A MP 1.202/23, a Meta Fiscal e o Contencioso Tributário
A MP 1.202/23 onerou a folha de salários, revogou o PERSE e limitou as compensações de créditos a fim de zerar o déficit fiscal em 2024. Porém, gerou um aumento do contencioso tributário, com os contribuintes questionando essas medidas.
segunda-feira, 4 de março de 2024
Atualizado às 15:59
O Governo Federal está determinado a atingir sua meta de zerar o déficit fiscal em 2024 e já destacou o aumento da arrecadação tributária como parte essencial da sua estratégia. As recentes medidas, incluindo a tributação de fundos offshore e dos benefícios fiscais do ICMS, começaram a render frutos, contribuindo para uma arrecadação federal de R$ 280 bilhões em janeiro. Contudo, o desafio persiste, com a necessidade de somar mais R$ 162,4 bilhões ao longo do ano.
Como parte dessa série de medidas para alcançar a meta fiscal, foi publicada a MP 1.202/23 determinando, em síntese, a oneração gradual da folha de salários, a revogação do PERSE e a limitação das compensações de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado.
A decisão de onerar a folha de salários por meio de uma MP gerou controvérsias ao ser promulgada em meio a um contexto de atropelo ao Senado Federal, que havia aprovado o PL 334/23, estendendo a desoneração da folha até 2027, e ao Congresso Nacional, que anulou o veto presidencial ao PL, promulgando a lei 14.784/23. Em resposta a esse impasse, o presidente Lula, antes da entrada em vigor, optou por revogar parcialmente a MP 1.202, assegurando a continuidade da desoneração da folha para 17 setores econômicos.
Esta revogação parcial não se traduz em um gesto de benevolência do governo, mas sim em uma estratégia de integração política. A intenção de reverter a desoneração permanece como objetivo, porém, agora, por meio do PL 493/24, fruto de um acordo com os parlamentares, enviado em regime de urgência, que deverá ser analisado pela Câmara dos Deputados em até 45 dias.
Já a revogação dos benefícios destinados ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - PERSE e as restrições à compensação tributária de créditos judiciais permanecem no texto, suscitando questionamentos por parte dos contribuintes no âmbito do Poder Judiciário.
O PERSE, instituído pela lei 14.148/21, estabeleceu alíquota zero para os tributos federais (IRPJ/CSLL/PIS/Cofins), pelo prazo determinado de 60 meses, para o setor de eventos, a fim de compensar os efeitos decorrentes da pandemia. A revogação do PERSE trazida pela MP 1.202/23, determinou o retorno da tributação, respeitada a anterioridade nonagesimal para o PIS, a Cofins e a CSLL, e anual, para o IRPJ.
Diante disso, os contribuintes prejudicados foram ao Poder Judiciário buscar salvaguardar o benefício fiscal. A 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, em decisão liminar, garantiu à empresa de viagens ClickBus o direito de continuar usufruindo dos benefícios fiscais do Perse até 2027, suspendendo os efeitos da MP 1.202/23.
A discussão sobre a limitação das compensações de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado também está sendo judicializada. A empresa Pernambucanas conseguiu liminar na Justiça Federal de São Paulo para não se submeter ao limite de compensações tributárias.
Porém, há duas liminares e uma sentença negando o pedido dos contribuintes para afastar os limites trazidos pela MP 1.202, possibilitando a compensação integral dos créditos pendentes, decorrentes de decisões judiciais. As decisões não julgaram efetivamente o mérito da questão, pois analisaram a ausência dos requisitos para a concessão da liminar, entendendo que não há urgência, bem como a falta de ato coator para justificar o Mandado de Segurança, vez que não houve ato da Receita Federal que tivesse negado o pedido de compensação.
Nas discussões das duas matérias, as decisões têm como fundamento o entendimento de que não se pode mudar as regras do jogo durante a partida, nem atingir as regras que já estavam estabelecidas no começo do jogo. As medidas trazidas pelo Governo a fim de buscar o déficit fiscal estão indo na contramão da promessa de trazer estabilidade para o país e gerando ainda mais insegurança jurídica aos contribuintes.
Nesse cenário, inicia-se a mais um capítulo do contencioso tributário, com os contribuintes buscando resguardar seus direitos por meio de ações judiciais.