TCU regulamenta acordos de leniência
TCU emite IN 94/24 para combater corrupção, focando em acordos de leniência. Processos internos são conduzidos com sigilo, seguindo prazos definidos.
segunda-feira, 4 de março de 2024
Atualizado em 1 de março de 2024 13:48
O TCU editou a IN 94/24, oriunda da Cooperação Técnica com a Controladoria-Geral da União - CGU, a Advocacia-Geral da União - AGU e o Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP, sob a coordenação do STF, cujo objetivo é definir diretrizes e ações em matéria de combate à corrupção, com destaque para a celebração de acordos de leniência previstos na lei 12.846/13.
Encaminhada a proposta ao TCU, a área técnica iniciará os trâmites internos disciplinados no instrumento, como a identificação de todos os processos de controle externo envolvendo a proponente do acordo de leniência, levantamento sobre a existência de débitos já calculados relacionados à proponente, e encaminhamento dos autos ao min. relator e, se for o caso, acompanhado de proposta de adoção de eventual medida urgente (art. 3º). Destaca-se que em todas as etapas será mantido o caráter sigiloso das negociações em curso e das informações catalogadas. O mencionado diploma se preocupou ainda em estabelecer prazos específicos para cada etapa, de forma a garantir a celeridade do processo (art. 3º, §2º).
Durante o procedimento, caso a CGU apure e encaminhe ao TCU novas informações ou documentos que impliquem na alteração do escopo da proposta do acordo de leniência, as etapas discriminadas no art. 3º deverão ser repetidas, conforme estabelece o art. 4º. Caso esteja encerrado o prazo de instrução, encontrando-se o processo com o Relator, o fato deverá ser informado ao Ministro, que poderá decidir pelo retorno dos autos para a unidade técnica para saneamento (art. 4º, §1º).
O art. 6º da IN define que, após a comunicação da CGU/AGU de que o acordo está pronto para ser assinado, a área técnica responsável pela análise no TCU terá 45 dias, dentre os 90 designados para manifestação da Corte, para se pronunciar sobre se os valores informados atendem aos critérios de apuração do dano e se são suficientes para o ressarcimento. Também deve ser objeto de apreciação os impactos do acordo no procedimento dos processos de controle externo envolvendo a proponente.
Nos casos em que não houver processo de controle externo já autuado no TCU, a análise, segundo o inciso V do art. 7º, deve se concentrar na apuração se os valores do dano eventualmente incluídos na minuta do acordo pela CGU/AGU atendem aos critérios de apuração de dano adotados pelo Tribunal. Além disso, deve-se verificar se é possível a dispensa de atuação de processo de controle externo sobre as irregularidades objeto do acordo a ser firmado pela administração.
Se o Plenário da Corte de Contas julgar que o valor da proposta atende os critérios estabelecidos para o ressarcimento do erário, por estarem de acordo com o apurado pelo próprio TCU, o Colegiado deve declarar a quitação dos valores apurados nos processos de controle externo correspondentes. A quitação, destaca-se, ocorre em relação à proponente do acordo (art. 9º).
Na hipótese de o Plenário rejeitar a proposta, por considerar que os valores não são suficientes para o ressarcimento dos danos, para que ocorra a quitação dos processos de controle externo no âmbito do TCU, o Colegiado dará ciência à CGU/AGU para que se proceda negociação complementar com o objetivo de ajuste dos valores consignados na proposta. Entretanto, fica como responsabilidade do próprio TCU indicar no acórdão os valores dos débitos discriminados nos processos de controle externo que seriam suficientes para a quitação dos mesmos.
Caso o acordo venha a ser celebrado sem que os valores contemplem o apurado pelo TCU e informados à CGU/AGU, o art. 16 determina que não haverá quitação integral dos processos de controle externo, sendo possível, caso presentes os requisitos regimentais, a instauração de tomada de contas especial. O parágrafo único traz relevante regra de que, ainda nestes casos, o Tribunal não deverá aplicar multa de sua competência à colaboradora relacionada aos atos ilícitos constantes no acordo de leniência, desde que a colaboradora se mantenha adimplente com as obrigações assumidas.
Reforçando a preocupação exposta no item acima, a IN do TCU garante grande destaque para a proteção e guarda de dados sensíveis, dando especial destaque para o caráter sigiloso do processo. Nesse sentido, o art. 11 assevera que caso a CGU/AGU informe que o acordo de leniência não será mais celebrado, deverá ser providenciada a exclusão definitiva de todos os documentos que contenham informações fornecidas pela proponente das bases do TCU.
O art. 24 reforça o posicionamento, ao determinar que o TCU, após a celebração do acordo de leniência, poderá "utilizar os elementos que com ele forem compartilhados para promover, no âmbito de suas competências, as ações necessárias à responsabilização de terceiros".
O sobrestamento da aplicação de sanção pelo TCU em razão de irregularidades contempladas no escopo do acordo de leniência depende da comunicação, pela pessoa jurídica signatária do acordo, sobre a ocorrência de sua celebração nos autos em tramitação que tenham por escopo as mesmas irregularidades (art. 22).
O art. 25 autoriza que o TCU poderá compensar ou abater multas pagas em função de condutas tipificadas em mais de uma legislação, desde que envolvam exatamente as mesmas irregularidades tratadas no processo de controle externo.
Por fim, no caso de inadimplência da empresa colaboradora em relação aos valores acordados, o TCU poderá, após ouvir a AGU e a CGU e a própria empresa, declarar, mediante acórdão, a suspensão dos benefícios advindos do acordo. Posteriormente, deve ser avaliada a pertinência de instauração de novo processo de controle externo para possível aplicação de sanções à empresa inadimplente e a cobrança de débito remanescente (art. 27).
Assim, a recente edição da IN 94/24 representa importante avanço para segurança jurídica no âmbito da celebração dos acordos de leniência. Desde a edição da lei 12.846/13, a celebração de acordos tem esbarrado em desafios como a multiplicidade de atores, questionamentos em torno dos valores e insegurança jurídica. Esse importante passo pode significar o fortalecimento desse importante instrumento jurídico, sempre em prol do interesse público e do desenvolvimento do país.
Thaís Marçal
Advogada. Motta Fernandes Advogados. Doutoranda e Mestre pela UERJ.