Burocracia, competitividade e a Câmara de Promoção de Segurança Jurídica da AGU no ambiente de negócios
Criada em setembro de 2023, a CSJAM busca reduzir a burocracia e promover a segurança jurídica nos negócios, envolvendo órgãos públicos e representantes da sociedade civil.
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024
Atualizado em 21 de fevereiro de 2024 15:59
Em 15 de setembro de 2023 foi instituída a Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios (CSJAM) no âmbito da Advocacia-Geral da União (AGU), através da Portaria Normativa AGU 110/23.
A CSJAM é um colegiado criado pela AGU e tem como norte identificar situações de incerteza jurídica e propor soluções que incentivem os investimentos no país - pelo menos "no papel". Além de seu conselho Pleno, há dois comitês temáticos específicos, um para assuntos tributários e outro para aspectos regulatórios. A CSJAM conta com representantes da própria AGU e outros órgãos públicos, além de entidades da sociedade civil, dos segmentos empresariais e dos trabalhadores.
De acordo com a Portaria de instauração, uma das principais atribuições da Câmara é acabar com a burocracia excessiva no ambiente de negócios. É possível traduzir isso do que está disposto em seu art. 3º, principalmente quando indica a necessidade de articulação entre órgãos e entidades da administração para resolução de entraves ao desenvolvimento de negócios e ao empreendedorismo, justamente para aperfeiçoar o arcabouço institucional no ambiente de negócios.
Segundo estudo apontado pelo TCU1 ainda em 2018, e, evidentemente, não é nenhum segredo, o Brasil é um verdadeiro campeão de burocracia. Nesse mesmo raciocínio, o Banco Mundial realizou um estudo em 2021, o Doing Business Subnacional Brasil, a pedido da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil, com o patrocínio da Confederação Nacional de Bens, Comércio e Turismo - CNC, da Federação Brasileira de Bancos - Febraban e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae.
E qual foi sua conclusão? A burocracia trava avanço de negócios no Brasil...
Para o programa realizado pelo TCU, foi revelado 7 em cada 10 pessoas acreditam que a burocracia faz o governo gastar mais que o necessário, de acordo com o Ibope. Esses gastos além do necessário acabam por resultar em estímulo à corrupção, ao passo que gera desestímulo à criação de negócios, sendo considerado um dos principais entraves ao crescimento econômico do País.
Em sua obra Economia e Sociedade, Max Weber assim definiu a burocracia:
A forma mais racional de exercício de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor, confiabilidade, intensidade, extensibilidade dos serviços e aplicabilidade formalmente universal a todas as espécies de tarefas.
Contudo, a burocracia hoje, principalmente essa ainda "praticada" no Brasil, é vista como uma verdadeira barreira ao desenvolvimento e ao empreendedorismo.
Ano após ano e o Brasil ainda ocupa as últimas posições no Ranking Mundial de competitividade, conforme relatório produzido pelo International Institute for Managemente Development - IMD. De acordo com o último relatório, de 2023, o Brasil ocupa a 60ª posição, de 64 países analisados. Atrás do Brasil, apenas África do Sul, Mongólia, Argentina e Venezuela...
Essa pesquisa tem como principal função avaliar a eficiência nos negócios, o desempenho econômico, a infraestrutura e a eficiência do governo. E continuamos nas últimas posições...
Diante do resultado - que não muda ao passar dos anos - fica evidente que o Brasil precisa de muito mais do que uma Câmara de PROMOÇÃO da Segurança Jurídica. É necessário estabelecer um ambiente propício para o desenvolvimento e para o empreendedorismo.
Entre os achados da pesquisa do IMD, apontam-se como principais desafios a serem superados pelo país:
- a implementação de uma reforma tributária com capacidade de melhorar a competitividade;
- garantir uma nova âncora fiscal que equilibre a responsabilidade com as contas públicas e os desafios sociais;
- encorajar e atrair investimentos sustentáveis aliados a uma política ambiental;
- garantir acesso à educação pública de qualidade;
- reverter a estagnação da produção e estimular novos investimentos para promover a geração de empregos.
Entretanto, há que se olhar para o horizonte.
Nos últimos anos, uma série de iniciativas vêm sendo criadas para combater esse mal, na tentativa de se criar um ambiente de negócios mais próspero e eficiente. Destacam-se aqui outras medidas além da criação da CSJAM:
- O decreto 9.094/17, conhecido como Decreto da Boa-fé, regulamenta a Lei dos usuários dos serviços públicos da administração pública (lei 13.460/17), que adota a presunção de boa-fé para as relações entre administração e administrado;
- O Conselho Nacional para a Desburocratização - Brasil Eficiente, que monitora e desenvolve ações para tentar facilitar a vida das empresas e da população em geral;
- A Estratégia de Governança Digital - EGD, que tem como propósito orientar e integrar as iniciativas relativas à governança digital na administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo Federal, contribuindo para aumentar a efetividade da geração de benefícios para a sociedade brasileira por meio da expansão do acesso às informações governamentais, da melhoria dos serviços públicos digitais e da ampliação da participação social;
- A Lei de Liberdade Econômica (lei 13.874/19), que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador.
E nesse caminho é que também surge a CSJAM, ainda uma incógnita, mas um acréscimo nas intenções de modificar e melhorar o cenário brasileiro de negócios.
A CSJAM lançou ainda em novembro de 2023 uma consulta pública para receber sugestões feitas ao edital de transação em teses tributárias referentes ao Imposto Sobre a Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL da empresa investidora domiciliada no Brasil auferido através da sua investida no exterior.
Para se ter uma noção do montante em discussão, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN identificou mais de R$ 12 bilhões em discussão judicial pendente, sobre o tema do edital, ao passo que a Receita Federal estima cerca de R$ 54 bilhões pendentes da esfera administrativa.
Portanto, a instalação da CSJAM é consequência de uma tomada de decisão estratégica, que, aparentemente, tem como finalidade prevenir e reduzir a litigiosidade, facilitar a articulação entre órgãos e entidades para identificar situações de incerteza jurídica, formular diagnósticos, mapear desafios regulatórios e administrativos, além de possibilitar a discussão de propostas de atos normativos. Tudo isso em favor de um ambiente de negócios mais eficiente.
Contudo, sua atuação não deve se manter restrita à "recuperação de crédito" aos cofres públicos, como demonstra já em seu primeiro - e significativo - ato.
Como dito anteriormente, o país tem iniciativas nos anos recentes que são muito promissoras. No papel.
É necessário que a CSJAM desenvolva um trabalho realmente de vanguarda e discuta de forma séria e aprofundada sobre o ambiente de negócios brasileiro. A capacidade de desenvolvimento de negócios do país é imensa e não pode seguir travada a históricas burocracias. Mais do que nunca é urgente a mudança. E qualquer iniciativa nesse sentido deve ser realizada de maneira profissional.
Essa primeira iniciativa deixa evidente um dos gargalos que precisam ser estancados: a questão da Administração Pública Tributária. Mas é importante frisar que o foco não deve ser a recuperação de valores, apenas, mas entender quais as dificuldades iniciais do contribuinte empresário quando se trata da complexa tributação brasileira. Não à toa, foi apontada pelo IMD a necessidade de implementação de uma reforma tributária com capacidade de melhorar a competitividade.
Ou seja, a discussão deve seguir o problema à raiz. Só assim o país poderá criar a cultura de um empreendedorismo forte e competitivo a longo prazo.
Há a ressalva de que "os trabalhos apenas começaram", é claro. Mas a desconfiança ainda prevalece, quando se trata de apresentar propostas salvadoras e mirabolantes.
Enquanto isso, aguarda-se a publicação de outros editais, inclusive para discussão de pautas relevantes no Conselho de Administração de Recursos Fiscais - CARF e grandes teses jurídicas em debate no judiciário. Mas, mais uma vez, ressalta-se: uma das atribuições da CSJAM é justamente PREVENIR e reduzir a litigiosidade. Não adianta lançar editais de negociação, como é feito há anos, praticamente anualmente, se o problema inicial de pagamento e contribuição não for debatido.
Por que as empresas têm dificuldade em pagar tributos?
As dívidas advêm apenas dos tributos?
Quantas obrigações acessórias as empresas precisam cumprir?
Quanto é gasto pelas empresas apenas para cumprimento de excessivas regras burocrático-tributárias?!
Essas perguntas são apenas uma ponta do problema, que deve ser enfrentado de forma séria e comprometida, para fazer valer o texto da lei.
Para finalizar essa reflexão, referencia-se o estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação - IBPT, o qual revela que o brasileiro teve que trabalhar 147 dias em 2023, apenas para pagar impostos. Outro dado relevante desse levantamento é que 40,28% do rendimento médio do brasileiro é destinado para tributação - especialmente sobre renda, patrimônio e consumo. E a sensação de retorno à sociedade, inquestionavelmente, é inexistente.
Apesar de ser uma referência para pessoas físicas, o dado fica ainda mais relevante quando se apresenta o número de Microempreendedores Individuais - MEIs no país. Em 2023, eram cerca de 13,2 milhões de MEIs, que representam 70% das empresas do país. Sendo que os microeemprendedores representam quase 20% do total de trabalhadores formais.
Em conclusão, tudo isso deve ser debatido sóbria e abertamente na Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios no âmbito da Advocacia-Geral da União, para que as causas e consequências dos atos de desmedida burocracia perpetuados no tempo sejam revelados e soluções para o Ambiente de Negócios sejam realmente apresentadas. Caso contrário, pelo breve rol de propostas apresentado até então, a Câmara funcionará como mais um balcão de negociação, e não de Negócios.
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Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Estratégia de Governança Digital da Administração Pública Federal 2016- 19 / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Tecnologia da Informação. -- Brasília: MP, 2016.
____. Estatísticas dos Cadastros de Microempreendedores Individuais: 2021 / IBGE, Coordenação de Cadastros e Classificações. - Rio de Janeiro: IBGE, 2023. https://sejarelevante.fdc.org.br/ranking-de-competitividade-do-imd/ acesso em 12/02/2024
https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/brasil-campeao-de-burocracia.htm acesso em 12/02/2024
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/06/19/brasil-cai-para-60-posicao-em-ranking-mundial-de-competitividade.htm?cmpid acesso em 12/02/2024
https://einvestidor.estadao.com.br/ultimas/ibpt-quantos-dias-trabalho-pagar-impostos/#:~:text=O%20Instituto%20Brasileiro%20de%20Planejamento,impostos%20ao%20longo%20do%20ano. acesso em 12/02/2024
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/empreendedorismo/38014-estatisticas-dos-cadastros-de-microempreendedores-individuais.html acesso em 12/02/2024
https://www.gov.br/agu/pt-br/assuntos-1/camara-de-promocao-de-seguranca-juridica-no-ambiente-de-negocios#:~:text=A%20C%C3%A2mara%20de%20Promo%C3%A7%C3%A3o%20de,incentivem%20os%20investimentos%20no%20pa%C3%ADs. acesso em 12/02/2024
WEBER, M. Economia e Sociedade. Fundo de Cultura Econômica, México, 1969.
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1 https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/brasil-campeao-de-burocracia.htm
Matheus Corrêa de Melo
Matheus Corrêa de Melo é advogado associado de nosso escritório. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, o profissional foi graduado em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB). Atualmente, é membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF. Matheus Corrêa de Melo também foi-membro da Comissão de Empreendedorismo Jurídico da OAB/DF.