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Trump v Anderson - Suprema Corte admite recurso contra inelegibilidade decretada pelo Colorado

Suprema Corte do Colorado exclui Trump das primárias de 2024, alegando insurreição. SCOTUS aceita recurso urgente, com possível impacto em jurisdições estaduais.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Atualizado às 08:30

Histórico processual, argumentos dos litigantes e de amici curiae, fundamentação constitucional, jurisprudência relevante, tendências da Suprema Corte dos EUA,  perfil ideológico-partidário da "Corte Roberts", casos recentes.

A Suprema Corte do Colorado decidiu que o presidente Donald J. Trump está desqualificado para ocupar o cargo de Presidente porque ele "se envolveu em insurreição" contra a Constituição dos Estados Unidos - e que ele o fez depois de prestar juramento "como oficial dos Estados Unidos" para "apoiar" a Constituição. A Suprema Corte do Estado decidiu que a Secretária de Estado do Colorado não deveria: listar o nome do Presidente Trump nas primárias presidenciais de 2024; votar; ou contar quaisquer votos escritos a seu favor. A Suprema Corte do Colorado suspendeu sua decisão enquanto se aguarda revisão da Suprema Corte dos Estados Unidos.

A questão apresentada é: A Suprema Corte do Colorado errou ao ordenar a exclusão do presidente Trump do 2024 votação primária presidencial?1

Pedido (atendido) de recurso à Suprema Corte por Donald Trump2

A Suprema Corte dos EUA - SCOTUS3 decidiu em 5/1/24 pela admissibilidade do recurso oferecido por Donald Trump, contra decisão da Suprema Corte (do Estado) do Colorado4. Ante a iminência das eleições primárias no Colorado, bem como a avalanche de processos semelhantes em mais de 30 estados, SCOTUS determinou regime de urgência para este julgamento, que deve ter efeito vinculante para as outras 49 jurisdições estaduais.  

TRUMP, DONALD J. V. ANDERSON, NORMA, ET AL. O pedido de mandado de certiorari foi conferido. O caso está marcado para sustentação oral na quinta-feira, 8/2/24. As alegações da parte recorrente sobre o mérito e quaisquer intervenções de amicus curiae, tanto em apoio ao recurso, quanto em apoio a nenhuma das partes, devem ser protocoladas até quinta-feira, 18/1/24. Manifestações da parte recorrida sobre o mérito e quaisquer manifestações de amicus curiae em apoio desta devem ser protocoladas até quarta-feira, 31/1/24. A resposta, se houver, deve ser protocolada até às 17h, segunda-feira, 6/2/24.5

A decisão recorrida determinara a exclusão de Trump das eleições primárias a serem realizadas por correio naquele estado, entre fevereiro e março6 de 2024, para escolha do candidato presidencial de cada partido7.  

Uma maioria da corte considera que o presidente Trump está desqualificado para ocupar o cargo de presidente à luz da Seção 3 da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Segundo o Código Eleitoral, por estar desqualificado, seria um ato ilícito se a Secretária de Estado do Colorado o listasse como candidato nas primárias presidenciais.8

A decisão, entretanto, determinou que só teria eficácia após 4/1/24, e mesmo assim apenas caso não fosse apresentado recurso a SCOTUS, o que de fato ocorreu. Assim,  o nome de Donald Trump permaneceu nas cédulas impressas9 das primárias no Colorado, conforme a sentença.

A corte suspende sua decisão até 4 de janeiro de 2024, sujeito a eventual recurso. Se o recurso for apresentado na Suprema Corte antes que a suspensão expire em 4 de janeiro de 2024, a suspensão permanecerá em vigor, e a Secretária continuará a ser obrigada a incluir o nome do Presidente Trump na votação primária presidencial de 2024, até o recebimento de qualquer ordem ou mandato do Suprema Corte.10 (grifos do autor)

LINHA DO TEMPO

6/9/23 - Norma Anderson propõe, perante a justiça estadual do Colorado, uma ação para desqualificar Donald Trump no âmbito das eleições primárias no estado (Anderson v Griswold et al.) por ter em tese cometido conduta típica da cláusula desqualificatória.

17/11/23 - Corte distrital decide que Trump teria cometido a conduta de insurreição, mas que a emenda constitucional não se aplicaria ao cargo da presidência dos EUA (controle difuso de constitucionalidade)

20/11/23 - Anderson recorre para a Corte Suprema do Colorado (estadual)

19/12/23 - Suprema Corte do Colorado acata argumentos de Anderson e decide que  Trump não poderá constar na cédula eleitoral das primárias. Entretanto, a corte suspende a sentença até 4/1/24, pendendo eventual recurso para Suprema Corte dos EUA. No caso de proposição de recurso, fica assegurada a participação de Donald Trump na eleição primária no Colorado. 

27/12/23 - Partido Republicano do Colorado recorre para Suprema Corte dos EUA.

3/1/24 - Donald Trump recorre para Suprema Corte dos EUA (Trump v. Anderson)

5/1/24 - Suprema Corte dos EUA concede writ of certiorari, admite o recurso e agenda julgamento para 8/2/24 (após data fatal para confecção da cédula no Colorado)

5/1/24 -Jena Griswold, Secretária de Estado do Colorado, anuncia que a decisão de exclusão de Trump não será aplicada na eleição primária no Colorado, conforme dispositivo da própria sentença, confirmando a presença de Trump nas primárias no estado em caso de recurso a SCOTUS.

20/1/24 - Data limite para impressão das cédulas, contendo nomes de todos os candidatos presidenciais válidos no Colorado.

8/2/24 - Data do início do julgamento de Trump v Anderson na Suprema Corte dos EUA

12/2/24 - Data limite para entrega de todas as cédulas pelo correio, data de início de votação.  No Colorado, os eleitores recebem suas cédulas impressas e, após votar, as enviam de volta pelo correio, exclusivamente.

5/3/24 - "Super Terça" (Super Tuesday) final da eleição primária em muitos estados dos EUA, inclusive no Colorado

LEGISLAÇÃO RELEVANTE

A  cláusula desqualificatória11, fundamento da decisão condenatória estadual, encontra-se na Seção 3 da 14ª Emenda da Constituição dos EUA.   

Nenhuma pessoa poderá ser senador ou representante no Congresso, ou eleitor do presidente e vice-presidente, ou ocupar qualquer cargo, civil ou militar, sob os Estados Unidos, ou em qualquer estado, se, tendo previamente prestado juramento, enquanto membro do Congresso, ou como funcionário dos Estados Unidos, ou como membro de qualquer legislatura estadual, ou como funcionário do executivo ou do judiciário de qualquer estado, para apoiar a Constituição dos Estados Unidos, tenha envolvimento em insurreição ou rebelião contra o próprio, ou deu ajuda ou conforto aos seus inimigos. Mas o Congresso pode, por voto de dois terços de cada casa, remover este impedimento.12 (grifos do autor)

No nível estadual, a doutrina da dupla soberania13 garante que a legislação eleitoral seja autônoma, dentro de certos limtes constitucionais.  Assim, a determinação da vedação à participação do candidato desqualificado no estado do Colorado fundamenta-se no seu próprio código eleitoral.  

Os litigantes, Anderson e outros, processaram com base nas seções 1-1-113(1) e 1-4-1204(4), dos estatutos Revistos do Colorado. A Seção 1-1-113(1) permite a um eleitor a processar qualquer pessoa "encarregada de uma responsabilidade" nos termos do Código Eleitoral do Colorado, mas apenas se esta pessoa "cometeu ou está prestes a cometer uma brecha ou negligência de responsabilidade ou outro ato ilícito". Colo. Rev. Stat. § 1-1-113(1) (App. 319a).14

DIVERGÊNCIAS 

O candidato Trump foi derrotado por maioria de 4 a 3 na Suprema Corte do Colorado15, mais alta esfera recursal estadual, com base em indícios de teórica conduta típica de insurreição, subsumida à Seção 3 da 14ª Emenda.  A despeito dos argumentos dos autores, parte da corte reconheceu a validade de alguns argumentos da defesa de Donald Trump.

A principal divergência fez referência a in re Griffin (1869), um caso decidido por corte distrital da Virginia, em 1869. A decisão vedou a aplicação da Seção 3 da 14ª Emenda a um servidor público que não fora julgado por sua participação no movimento separatista da Guerra Civil.  Em uma análise teleológica, o então presidente de SCOTUS, Salmon P. Chase, exercendo o papel de juiz distrital, declarou que o espírito do princípio axiomático do devido processo legal vedava a aplicação sumária da desqualificação, sem julgamento prévio ?ela conduta imputada.

[...]aquelas disposições da Constituição que negam ao legislador o poder de privar qualquer pessoa da vida, da liberdade ou da propriedade, sem o devido processo legal [...] são inconsistentes em seu espírito e propósito geral com uma disposição que, imediatamente e sem julgamento, priva toda uma classe de pessoas de cargos. . . por justa causa, por mais grave que seja.16

A contemporaneidade do julgado supra com a ratificação da emenda (1869 e 1868, respectivamente), bem como o peso do julgador, que era chief justice da suprema Corte dos EUA na época, conferem inegável peso para este precedente em análise que utilize a técnica histórica de Savigny.  Com fundamento no devido processo legal e na presunção de inocência penal17,  o juiz Carlos Samour opôs-se à condenação de Donald Trump a uma sanção vitalícia, sem que este tivesse sido previamente condenado, com direito ao contraditório, fosse por um júri18 ou por um painel de julgadores, pelas condutas imputadas. 

Mesmo que estejamos convencidos de que um candidato cometeu atos horríveis no passado - ouso dizer, ter-se envolvido numa insurreição - deve haver um devido procedimento processual antes de podermos declarar esse indivíduo desqualificado para ocupar cargos públicos.19

Outro argumento da divergência combina análise histórica da norma em abstrato com utilitarismo, ao postular que externalidades negativas, decorrentes da desqualificação parcial de um candidato, supostamente causariam grave insegurança eleitoral.  "Caos no nosso país" está em lógico desacordo com a intenção, seja de um legislador hipotético, seja do legislador constituinte derivado quando da redação da 14ª Emenda.

E, como a maioria dos outros estados não têm as disposições do nosso Código Eleitoral, eles não serão capazes de fazer cumprir a Seção Três. Isso, por sua vez, levará inevitavelmente à desqualificação do Presidente Trump nas eleições primárias presidenciais em menos do que todos os cinquenta estados, arriscando assim o caos no nosso país. Este não pode ser o resultado que os legisladores pretendiam.20

Estas e outras fundamentações dos votos divergentes estão em sintonia com os argumentos apresentados pela defesa do candidato Trump.

ARGUMENTOS DO RECORRENTE

Em apertada sítese, a defesa do candidato Trump alega que a decisão estadual: feriria o suposto direito de votar em quem o eleitor quiser; afrontaria o devido processo legal, porque Trump não foi condenado pelas condutas imputadas; seria emanada de autoridade incompetente para condenar um candidato à presidência à desqualificação; e teria incorrido em error in judicando, porque a norma em questão não se aplicaria ao cargo de presidente dos EUA.

É um " 'princípio fundamental da nossa democracia representativa', consagrado na Constituição, que 'as pessoas devem escolher quem quiserem para governá-las.' " [...] O presidente peticionário Donald J. Trump ("presidente Trump") é o principal candidato à nomeação do Partido Republicano para (concorrer a) presidente dos Estados Unidos.21

A parte recorrente nega a competência estadual para julgar conflitos decorrentes da Seção 3, com base na Seção 5 da própria 14ª Emenda, que determina que o congresso estadunidense poderia legislar sobre a implementação dos institutos e direitos protegidos previstos na 14ª Emenda "O Congresso terá o poder de fazer cumprir, por legislação apropriada, as disposições deste artigo." 22

CRÍTICAS AOS ARGUMENTOS DO RECORRENTE

No momento em este artigo é escrito, a parte recorrida ainda não se manifestou nos autos do recurso perante SCOTUS.  A análise a seguir baseia-se em argumentos apresentados nos autos do processo estadual, Anderson v. Griswold (2023), bem como de fontes doutrinárias relevantes.

A primeira  e mais importante crítica à linha de defesa do candidato Trump é que inexiste a premissa de liberdade absoluta para escolha de presidente.  Esta jamais teria sido a intenção do legislador constituinte originário, que exclui da disputar pelo cargo quatro categorias de pessoas: aqueles que não são cidadãos dos EUA; aqueles que não são nascidos nos EUA; aqueles que não atingiram 35 anos de idade; e aqueles que não moraram 14 anos nos EUA.  Apenas quem não se enquadra em nenhum dos critérios de exclusão pode concorrer.

Nenhuma pessoa, exceto um cidadão nato ou um cidadão dos Estados Unidos no momento da adoção desta Constituição, será elegível para o cargo de Presidente; nem será elegível para esse cargo qualquer pessoa que não tenha atingido a idade de trinta e cinco anos e não tenha sido residente nos Estados Unidos por quatorze anos.23

Da mesma maneira, o constituinte derivado também impôs restrições ao eleitor estadunidense na escolha de presidente, além da Seção 3 da 14ª Emenda.  A 22a Emenda determinou a vedação à ocupação da presidência por mais de 10 anos, bem como vedou que qualquer um fosse eleito mais do que duas vezes para o cargo. Já a 26ª Emenda proibiu que quem não tivesse atingido 18 anos de idade no momento do pleito pudesse votar.

Desta forma, mesmo que o eleitor estadunidense quisesse, hoje não poderia, por exemplo, eleger para a presidência: Elon Musk (nascido na Africa do Sul); Boris Johnson (nascido nos EUA, mas não viveu 14 anos nos EUA); Terry Gilliam (nascido nos EUA, mas renunciou à cidadania estadunidense); Simone Biles (não tem 35 anos de idade); ou Barack Obama (já foi eleito presidente duas vezes).

Quanto à competência estadual para desqualificar um candidato à presidência da disputa das primárias, o argumento mais poderoso é precedente estabelecido por um juiz que hoje está na Suprema Corte dos EUA, por indicação do próprio Trump.  No caso Hassan v. Colorado, o hoje justice Neil Gorsuch, quando juiz federal, decidiu pela soberania do estado do Colorado e de qualquer outro estado para proibir que o pretenso candidato, nascido no estrangeiro, logo em desacordo com norma constitucional, participasse do pleito como candidato naquele estado.  

Mesmo que o art. II o torne inelegível para assumir o cargo de presidente, Hassan afirma que teria sido um ato ilícito de discriminação o Estado negar-lhe um lugar nas urnas.  Mas, [.] o legítimo interesse de um estado em proteger a integridade e a praticidade do funcionamento do processo político permite-lhe excluir do escrutínio candidatos que estejam constitucionalmente proibidos de assumir cargos.24

Pesam contra o argumento de que apenas o congresso teria competência para deliberar sobre a 14ª Emenda mais de 150 anos de julgados perante cortes em todas as intâncias nos EUA, inclusive em in re Griffin, citado 55 vezes pelo próprio recorrente no pedido do recurso. No caso City of Boerne v. Flores (1997) , SCOTUS decidiu que é exclusivo das cortes o poder de dar corpo ao direito material previsto na 14ª Emenda, estando o congresso federal vedado de legislar de forma limitante ou conflitante com a jurisprudência.  O papel subsidiário do legislativo federal, segundo o entendimento vigente desde City of Boerne v. Flores (1997) , seria o de passar legislação corretiva, quando e se necessário, mas jamais legislar normas de efeito preventivo.   

O Congresso não faz cumprir um direito constitucional alterando o que é o direito. Foi-lhe dado o poder de "fazer cumprir", e não o poder de determinar o que constitui uma violação constitucional.25

Para compreender-se a importância desta e de futuras decisões da Suprema Corte dos EUA neste caso, é necessário examinar: algumas peculiaridades do(s) ordenamento(s) jurídico(s) estadunidense(s); o papel do ativismo judicial no direito consuetudinário, ou common law26; o histórico de decisões passadas e recentes da Suprema Corte; bem como seu posicionamento atual face à discussão sobre ingerência do governo federal em assuntos soberanos dos estados.

Inexiste nos EUA uma justiça eleitoral unificada na esfera federal porque cada estado é soberano27 para estabelecer suas próprias leis eleitorais28, dentro de algumas poucas regras gerais estabelecidas (por emendas constitucionais29 ou leis gerais federais30 e decisões pregressas da SCOTUS31. Esgotadas as instâncias estaduais, cabe recurso apenas para SCOTUS.

Os anos 1960 foram marcados pelos movimentos de igualdade racial e de minorias nos EUA.  O período de 1953 a 1969 é conhecido como Warren Court, ou seja, a corte presidida pelo Chief Justice Earl Warren, o mais progressista magistrado a ocupar a função.  No tocante a direitos eleitorais, os casos mais marcantes (landmark cases) haviam sido decididos pela Corte Warren, que estabeleceu regras de proporcionalidade e representatividade na distribuição de distritos eleitorais, bem como a própria competência de SCOTUS para apreciar matérias eleitorais.  São eles: Baker v. Carr, 369 U.S. 186 (1962); Reynolds v. Sims, 377 U.S. 533 (1964); e Wesberry v. Sanders, 376 U.S. 1 (1964).  Em conjunto formam o princípio de "uma pessoa, um voto" .

ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E JURISPRUDENCIAIS

O 1º artigo, cominado com a 10a emenda, da constituição federal dos EUA estabelece a doutrina da soberania estadual concomitante à federal, reflexo da forte desconfiança que os fundadores do país tinham de governos centralizados, como a coroa britânica, que perseguira seus antepassados.  Por este princípio, a corte deveria abster-se de interferir em conflito decidido pelo judiciário estadual, com base em normas emanados do legislativo estadual.  

No caso United States v. Morrisson (2000), sob a ótica da 14a Emenda, SCOTUS foi perguntada sobre incidência de lei federal em um caso estadual, ou seja "[.] se o Congresso tem autoridade para implementar o Violence Against Women Act of 1994 sob a Cláusula de Comércio ou sob 14a Emenda."  Por estreita maioria, a corte determinou que não, pois, nas palavras do relator, o chief justice , Rehnquist, "[.] sob o sistema federativo este remédio deve ser fornecido pelo Commonwealth de Virginia, e não pelos Estados Unidos."32

Este caso expande sobre a decisão de SCOTUS nos The Civil Rights Cases (1883) de que, sob a 10a Emenda, toda competência que não fosse positivamente estabelecida em favor do congresso federal deveria ser atribuída aos estados ou às pessoas.

A 14a emenda determina regras para proteger a coletividade, ao barrar de participar do governo, federal ou estadual, todo aquele que, no exercício de função ou cargo estatal, tenha traido prévio juramento à constituição federal.  A seguir-se esta norma, bem como precedente antigo e hodierno, a corte deveria novamente abster-se de interferir na decisão estadual.  

Por outro lado, a 15a, a 19ª e a 26ª emendas são complementares e proíbem estados e união de impedirem acesso ao voto com base em características pessoais do cidadão estadunidednse com 18 anos ou mais.  Estas favorecem o argumento do autor do recurso.  O direito de ser votado não está explicitamente defendido na constituição 14a emenda, mas está tacitamente garantido por exclusão das cláusulas de eligibilidade do Art. II, Seção 1, Cláusula 533. Ademais, a hermenêutica34 oriunda da análise da 14a emenda por SCOTUS, nos casos Coffin v. United States (1895)35, reafirmada em Taylor v Kentucky (1978)36, estabelece o princípio tácito da presunção de inocência. Ocorre que Donald Trump não foi julgado ou sequer indiciado por condutas subsumidas no tipo constitucional de "insurreição".

Apesar do precedente das anistias determinadas pelo congresso federal em favor de antigos confederados, entre 1865 e 187737, seria necessário um acordo bipartidário para atingir a maioria de dois terços em cada casa, o que não é provável, já que o Partido Republicano tem estreita maioria entre deputados e a maioria do Senado é do Partido Democrata38.

CONCLUSÃO

Este é um caso particularmente difícil pois argumentos apresentados de ambas as partes são parte da base programática do partido republicano em geral e da maioria da corte especificamente.

Em suma, do ponto de vista contitucional, pesam em desfavor do candidato Trump o 1º artigo, a 10a e a 14ª emenda, ambas de natureza coletiva, enquanto a seu favor pesa o direito do indivíduo de escolher seu presidente, não importando quaisquer restrições, bem como a presunção de inocência pelos atos típicos da cláusula desqualificatória.

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1 Tradução do autor, que buscou preservar o sentido das construções linguísticas.  Não tem validade para análise exegética, técnica muito utilizada pelos magistrados da Suprema Corte dos EUA.  Verificar fonte original indicada em cada citação. Disclaimer válido para todas as citações deste artigo (todas traduzidas livremente pelo autor).

2 USA. SCOTUS. Trump v. Anderson, et al.  Petition for writ of certiorari. 2024. p. (i). Disponível em: https://www.supremecourt.gov/DocketPDF/23/23-719/294892/20240104135300932_20240103_Trump_v_Anderson__Cert_Petition%20FINAL.pdf. Acesso em 09-01-2024.

3 SCOTUS é o acrônimo em inglês para Supreme Court Of The United States, que será usado neste artigo, para efeito de desambiguação, já que estados também podem ter suas próprias supremas cortes, que, como no caso de Nova Iorque, não precisam sequer ser a ultima instância da justiça estadual. 

4 USA. SCOTUS. op. cit.

5 USA. SCOTUS. Order List: 601 U.S. Certiorari granted. 2024. p. 1. Disponível em: https://www.supremecourt.gov/orders/courtorders/010524zr2_886b.pdf. Acesso em 12-01-2024.

6 Cédulas devem ser postadas até as 19h do dia 5 de março de 2024, para serem válidas.

7 GRISWOLD, JENA. Primary Elections FAQs. Denver: Colorado Secretary of State. Disponível em: https://www.sos.state.co.us/pubs/elections/FAQs/primaryElectionsFAQ.html. Acesso em 07-01-2024.

8 COLORADO. Colorado Supreme Court. Opinion in Anderson v. Griswold et al. Denver: CSS, 2023. Disponível em: https://www.courts.state.co.us/userfiles/file/Court_Probation/Supreme_Court/Opinions/2023/23SA300.pdf. Acesso em 09-01-2024.

9 GRISWOLD, JENA. Secretary of State Jena Griswold Certifies 2024 Colorado Presidential Primary Election Ballot. Denver: Colorado Secretary of State.  Disponível em: https://www.sos.state.co.us/pubs/newsRoom/pressReleases/2024/PR20240105BallotCert.html. Acesso 07-01-2024.

10 COLORADO. op. cit., loc. cit.

11  USA. Congress. Constitution. 14th Amendment.  1868. p 1. Disponível em: https://www.senate.gov/about/origins-foundations/senate-and-constitution/14th-amendment.htm.  Acesso em 10-01-2024

12  Tradução do autor.  Não tem validade para análise exegética.  Verificar fonte original indicada.

13  GIL, Antonio F. O. Soberania legislativa, jurisdição e competência concorrentes entre estados e união, nos EUA. São Paulo: Migalhas, 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/399950/soberania-legislativa-jurisdicao-e-competencia-concorrentes. Acesso em 08-02-2024.

14  USA. SCOTUS. Donald J. Trump v. Norma Anderson, et al. - Petition for writ of certiorari. Whasington: SCOTUS, 2024. p. 5. Disponível em: https://www.supremecourt.gov/DocketPDF/23/23-719/294892/20240104135300932_20240103_Trump_v_Anderson__Cert_Petition%20FINAL.pdf.  Aceso em 15-01-2024

15 JUSTIA. Anderson v. Griswold. Justia, 2023. Disponível em: https://law.justia.com/cases/colorado/supreme-court/2023/23sa300.html. Acesso em 12-01-2024.

16 VIRGINIA. Circuit Court (District of Virginia). Griffin's case. 1869. Disponível em: https://law.resource.org/pub/us/case/reporter/F.Cas/0011.f.cas/0011.f.cas.0007.html.  Acesso em 11-01-2024.

17 Coffin v US (1896) e Taylor v. Kentucky (1978) são os landmark cases de SCOTUS e determinam a presunção de inocência enquanto princípio constitucional tácito e basilar.

18 Exigência da 6ª Emenda, reafirmada pela decisão da Suprema Corte dos EUA em Baldwin v. New York (1970)

19 COLORADO. op. cit., p. 146

20 Ibid. p. 147

21 USA. SCOTUS. op. cit.

22 USA. Congress. op. cit. loc. cit.

23 LEGAL INFORMATION INSTITUTE. Article II, Section 1. Ithaca: Cornell Law School.  Disponível em: https://www.law.cornell.edu/constitution/articleii. Acesso em 12-01-2024.

24 JUSTIA. Hassan v. Colorado, No. 12-1190 (10th Cir. 2012).  Justia, 2024.  Disponível em: https://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/ca10/12-1190/12-1190-2012-09-04.html. Acesso em 13-01-2024

25 USA. SCOTUS. City of Boerne v. Flores, Archbishop of San Antonio, 521 U.S. 507 (1997). Disponível em: https://caselaw.findlaw.com/court/us-supreme-court/521/507.html. Acesso em 13-01-2024

26 Sistema jurídico que tem como fonte primária do direito as decisões judiciais, enquanto costumes.

27 GIL, Antonio F. O. op. cit.

28 GIL, Antonio F. O. Inelegibilidade no(s) ordenamento(s) estadunidense(s). São Paulo: Migalhas, 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/399974/inelegibilidade-no-s-ordenamento-s-estadunidense-s . Acesso em 08-02-2024.

29 14ª (isonomia ou igualdade formal), 15ª (acesso ao voto para homens de qualquer raça ou credo), 19ª (acesso universal ao voto, sem restrição de gênero) e 26ª (idade m[inima 18 anos para votar) emendas, em regra.

30 USA. Congress. Voting Rights Act (1965). Disponível em: https://www.archives.gov/milestone-documents/voting-rights-act#:~:text=This%20act%20was%20signed%20into,as%20a%20prerequisite%20to%20voting.. Acesso em 12-01-2024

31 HODGES v. UNITED STATES, 368 U.S. 139 (1961) , Civil Liberty Cases (1883) e South Carolina v. Katzenbach (1966)

32 OYEZ. United States v. Morrison.  Oyez, 2024. Disponível em: https://www.oyez.org/cases/1999/99-5. Acesso em 13-01-2024

33 Os seguintes requisitos para assumir a presidência dos EUA são cumulativos: ser nascido nos EUA ou ter sido cidadão na data da adoção da constituição (1789); ter no mínimo 35 anos de idade; e ser residente dos EUA por no mínimo 14 anos.

34 "A lei presume que pessoas acusadas de crime são inocentes até que indícios competentes as provem culpadas." (Tradução do autor)

35 JUSTIA. Coffin v. United States, 156 U.S. 432 (1895). Justia, 2024. Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/156/432/.  Acesso em 06-01-2024.

36 CASEBRIEFS. Taylor v. Kentucky. Casebriefs, 2024.  Disponível em: https://www.casebriefs.com/blog/law/criminal-procedure/criminal-procedure-keyed-to-israel/the-trial/taylor-v-kentucky/.  Acesso em 06-01-2024.

37 USA. National Archives. Presidential Pardons and Congressional Amnesty to Former Confederate Citizens, 1865-1877. Disponível em: https://www.archives.gov/files/research/naturalization/411-confederate-amnesty-records.pdf. Acesso em 13-01-2024.

38 USA. United States Senate. Complete List of Majority and Minority Leaders. 2024. Disponível em: https://www.senate.gov/senators/majority-minority-leaders.htm. Acesso em 15-01-2024.

Antonio Gil

Antonio Gil

Mestrando em Direito Econômico no CEDES

CEDES - Centro de Estudos de Direito Econômico e Social CEDES - Centro de Estudos de Direito Econômico e Social

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