabelecido desde a formação da vida e da capacidade civil, até a sucessão de bens pós-falecimento. Em suma, é uma norma que aborda todos os aspectos da vida privada, que envolve todas as problemáticas de uma sociedade moderna. Uma lei com essa, necessariamente, deve durar bastante tempo, não menos que 50 anos. Entendam, não se trata uma lei que, como a maioria delas, regulamenta aspectos específicos da vida em sociedade, como, por exemplo, a lei de alienação fiduciária. Trata-se uma norma que vai abranger todos aspectos da vida humana, do nascimento até a morte, passando pelo casamento, abertura e fechamento de negócios, contratos, reparações civis, etc.

Além da norma ter que ser de longa duração como já dissemos, pelo menos 50 anos é necessário que seu substituto seja amplamente discutido com a sociedade e essa discussão não pode ficar restrita a um Convescote de alguns, poucos, juristas. Conhecemos alguns deles pessoalmente, reconhecemos suas capacidades técnicas, mas voltamos ao ponto: estamos falando de uma norma que vai "gerenciar" a vida de 210.000.000 de pessoas. É necessário, profundamente necessário, que exista uma ampla discussão na sociedade e essa discussão deve responder duas perguntas fundamentais: 1) precisamos de um novo Código Civil? (nossa visão é a de que não, não precisamos) e; 2) Como deve ser este novo Código Civil?

Mais uma vez voltamos ao ponto, a discussão não pode ficar localizada em poucos ungidos, que não tiveram um mísero voto sequer, e se arvoram ao direito de querer definir como deve ser e viver a sociedade. Leis criadas sem discussão com a sociedade e de "cima para baixo", isto é, o Poder impondo ao Povo como ele deve ser e agir costumam não funcionar.

(E é exatamente por isso que as normas que melhor atendem os anseios sociais são as de Direito Comercial. Normas de Direito Comercial, costumam ser criadas "de baixo para cima", i.e., normalmente práticas comuns do mercado são transformadas em lei.)

Desde sempre esta foi a regra do direito brasileiro e, desde sempre, é a resposta à pouca efetividade do mesmo no Brasil. Alguém poderia dizer que é razoável a criação de uma nova norma civil, visto que com a tecnologia crescente da sociedade a realidade torna a lei obsoleta em pouco tempo.

Raciocínio falso. Primeiro que o grande dinamismo tecnológico a impactar mudanças sociais não é um fenômeno exclusivo do Século XX, mas é algo vemos desde, pelo menos, a Primeira Revolução Industrial.

Mas há o fenômeno da internet...! Calma, se quisermos criar um Código Civil que acompanhe a rapidez da evolução do processamento dos dados, teremos que criar um Código Civil (e também um Código Penal, um Código Eleitoral, uma Constituição, dentre tantos outros) a cada 12 meses, se não menos.

A pergunta é, o que é mais danoso à sociedade: uma lei obsoleta, ou uma lei muda (e com ela a dinâmica de todas as relações humanas) a cada ano? Eventual obsolescência da norma é, facilmente, suprida pelo intérprete (juízes, advogados, promotores, delegados) que farão sua leitura dada as condições atuais da sociedade. Obviamente que chega um momento em que a norma ficará tão obsoleta que terá que ser revista.

Apenas para ilustrar, quando passou a viger o Código Civil de 1916, sequer existiam computadores (o iPad da época era uma bela máquina de escrever mecânica Remington), carros eram artigos de luxo para pouquíssimos milionários, a aviação comercial engatinhava e a Segunda Grande Guerra demoraria 23 anos para se iniciar. Em 2003, quando o Código Reale passou a viger, já existia a Internet, redes sociais incipientes, algum nível de comércio eletrônico, as Torres Gêmeas haviam sido derrubadas há quase dois anos, e o mundo encontrava um relativo processo de paz que vem se prolongando.

Por outra, salvo os gritos de algumas microminorias, a sociedade hoje é fundamentalmente parecida com a do início do Século XX, razão pela qual seria fundamental que a mesma fosse ouvida, de forma ativa sobre a necessidade da nova norma e, principalmente, sobre como deveria ser a nova norma.

PS - Uma lei de natureza processual, como, por exemplo, o CPC, por ser uma norma destinada a operadores do direito pode, e talvez até deva, ser criada com a oitiva quase que exclusiva dos seus usuários, que são os mesmos operadores. O mesmo não acontece com o Código Civil que, por ser norma de Direito Material, não afeta apenas a vida dos advogados, mas de todas as pessoas que vivem em sociedade.

Paulo Antonio Papini

VIP Paulo Antonio Papini

Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor na ESA/UNIARARAS e ESD-Campinas.

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