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STF, guardião de um órgão de estado criminoso: TCE/SP, 35 anos atuando à margem da Constituição Federal

Os Tribunais de Contas, órgãos estatais, têm base na Constituição Federal (artigos 70-75), fiscalizando todos os níveis e esferas da Administração Pública. Princípio de simetria amplia sua autoridade. Antes de 1988, o TCE/SP seguia a lei 10.319/68, distinguindo administração direta e indireta.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Atualizado às 11:34

Os Tribunais de Contas são órgãos de Estado, haja vista que a existência e as competências se encontram elencadas na seção da fiscalização contábil, financeira e orçamentária entre os artigos 70 e 75 da Constituição Federal.

O âmbito de atuação da fiscalização dos tribunais de contas é estabelecido pelo artigo 70, que, em conjunto com o princípio da simetria previsto no artigo 75, garante que essa fiscalização abranja todos os órgãos e entidades da Administração Pública, tanto direta quanto indiretamente ligados à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Esse conjunto de normas assegura que os tribunais de contas tenham autoridade para fiscalizar as atividades financeiras e administrativas em todos os níveis governamentais e em todas as esferas de atuação pública.

Antes de 1988, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo - TCE/SP era regido pela lei 10.319/68, que definia sua atuação. O artigo 131 dessa lei especificava os conceitos de administração direta e indireta. Segundo esse artigo, a administração direta compreendia os serviços e órgãos integrados na estrutura administrativa dos três Poderes. Por outro lado, a administração indireta incluía entidades com personalidade jurídica própria, como 1. autarquias, 2. empresas públicas, 3. fundações públicas e 4. sociedades de economia mista.

Com a promulgação da Carta da República e a nova constituição paulista, em 1993, foi promulgada a atual Lei Orgânica do TCE/SP - Lei Complementar 709/93, que também estabelece o âmbito de incidência sobre os órgãos e as entidades do Estado e dos seus municípios.

Muito bem!

Importante consignar que em nenhum desses dispositivos legais há previsão que autorize o TCE/SP a fiscalizar e julgar contas das Fundações de Direito Privado, instituídas nos termos do artigo 44, III, do Código Civil e, que, por óbvio, não integram a Administração Pública.

Assim é que o TCE/SP, desprovido de qualquer fundamento legal, expandiu suas atribuições, por ato interno, incluindo quase uma centena de entidades privadas, como fundações de apoio, numa medida que gerou apreensão na comunidade científica e universitária. Essas entidades são responsáveis pela execução de projetos de ensino, ciência, tecnologia e inovação originados nas universidades USP, UNESP, UNICAMP e institutos de pesquisa públicos. Ao impor um regime de direito público sobre elas, o TCE/SP criou uma cultura de temor, afetando negativamente o ambiente acadêmico e de pesquisa.

A lei 13.869/19, mais conhecida como Lei do Abuso de Autoridade, estabelece, no artigo 22, que constitui crime adentrar astuciosamente ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei. E de igual forma, no artigo 27, incorre no mesmo crime, instaurar procedimento investigatório de infração administrativa em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa. Já o artigo 33 dessa mesma lei estabelece que exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal, também se constitui crime de abuso de autoridade.

Pois bem, o TCE/SP, anualmente, envia seus agentes de fiscalização para colher informações e instaura procedimento administrativo com o objetivo de apurar os procedimentos feitos pelas entidades privadas no ano anterior, sem qualquer indício de prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa, e adentra sem fundamento legal nas sedes das entidades privadas, fatos que se enquadram nos tipos penais citados e, que, ainda, preveem penas de até 4 anos de detenção.

Adicionalmente, o Código Penal, no artigo 319, assevera que o agente público que, indevidamente, praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, constitui crime de prevaricação, fato que ocorreu ao ter incluído as fundações de direito privado no rol de jurisdicionados sem fundamentação legal.

Nesta mesma linha, a Lei de Improbidade Administrativa - lei 8.429/92, prevê no artigo 11, que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, fato que torna os membros do TCE/SP improbos.

Por outro lado, o procedimento adotado pelo TCE/SP em relação às entidades privadas afronta também a Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD, pois, desprovido de competência legal para fiscalizá-las e julgá-las, não pode esse órgão requisitar informações sensíveis das entidades, de seus dirigentes e de seus empregados privados.

Com efeito, nos termos do artigo 7º da LGPD, aduz que o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas hipóteses listadas e, dentre as quais, destacam-se (i) mediante o fornecimento de consentimento pelo titular; para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; ou pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos.

Não pode ser esquecido que a lei 13.019/14 - Marco legal das organizações sociais, no artigo 42, XV, estabelece que as parcerias serão formalizadas mediante a celebração de termo de colaboração, de termo de fomento ou de acordo de cooperação, conforme o caso, que terá como cláusulas essenciais, dentre as quais, o livre acesso dos agentes da administração pública, do controle interno e do Tribunal de Contas correspondente aos processos, aos documentos e às informações relacionadas a termos de colaboração ou a termos de fomento, bem como aos locais de execução do respectivo objeto. E, ainda nos demais artigos, resta evidente que cabe à administração pública a manifestação conclusiva sobre a aprovação ou não do processo da prestação de contas, e não aos Tribunais de Contas.

Portanto, sob qualquer ótica que se analise a questão, comprovar-se-á que o TCE/SP não possui competência constitucional para fiscalizar e julgar as contas das Fundações de Direito Privado e, de igual modo, não pode requisitar informações sensíveis dessas entidades em face da ausência de autorização legal. O TCE/SP é o único no Brasil que atua na inconstitucionalidade. O TCU, por exemplo, dispensou no ano de 1994 as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, por considerar atividade em superposição de controles que se revela contraproducente e até antieconômica.

Por outro lado, importante consignar que o comportamento tirânico do TCE/SP, infelizmente, conta com total apoio do STF. Vejamos o porquê:

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 374, em que o STF analisou e decidiu a forma de provimento dos Conselheiros da Corte paulista de Contas, foi distribuída em 2/10/90, tendo como relator inicial o ministro Celso de Mello e ao final teve como relator o ministro Dias Toffoli.

Em 26/10/90, pouco mais de 20 dias, o pleno do STF, por maioria, deferiu a medida cautelar e suspendeu, até o julgamento final da ação, a vigência do artigo 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de São Paulo, que ofendia o princípio da simetria constitucional.

A decisão final ocorreu somente em 22/3/12, com o acórdão publicado somente no DJE de 21/8/14, isto é, 24 ANOS APÓS A DISTRIBUIÇÃO DA AÇÃO, praticamente ¼ de século aguardando a decisão da Suprema Corte.

Ainda no final da década de 90, também foi ajuizada a ADI 397, na qual o STF declarou a inconstitucionalidade dos itens "1" e "3" do § 2º do artigo 31, da Constituição paulista. Distribuída em 7/11/90, teve como relator inicial o ministro Celio Borja e o Tribunal Pleno, em 30/11/90, apenas 23 dias da distribuição, DEFERIU a medida liminar para suspender, até o julgamento final da ação dos dispositivos citados. A decisão final do STF ocorreu na reunião plenária de 3/8/05 e o Acórdão foi publicado em 9/12/05, exatamente 15 ANOS APÓS A DISTRIBUIÇÃO.

A reclamação 27.307 foi protocolada no STF em 7/6/17, acompanhada de farta comprovação dos excessos praticados pelo TCE/SP, inclusive com os comprovantes da pesquisa junto ao TCU e aos Tribunais Estaduais, que evidenciou que o TCE/SP é o único no Brasil que não está harmonizado com o âmbito de incidência do controle externo estabelecido pela CF/88, além de inúmeras decisões desse Excelso Pretório em sede de ADIs que comprovam a compulsoriedade da submissão do TCEs ao modelo federal, além do Parecer PA 37/17 da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, que também comprovou o comportamento inconstitucional do TCE/SP. Não obstante tudo isso, o ministro Celso de Mello, a ARQUIVOU SUMARIAMENTE em 21/11/17.

O comportamento criminoso dos membros do TCE/SP foi também comprovado em face da desobediência às ordens do STF, proferidas em sede de liminar nas ADIs 374/DF e 397, fato que foi observado pelo ínclito min. Dias Toffoli, no acordão da ADI 374/DF, DJE de 21/8/14, conforme os trechos a seguir colacionados:

"Ora, senhores ministros, os Estados-membros não gozam de liberdade para retardar a transição de um regime constitucional a outro. Tampouco podem fechar os olhos aos critérios expressos na Carta Magna e às decisões deste Tribunal. Esta Suprema Corte, por sua vez, não pode deixar espaços para soluções normativas ou interpretativas que se prestem a um atraso ainda maior na implementação do modelo constitucional.

Essa flagrante situação de inconstitucionalidade vivenciada no Estado de São Paulo não pode perdurar, sendo necessária imediata adequação ao modelo proposto na Constituição Federal. (grifos nossos). [...]

Ora, decorridos mais de vinte e três anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, a inexistência de membros do Ministério Público Especial poderia dar ensejo inclusive a um cenário de omissão inconstitucional do Poder Público, conforme assentou esta Corte no julgamento da ADI 3.276/CE. (grifos nossos).

[...]

No caso, desconsiderou-se, por completo, a proporcionalidade de que tratam os arts. 72, § 2º, e 75 da CF/88. Não vejo, ademais, como as decisões deste Tribunal, na presente ação e na ADI 397/SP, possam ter servido de fundamento para tamanho desrespeito às regras da Constituição da República." (grifos nossos).

Ainda, do voto do relator - ministro Dias Toffoli, extrai-se a confirmação do dispositivo constitucional:

"No concernente aos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, a Carta Maior, em seu art. 75, impôs a obrigatoriedade de observância, no que possível, do regramento acerca da organização, da composição e da fiscalização dispensado ao TCU, ressaltando que eles devem ser integrados por sete Conselheiros." (grifos nossos).

Por último, cita-se o ARE 1450813/SP, que contou com a relatoria do presidente do STF, ministro Luis Roberto Barroso, que, professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, elaborou a obra "TEMAS DE DIREITO CONSTITUCIONAL" - Rio de Janeiro - Renovar, 2002, 2ª edição e nas páginas 239/240, lecionando que:

"2. O TRIBUNAL DE CONTAS NÃO TEM COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA EXERCER O PODER REGULAMENTAR, QUE É PRIVATIVO DO EXECUTIVO. A LEI QUE SE REFERE AO EXERCÍCIO DE TAL COMPETÊNCIA DEVE SER INTERPRETADA CONFORME A CONSTITUIÇÃO, COM SENTIDO DE QUE O ÓRGÃO DE CONTAS DESFRUTA DE COMPETÊNCIAS NORMATIVAS INFERIORES, E NÃO DO PODER DE EDITAR REGRAS GERAIS E ABSTRATAS. NÃO TEM O TRIBUNAL DE CONTAS COMPETÊNCIA PARA EDITAR REGULAMENTOS DE EXECUÇÃO, REGULAMENTOS AUTÔNOMOS, NEM MUITO MENOS PARA INVADIR A ESFERA DE RESERVA LEGAL, COM FIM DE IMPOR OBRIGAÇÕES, ESTABELECER REQUISITOS OU DITAR VEDAÇÕES QUE NÃO TENHAM APOIO NA LEI".

Neste processo, também foi evidenciado ao presidente da Suprema Corte Brasileira que o TCE/SP AMPLIOU SUAS COMPETÊNCIAS POR MEIO DE UM ATO INTERNO, o que contraria o princípio da legalidade estabelecido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal. Essa ação configura violações como crime de abuso de autoridade, prevaricação e ato de improbidade administrativa, caracterizando-o como ÓRGÃO DE ESTADO CRIMINOSO. Surpreendentemente, o STF tem protegido esse órgão estatal, que, até o momento, não inclui em seus membros um representante do Ministério Público de Contas, conforme é exigido pela Constituição Federal.

Surpreendentemente, o ministro Barroso negou sumariamente o seguimento do ARE 1450813/SP, interrompendo o processo e impedindo o recebimento de mais Embargos Declaratórios. Isso parece contradizer sua abordagem anterior, conforme discutido. Essa decisão pode gerar controvérsias e questionamentos sobre a aplicação consistente da jurisprudência ou precedentes em questões semelhantes.

Além disso, negou-se a enviar as peças do processo para a investigação do Ministério Público, como determina o artigo 40 do Código de Processo Penal e artigo 66, inciso I, que aduz ser contravenção penal ao tomar ciência de crime de ação pública e não enviar para órgão competente as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia, fato que, nos autoriza a sugerir ao STF que altere o seu epiteto: em vez de Guardião da Constituição Federal, para simplesmente STF - o Guardião de um Órgão de Estado Criminoso: TCE/SP.

Não se pode esquecer que, além do ex-ministro do STF, Celso de Mello, ter sido contemporâneo na Faculdade de Direito da USP de quatro conselheiros: Antonio Roque Citadini, Edgard Camargo Rodrigues, Renato Martins Costa e Dimas Ramalho; atualmente o TCE/SP também admitiu em função de confiança o médico que é irmão do ministro Alexandre de Moraes. Com efeito, tratando-se de função técnica, jamais poderia ocupar um cargo em comissão, que, aliás, são reservados apenas para cargos de direção, chefia e assessoramento. Configura-se assim mais uma irregularidade nos procedimentos do órgão de contas estadual.

A propósito, é notória a existência de agentes públicos no Estado de São Paulo que recebem mensalmente subsídios ou remunerações acima do teto constitucional e, ainda, autarquias e fundações públicas que ainda não realizam concursos públicos para a admissão de procuradores do estado, afrontando o comando determinado pela Carta da República. Dessa forma, como o TCE/SP não concentra atenção nos assuntos realmente relacionados à sua competência, cabe enfatizar que tal omissão também tipifica crime de prevaricação.

Já passou da hora do órgão de contas do Estado de São Paulo abandonar o estigma de órgão de estado criminoso e liberar as fundações de direito privado e, dentre elas, as fundações de apoio, que desempenham a importante missão da implementação dos projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação.

João Batista Tavares

VIP João Batista Tavares

Advogado.

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