MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. Como as sanções da UE são aplicadas à Rússia?

Como as sanções da UE são aplicadas à Rússia?

A UE implementou uma série progressiva de sanções contra a Rússia em resposta à invasão da Ucrânia. Apesar do impacto econômico significativo dessas sanções sobre a Rússia, a eficácia em induzir mudanças de comportamento no Kremlin é debatida, refletindo a complexidade da situação.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Atualizado em 23 de fevereiro de 2024 15:13

Introdução

A implementação de sanções pela UE contra a Federação Russa, em resposta à invasão da Ucrânia, representa um momento crítico na evolução das relações diplomáticas e econômicas entre o bloco europeu e Moscou. Desde o início do conflito, a UE tem progressivamente ampliado o escopo e a severidade das sanções contra a Rússia, empregando uma estratégia para isolar economicamente e diplomaticamente o país.

A escalada das medidas restritivas iniciou-se com o primeiro pacote de sanções, que visava principalmente indivíduos e entidades diretamente envolvidos na desestabilização da Ucrânia. Todavia, à medida que o conflito se intensificava, a UE expandiu as sanções para incluir restrições mais amplas sobre o comércio, finanças, e a transferência de tecnologias sensíveis, visando limitar a capacidade da Rússia de financiar e sustentar suas operações militares.

O histórico dos pacotes de sanções revela uma abordagem cada vez mais rigorosa por parte da UE. Por exemplo, o sexto pacote de sanções marcou um momento significativo, introduzindo a proibição de importações de petróleo bruto e produtos petrolíferos, um golpe substancial para a economia russa, fortemente dependente das exportações de energia. Subsequentemente, medidas adicionais foram adotadas para restringir o acesso da Rússia a tecnologias avançadas, serviços financeiros e mercados de capitais da UE, bem como a proibição de importações de bens de luxo, carvão, e outros produtos estratégicos.

A adoção do 13º pacote de sanções, destacando-se pela inclusão de restrições a mais de 200 indivíduos, empresas e organizações, reflete a determinação da UE em manter a pressão sobre o Kremlin. Este pacote, como os anteriores, visa não apenas enfraquecer a capacidade militar e tecnológica da Rússia, mas também sinaliza a coesão e a resolução do bloco europeu em responder às violações do direito internacional pela Rússia.

A aplicação das sanções dentro do ambiente político da UE envolve um processo complexo e meticuloso, que reflete tanto a diversidade de interesses entre os Estados-membros quanto a necessidade de uma ação unificada frente a desafios externos. A decisão de impor um novo pacote de sanções, tal como o 13º contra a Rússia, é o resultado de negociações intensas, onde a coesão política entre os Estados-membros são essenciais para alcançar um consenso.

Fundamentos jurídicos das sanções da UE

A capacidade da UE de impor sanções internacionais encontra-se firmemente ancorada no seu quadro jurídico e institucional. Este quadro permite que a UE responda de forma coesa e eficaz a desafios e ameaças internacionais à paz e segurança, aos direitos humanos, e à ordem jurídica internacional. As sanções, também conhecidas como medidas restritivas, servem como ferramentas de política externa, destinadas a alcançar objetivos específicos alinhados com os valores e interesses da UE.

O principal fundamento jurídico para a imposição de sanções pela UE encontra-se no Tratado da União Europeia - TUE e no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE. Mais especificamente, o artigo 21 do TUE estabelece os princípios orientadores da ação externa da UE, incluindo o respeito pela legalidade internacional e a promoção da paz, segurança e progresso global. O artigo 215 do TFUE, por sua vez, proporciona a base legal para a adoção de medidas restritivas contra países terceiros, entidades ou indivíduos, permitindo a implementação de decisões tomadas no âmbito da Política Externa e de Segurança Comum - PESC, conforme definido no Artigo 29 do TUE.

Estes tratados conferem à UE a autoridade para adotar uma ampla gama de sanções, incluindo embargos comerciais, congelamento de ativos, proibições de viagem e restrições em setores econômicos específicos. As sanções são concebidas para serem direcionadas, focando-se em entidades ou indivíduos específicos, com o objetivo de minimizar o impacto sobre a população civil.

Processo de decisão para a adoção de sanções

O processo de decisão para a adoção de sanções pela UE é caracterizado por um procedimento coletivo e consensual entre os Estados-Membros, ocorrendo nos seguintes moldes1:

  1. Proposta: O processo geralmente começa com a proposta de sanções por um Estado-Membro ou pela Alta Representante da União para Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, baseando-se numa avaliação da situação internacional e dos objetivos políticos da UE.
  2. Deliberação no Conselho: A proposta é então discutida no Conselho da UE, particularmente no Conselho dos Assuntos Externos, onde os ministros dos Estados-Membros debatem a necessidade, a natureza e o escopo das medidas propostas. Para a adoção de sanções, é necessária a unanimidade entre os Estados-Membros, garantindo que todas as medidas reflitam um consenso amplo.
  3. Adoção e implementação: Uma vez alcançado o consenso, as sanções são formalizadas através de decisões do Conselho, baseadas no artigo 29 do TUE, e regulamentos do Conselho, baseados no artigo 215 do TFUE. Os regulamentos têm aplicação direta nos Estados-Membros, garantindo uma implementação uniforme das sanções em toda a UE.
  4. Publicação e notificação: Após a adoção, as medidas são publicadas no Jornal Oficial da UE, tornando-se vinculativas e aplicáveis imediatamente. Os países terceiros, entidades e indivíduos afetados são notificados, conforme aplicável.

Este processo assegura que a imposição de sanções pela UE segue uma metodologia rigorosa, envolvendo todas as etapas desde a proposta até a implementação, garantindo que as decisões sejam tomadas com base em um consenso entre os Estados-Membros.

Análise das sanções

A UE implementou um pacote abrangente e sem precedentes de sanções contra a Rússia em resposta à guerra de agressão deste país contra a Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro de 2022, e à anexação ilegal das regiões ucranianas de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson. Essas sanções se baseiam em medidas impostas desde 2014, após a anexação da Crimeia e a não implementação dos acordos de Minsk2.

As sanções incluem medidas restritivas direcionadas (sanções individuais), sanções econômicas e medidas de visto, com o objetivo de impor consequências severas à Rússia por suas ações e efetivamente impedir sua capacidade de continuar sua agressão. As sanções individuais visam aqueles responsáveis por apoiar, financiar ou implementar ações que minam a integridade territorial, soberania e independência da Ucrânia, ou aqueles que se beneficiam de tais ações. Notavelmente, as sanções resultaram no congelamento de ?21,5 bilhões de ativos dentro da UE e no bloqueio de ?300 bilhões de ativos do Banco Central da Rússia na UE e nos países do G73. Todavia, a eficácia das sanções, particularmente no contexto do conflito ucraniano e mais recentemente com a adoção do 13º pacote de sanções, é um tema de intensa discussão e análise crítica.

Desde o início da aplicação das sanções pela UE, observou-se um impacto significativo na economia russa, incluindo a depreciação do rublo, o aumento da inflação e a diminuição do investimento estrangeiro direto. Apesar disso, a Rússia demonstrou uma resiliência notável, ajustando-se às condições impostas pelas sanções. A diversificação das suas rotas de exportação de petróleo e gás para países como China e Índia é um exemplo claro de como a Rússia tem buscado mitigar o impacto econômico das sanções4. Além disso, certos produtos russos, como o urânio, continuam a ser comercializados devido à dependência de países da UE e dos EUA, ilustrando as limitações das sanções enquanto ferramenta isolada de política externa5.

Por esse motivo, a UE entendeu que exisita a necessidade de aplicar medidas restritivas a essas empresas as quais contribuiam para a economia russa. Desse modo, a União Europeia concordou com um novo pacote de sanções, marcando a primeira vez que empresas chinesas e indianas foram sancionadas. O 13º pacote de sanções, que visa cerca de 200 indivíduos e entidades, destina-se a debilitar a capacidade de guerra de Putin e manter a pressão sobre o Kremlin, focando especificamente no acesso da Rússia a drones. Cabe destacar ainda que as sanções abrangem empresas localizadas não só na China e na Índia, mas também em Sri Lanka, Turquia, Tailândia, Sérvia e Cazaquistão, e são direcionadas a entidades que fornecem equipamentos, especialmente eletrônicos e microchips, usados pela Rússia na fabricação de armas e outros equipamentos militares6.

Conclusão

A implementação de sanções pela UE contra a Rússia em resposta à sua agressão contra a Ucrânia é uma demonstração da capacidade do bloco de agir diante de violações do direito internacional. O aprofundamento e a expansão das sanções ao longo do tempo refletem não apenas a gravidade da situação, mas também a determinação da UE em apoiar a Ucrânia e preservar a ordem baseada em regras internacionais.

Além disso, o processo de decisão e implementação das sanções revela a natureza complexa da política externa da UE, que exige unanimidade entre os Estados-membros. Este processo, embora desafiador, demonstra a capacidade de coesão e ação unificada do bloco, apesar das diversas perspectivas e interesses econômicos dentro da União.

No entanto, a eficácia das sanções em alcançar uma mudança de comportamento por parte da Rússia permanece um assunto de debate. Enquanto as sanções indubitavelmente impuseram custos econômicos significativos à Rússia e demonstraram o isolamento internacional do país, a capacidade de Moscou de mitigar alguns desses impactos e a complexidade de induzir mudanças em regimes autoritários colocam questões sobre a eficácia das sanções como ferramenta isolada de política externa.

Assim sendo, a inclusão de sanções a empresas de nações como China e Índia marca um novo capítulo na diplomacia europeia, evidenciando um compromisso em adaptar e intensificar as medidas restritivas conforme necessário para proteger a estabilidade e a paz global. A UE deve, portanto, continuar a explorar todas as vias diplomáticas e políticas, em coordenação com parceiros internacionais, para buscar uma solução duradoura para a crise. A combinação de pressão econômica, isolamento diplomático e engajamento político contínuo será crucial para influenciar o curso dos eventos e apoiar uma resolução pacífica do conflito na Ucrânia.

------------------------------

1 Guidelines on implementation and evaluation of restrictive measures (sanctions)

2 Timeline - EU restrictive measures against Russia over Ukraine - Consilium (europa.eu)

3 EU sanctions against Russia explained - Consilium (europa.eu)

4 Russia exports almost all its oil to China and India - Novak | Reuters

5 Putin Profits Off US, European Reliance on Russian Nuclear Fuel (voanews.com)

6 EU agrees first sanctions on Chinese and Indian companies for Russia war links (ft.com)

Pedro Vitor Serodio de Abreu

VIP Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca