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As peculiaridades da ADO e o "Compliance Institucional" no Brasil

Uma tratativa que expõe a fragilidade da criação normativa no Brasil, preenchendo uma multiplicidade de fatos e demandas processuais, com a finalidade de se evitar a insegurança jurídica e o subjetivismo hermenêutico.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Atualizado às 16:18

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), estabeleceu-se a possibilidade de utilização da Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão - ADO, com o intuito de conter a síndrome da inefetividade das normas constitucionais1. Nessa seara, é cediço que a omissão no Brasil engloba atos gerais, abstratos e obrigatórios, com fiscalização dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Em decorrência disso, para alguns juristas, a supressão supracitada é de cunho normativo geral e não somente legislativo, uma vez que os poderes detêm capacidades típicas e atípicas descritas constitucionalmente. Todavia apesar da importância da ADO no sistema jurídico do Brasil, sabe-se que o atingimento dos efeitos necessários estão muito aquém do desejado pelo poder constituinte originário. 

Nessa linha de discussão, faz-se necessário descrever que há diferenças intrínsecas na abordagem em relação a omissões dos órgãos administrativos em relação aos outros poderes, uma vez que aqueles são obrigados a suprir a omissão em 30 dias, após a constatação da ciência. Um exemplo disso foi descrito na emblemática abordagem relativa a ADO 24/13, referente a falta da lei de defesa ao usuário de serviços públicos. Isto é, devido a relevância da matéria para o coletivo e a gravidade do quadro narrado, foi decidido monocraticamente pelo ministro do STF Dias Toffoli o prazo supracitado por medida cautelar. Todavia, iniciou-se o questionamento a respeito da repercussão em relação aos outros poderes, pois somente a ciência da autoridade omissa não teria o condão de agir coercitivamente na produção imediata da norma em xeque. Finalmente, quatro anos depois, foi editada a lei 13.460 que positivou normas básicas de participação, proteção e defesa dos direitos do usuario de serviços públicos.

Para enriquecer a discussão desta questão, faz-se mister descrever a situação ocorrida com a ADO 25, referente a PEC/41/03 (Reforma Tributária), cuja intenção era estimular a atividade econômica, racionalizando e simplificando a tributação do ICMS, dentre outros. Entretanto, tal medida trouxe decorrências deletérias para as finanças estaduais e prejuízos visíveis para a economia brasileira. Nesse diapasão, para tentar dirimir os impactos financeiros, foi preestabelecida a ADCT federalista que coadunava com a transferência de numerário da União para os Estados e para o Distrito Federal, dependendo somente da elaboração de uma Lei complementar federal para definir critérios, prazos e condições. Nesse contexto, passados treze anos, o STF positivou a ADO 25/16, fixando o prazo de doze meses para que o legislativo criasse a lei complementar supracitada. A questão debatida pelos juristas foi no sentido de que tal requisição pelo STF seria de cunho recomendatório ou mandatário. Explicando melhor, o que aconteceria a legislativo se tal normativa não fosse elaborada?

Depreende-se dessa problemática que alguns acreditam na coercitividade das medidas, mas outros pensam em delegar a competência para órgãos como o TCU, por exemplo. Segundo a ministra do STF Carmen Lucia2 "A fixação de um prazo para o parlamento suprir a omissão é um passo adiante na natureza recomendatória". Diante desse impasse, em 2020, o Congresso Nacional editou a lei complementar 176º para compensação de perdas de arrecadação ocorridas desde 2003. Ou seja, foram dezessete anos de mora normativa, colocando em risco a ordem constitucional.

Após a exposição da ADO 24 e 25, pode-se chegar a algumas conclusões importantes: somente a ciência da autoridade ou órgão omisso não tem o condão de promover a positivação normativa desejada e a intenção de estipular o prazo razoável pelo Tribunal não possui caráter mandamental, podendo ser considerada uma recomendação. Destarte, não há sanção imediata, inferindo-se que a atividade de produção legislativa seria de cunho discricionário, em alguns casos. Outrossim, deve-se ter precaução nas resoluções de questões que se referem a competência para evitar delegações e avocações entre os poderes.

Nesse sentido, além da exposição fática da ADO, faz-se necessário contextualizar a aplicabilidade da fungibilidade entre os institutos da ADO, ADI e mandado de injunção - MI. Em relação a compatibilização entre a ADO e o MI, grande parte da doutrina concorda que não há fungibilidade, devido a primeira ser uma ação objetiva e abstrata de competência do STF e a segunda ser subjetiva com efeitos difusos interpartes. Entretanto, há divergência entre os juristas no tocante a fungibilidade entre a ADO e a ADI, uma vez que ambas as ações se referem ao controle abstrato, com competência de julgamento pelo STF, efeitos ex-tunc e vinculantes. Ou seja, visando a celeridade processual e a eficiência na produção normativa, chega-se à conclusão de que a atual jurisprudência do STF vem aceitando a fungibilidade, diante de uma aparente confusão de pedidos e inexistência de má-fé.

Para finalizar, é importante pormenorizar sobre o "Compliance Institucional"3 relacionado a ADO, pois há notória imprescindibilidade de se fazer cumprir as funções dos três poderes do Brasil de forma colaborativa. Explicando melhor, o Brasil tem a tendência de seguir o civil law, pautado no positivismo relativizado, todavia a produção normativa não consegue acompanhar as demandas diuturnas da sociedade, desencadeando insegurança jurídica e interpretações subjetivistas. Nessa toada, faz-se necessário que as autoridades abracem o ideal de "compliance", organizando os projetos predefinidos com celeridade, eficiência e moralidade, sempre visando o equilíbrio entre os poderes.

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1 A Síndrome de Inefetividade das Normas Constitucionais refere-se, basicamente, às hipóteses em que existindo norma constitucional de eficácia limitada o Poder Público ou órgão administrativo que deva regulamentá-la, não o faz, surgindo, portanto, a omissão legal ou administrativa a qual deve ser rechaçada através de duas ações constitucionalmente previstas, quais sejam, a Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão (ADIn por omissão) ou o Mandado de Injunção.

2 Cármen Lúcia Antunes Rocha (Montes Claros, 19 de abril de 1954) é uma jurista, professora e magistrada brasileira, atual ministra do Supremo Tribunal Federal (STF). 

3 A palavra compliance deriva de uma expressão inglesa, que traduzida significa "em conformidade com". O conceito de compliance aplicado, portanto, refere-se à conduta de uma organização que esteja em conformidade com parâmetros legais, com os projetos de governança e com os padrões éticos internos e externos à instituição. Cabe ressaltar que a adoção de um compliance segue o princípio de "observância da lei". isto é, seu cumprimento é espontâneo e diferente do direito aplicado - que, neste caso, é o exercício da lei de modo obrigatório. 

Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Pós Graduação em Direito Constitucional Damásio ,Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT

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