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O STJ e a cláusula de limitação de responsabilidade em contratos empresariais

Cláusula de limitação de responsabilidade em contratos de prestação de serviços é sensível, geralmente solicitada pelas prestadoras para evitar grandes indenizações. Recomendável abordar na proposta comercial para negociar preços. Disputas judiciais podem envolver alegações de má-fé e vulnerabilidade.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Atualizado às 12:36

Sabemos que uma das questões mais melindrosas na discussão de contratos de prestação de serviços entre empresas é a cláusula de limitação de responsabilidade.

Normalmente, são as contratadas prestadoras de serviços que solicitam a inclusão desta limitação, temendo possíveis indenizações milionárias, e é bastante comum que a limitação de responsabilidade imposta contratualmente seja até mesmo usada pelas prestadoras de serviços para negociar melhores preços com as empresas contratantes. Aliás, é recomendável que essa questão seja levantada ainda na fase de discussão da proposta comercial, antes mesmo da elaboração ou análise do contrato, pois muitas vezes as empresas prestadoras de serviços pedem o incremento de preços se não houver esta limitação.

Também é comum que, quando um conflito envolvendo indenização entre duas empresas escala para a esfera judicial, a parte que se sente prejudicada alegue que não houve boa-fé na imposição da limitação de responsabilidade contratual, que está ou esteve em posição de vulnerabilidade ou, ainda, que o Código Civil a ampara para exigir a reparação total do dano causado (artigos 186 e 944).

Assim, trazendo mais luz sobre a questão, recente decisão da Terceira Turma do STJ confirmou, por maioria de votos, que é válida a cláusula limitativa de responsabilidade definida em um contrato entre uma empresa multinacional do ramo de tecnologia e uma companhia brasileira que atuava como sua representante no país. Ao considerar as particularidades do caso, o órgão colegiado entendeu que a disposição que as partes acordaram mutuamente no sentido de estabelecer um valor máximo para uma eventual indenização deveria prevalecer. Com isso, a indenização por danos materiais e morais por abusos contratuais pretendida pela representante brasileira ficou limitada a US$ 1 milhão, como previsto no contrato.

No caso, o juízo de primeira instância validou a cláusula limitativa de responsabilidade e restringiu a indenização requerida ao valor de US$ 1 milhão, mas a decisão foi reformada pelo TJ/SP. No STJ, em decisão monocrática, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva manteve o acórdão do tribunal paulista. Em sua avaliação, houve quebra do equilíbrio contratual e aumento excessivo da dependência econômica da representante brasileira. A decisão foi então reformada pela Terceira Turma do STJ.

Ou seja, prevaleceu o entendimento de que não se pode supor vulnerabilidade de empresas de médio ou grande porte, já que as partes tiveram ampla possiblidade de avaliar as vantagens e desvantagens do negócio entre elas e que as obrigações contratuais refletiram o mútuo acordo de suas condições.

A decisão, na realidade, corroborou a previsão legal. Ainda que o Código Civil, como visto acima, imponha a obrigação de reparar o dano em caso de culpa (artigo 186 e 927) e determina que a indenização se mede pela extensão do dano (artigo 944), o próprio Código é claro em definir, no parágrafo único do artigo 416, que "ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado". O ministro Moura Ribeiro, no voto que foi acompanhado pelo colegiado, ressaltou que uma vez que não "foi prevista no contrato a possibilidade de o credor demandar indenização suplementar, deve mesmo prevalecer o limite imposto no ajuste".

A decisão do STJ torna ainda mais importante a avaliação e a decisão de impor ou aceitar a exigência de uma cláusula de limitação de responsabilidade em contratos, em especial de prestação de serviços. Há que se avaliar a probabilidade das hipóteses de perdas e danos, em especial quando a prestação de serviços em questão envolve riscos de acidentes ou multas vultosas de natureza regulatória, como na esfera ambiental, consumerista ou de proteção de dados pessoais. Nestes casos, as próprias leis contêm disposições que podem tornar nulas ou inaplicáveis as cláusulas que exonerem ou atenuem a responsabilidade de alguma parte.

A análise deve ser feita caso a caso e, em muitos contratos, é possível negociar essa limitação vis a vis os preços que serão cobrados pelos serviços. Contudo, tendo em vista principalmente os riscos regulatórios, é importante avaliar a eventual inserção de disposição contratual que expressamente exclua da limitação de responsabilidade os casos em que quaisquer perdas e danos devam ser integralmente e ilimitadamente reparados, como nos âmbitos mencionados no parágrafo anterior.

Luciana Guimarães Betenson

Luciana Guimarães Betenson

Advogada do Mendonça de Barros Advogados, especializada em contratos, direito do consumidor, direito regulatório, direito comercial, fusões e aquisições. Formou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) em 1993 e em 2016 capacitou-se como mediadora e conciliadora pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

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