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Lawfare no âmbito do PAD: "Fishing expedition" como instrumento de devassa indiscriminada e abusiva da vida funcional do servidor

O ideal seria que o processo penal fosse democrático e garantista, mas em casos há a aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo, privando o acusado de garantias legais.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Atualizado em 27 de fevereiro de 2024 10:20

No mundo ideal, o cidadão investigado na seara criminal submete-se ao processo penal democrático e garantista, no qual a condenação ou a absolvição ocorrerá sob o manto da plena concreção dos direitos e garantias previstos na Carta Magna.

Em suma, tanto a condenação quanto a absolvição ocorrem dentro das regras do jogo previstas em lei, de modo que o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal são efetiva e materialmente observados.

Contudo, contrapondo-se ao processo penal democrático e garantista, verifica-se, em muitos casos, a incidência da Teoria Alemã do Direito Penal do Inimigo, na qual o acusado não faria jus a um julgamento dentro do ordenamento jurídico estabelecido, privando-o das garantias penais e processuais penais asseguradas aos demais cidadãos.

Não obstante tal teoria não ser acolhida pela Carta Magna e pela doutrina e jurisprudência pátria, verifica-se que, na prática, o acusado pode vir a ser despersonalizado ou objetificado, perdendo, total ou parcialmente, os direitos e garantias constitucionais ao longo da persecução penal, já que figuraria como um inimigo da sociedade.

Dentro deste contexto investigatório nefasto, constata-se a ocorrência do fenômeno do fishing expedition, que ocorre quando o órgão investigador se utiliza de meios aparentemente legais para, sem objetivo definido ou declarado, "pescar" eventuais evidências a respeito de eventuais crimes desconhecidos ou futuros. 

Em outras palavras, fishing expedition nada mais é do que a devassa ampla, irrestrita e sem justa causa do passado, presente e futuro do acusado, destoando do enquadramento normativo da investigação democrática.

Nessa mesma linha, Viviani Ghizoni Silva e Philipe Benoni Melo e Silva ("Fishing Expedition e Encontro Fortuito na Busca e Apreensão". Florianópolis: EMais, 2019), assim definiu o fishing expedition: "investigação especulativa indiscriminada, sem objetivo certo ou declarado, que 'lança' suas redes com a esperança de 'pescar' qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação. Ou seja, é uma investigação prévia, realizada de maneira muito ampla e genérica para buscar evidências sobre a prática de futuros crimes. Como consequência, não pode ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de malferimento das balizas de um processo penal democrático de índole Constitucional". Especificamos, em seguida: "Se o primeiro passo do fishing expedition é mascarar a ilegalidade dos procedimentos de investigação, o próximo passo é a tentativa de legitimar o ato. Assim, da mesma forma como ocorre numa expedição de pesca quando os pescadores angariam algum peixe e se juntam para tirar uma foto e exibir o pescado, também ocorre na expedição probatória do processo penal".

Nesse sentido, cabe registrar que o fishing expedition foi definido, no julgamento do HC 663.055 (STJ),  como a "procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem 'causa provável', alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém".

Feito este breve intróito, cabe asseverar que tal instrumento malévolo de investigação ilegal também é utilizado no âmbito do processo administrativo disciplinar - PAD, dentro de um contexto em que o investigado também é despersonalizado ou objetificado, sendo injustamente definido como o "inimigo" a ser destruído a qualquer custo e que, por tal razão, "não mereceria" a incidência das garantias constitucionais acima citadas.

Vê-se, portanto, que a Teoria Alemã acima nominada foi adaptada ao universo da persecução administrativa, inaugurando o "PAD do Inimigo", sendo que o fishing expedition será, apenas, uma das facetas de tal perversão jurídica, que visa, a qualquer custo, a condenação do investigado.

Nesse diapasão, um dos primeiros sinais de perigo que o investigado em um PAD deve se atentar é a acusação extremamente ampla, genérica e, por tal razão, desprovida de justa causa, ante a completa ausência de um suporte probatório mínimo a ensejar a instauração do procedimento disciplinar em testilha, porquanto é dentro deste contexto é que se realiza o fishing expedition.

Em resumo, o fishing expedition visa inaugurar uma verdadeira devassa indiscriminada na vida funcional do servidor público em busca de algo concreto que possa justificar a condenação já previamente desejada pelo órgão correicional, sem se importar com os danos à honra, à imagem, ao nome ou à saúde física e mental do servidor.

Logo, dentro do contexto do "PAD do Inimigo", o processo disciplinar é realizado "de trás para frente", já que a conclusão de tal procedimento já está definida antes mesmo da instauração do PAD, cuja instrução funcionará, apenas, como meio para robustecer, juridicamente, a futura condenação.

Incidindo, portanto, na fase de instrução do PAD, o fishing expedition afasta os pilares de um PAD democrático e não punitivista, já que não há qualquer interesse, pela Comissão Processante, em obedecer, de fato, aos Princípios da Verdade Real, do efetivo Contraditório e da Ampla Defesa do investigado.

Nesse sentido, a doutrina de Mauro Roberto Gomes de Matos: 

"A boa-fé e a segurança jurídica retiram do administrador público a faculdade da instauração do procedimento administrativo genérico, sem que haja aparente transgressão aos princípios disciplinares que regem a vida funcional. Não funciona o processo disciplinar como "uma caixa de surpresas" onde a ausência de materialidade de uma possível falta funcional poderia proporcionar a instauração de inquérito administrativo para devassar a vida do servidor, no afã de se encontrar algo que possa ser usado contra ele. Não é assim que funciona". (lei 8.112/90 Interpretada e Comentada, 1ª ed., Rio de Janeiro, América Jurídica, 2005, p. 745).

Não obstante, mesmo em um "PAD do Inimigo" que visa, acima de tudo a destruição/demissão do acusado, há, usualmente, uma grande preocupação da Comissão Processante em conferir uma aparência ou um falso verniz de legalidade e de obediência às garantias retro nominadas, diminuindo, destarte, as chances de reintegração judicial do servidor, razão pela qual é essencial que a assessoria jurídica do acusado em um PAD adote a estratégia adequada para combater tal modalidade de lawfare, evitando-se, assim, uma demissão injusta do servidor público.

Amanda Fonseca Perrut

VIP Amanda Fonseca Perrut

Advogada com mais de 20 anos de experiência, é fundadora da Fonseca Perrut Advocacia, com atuação em todo o Brasil.

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