NLLC: inexequibilidade de produto/serviço - De conceito indeterminado a conceito determinado
A Lei de Licitações define 75% como percentual presumidamente inexequível para obras e serviços de engenharia, mas o tema ganha destaque para serviços e produtos não contemplados na lei anterior.
terça-feira, 20 de fevereiro de 2024
Atualizado às 16:05
A inexequibilidade fora do âmbito das obras e serviços de engenharia já foi um conceito jurídico indeterminado. Aliás, no próprio âmbito das obras era (e ainda é) um conceito sutilmente determinado já que o percentual previsto como inexequível sempre foi interpretado como uma "presunção relativa" sujeita a demonstração por parte do licitante quanto à sua exequibilidade.
Na atual Lei de Licitações há previsão do percentual de 75% do valor estimado como presumidamente inexequível para obras e serviços de engenharia.
A grande relevância do tema, porém, encontra-se no âmbito dos serviços e produtos que NÃO TINHAM previsão na revogada lei mas que TEM previsão na lei Federal 14.133/21, ainda que de forma procedimental e não de forma quantitativa ou numérica.
A inexequibilidade transformou-se na NLLC num critério de julgamento desde que precedido de oportunidade de demonstração da exequibilidade por parte do licitante que teria apresentado proposta inexequível.
A inexequibilidade é indicada em 3 oportunidades na NLLC:
- No artigo 11, III prevendo que um dos objetivos da licitação é evitar preços fora do mercado, seja por sobrepreço, superfaturamento ou inexequibilidade;
- Novamente no artigo 59, III na defesa da compatibilidade com os preços de mercado e;
- No artigo 59, IV como técnica de julgamento da proposta, desde que precedida de oportunidade de manifestação do licitante que a ofertou.
Já tivemos oportunidade de manifestarmo-nos1 sobre a inversão do risco qualitativo imputando ao licitante de honestidade duvidosa os riscos pela entrega de produto de qualidade inferior ao estabelecido na licitação.
Outro mecanismo semelhante à inversão do risco qualitativo da matriz de riscos é a exigência de prova da exequibilidade pela administração pública como critério de julgamento.
Pedimos licença para nomear tal procedimento como julgamento qualitativo indireto ou inexequibilidade procedimental pois obriga o licitante a demonstrar a exequibilidade de sua proposta.
Prova da exequibilidade
Rigorosamente há previsão expressa no artigo 59, IV da NLLC de que tal prova é um critério de julgamento.
Apenas por cautela, recomenda-se a inclusão de tal previsão de forma expressa e escancarada no edital já que é uma grande modificação ocorrida na NLLC. A recomendação tem natureza mais pedagógica aos licitantes do que jurídica.
Também por cautela, recomenda-se colocar no edital a obviedade ululante de que a demonstração da exequibilidade deve ser feita de forma analítica em planilhas que indiquem, por itens, cada componente do custo, respectivos valores e quantitativos.
A indicação genérica sem referida pormenorização, é indicativo forte e contundente de inexequibilidade ou, no mínimo, da falta de profissionalismo elementar por parte do licitante. Se não for inexequível pelo conteúdo da proposta será inexequível por insuficiência de desempenho empresarial básico.
A falta de profissionalismo do licitante sem a indicação pormenorizada e planilhada demonstrará somente a indigência corporativa e forte indício da presença de licitante adepto da "corrupção de baixo meretrício". Tal corrupção consiste em ofertar proposta inexequível contando com a "colaboração" de servidores que farão medições e fiscalizações que aceitarão quaisquer quantitativos e qualitativos. O lucro das medições de cegueira deliberada será dividido entre licitante corrupto e servidor corrompido.
Daí a relevância da declaração de inexequibilidade de produtos e serviços: é um instrumento de moralização do serviço público já que o produto/serviço exequível não criará no licitante a "necessidade" de corrupção para cumprimento da oferta vencedora.
Sobre conceitos jurídicos indeterminados vale apenas abeberarmo-nos das lições do jurista Genaro Carrió2 sobre "zona de penumbra" e "zona de luz". O conceito de inexequibilidade encontrava-se na "zona de penumbra" e a maneira encontrada pelo sistema jurídico foi iluminá-lo pelo procedimento de julgamento precedido da oportunidade de prova da exequibilidade pelo licitante.
A prova da exequibilidade é uma técnica de julgamento em consonância com a regra do preço "substancialmente" menor, ou seja, o preço real com a quantificação do ciclo de vida do produto ou a qualidade básica do serviço.
A administração pública não tem um mecanismo inequívoco para demonstração da compatibilidade com o mercado. Pesquisas de preços e tabelas setoriais servem de parâmetro, ainda que sejam insuficientes.
A analogia dos produtos e serviços com o percentual de 75% para obras e serviços de engenharia também serve de parâmetro.
Seja qual for o parâmetro utilizado, a inexequibilidade será sempre um conceito jurídico indeterminado já que é um conceito do mercado num momento específico e não um conceito jurídico propriamente dito. O conceito é dinâmico e não estático e aí reside a dificuldade de sua quantificação permanente.
Assimetria de informações
A NLLC utiliza mecanismos procedimentais de aferição dos preços de mercado já que admite a insuficiência dos mecanismos existentes.
A assimetria de informações é um pressuposto da NLLC. A assimetria de informações do novo códex licitatório admite não só a assimetria como também a superioridade das empresas privadas nesse aspecto.
Por tal motivo é que a NLLC previu o "diálogo competitivo" assumindo que o Poder Público tem insuficiência de informações e que o setor privado dispõe de tais informações com elevada supremacia. Pelos mesmos motivos criou a ausência de prova da exequibilidade como critério de julgamento.
Um dos mecanismos para aferição procedimental do preço de mercado é a regra do art. 75,§3º. Ainda que se trate de uma dispensa de licitação a manifestação de interesse força a compatibilização com os preços de mercado pela oportunidade de ofertas mais vantajosas ao Poder Público.
Outra forma procedimental de aferição do preço substancialmente menor (e não nominalmente menor) é a demonstração da exequibilidade pela simples suspeita pelo poder Público de inexequibilidade do preço ofertado.
A presunção é a de que apenas empresas idôneas e minimante organizadas participam do processo licitatório. A empresa "laranja" terá maiores dificuldades para a apresentação de planilhas detalhadas já que que ela não é exatamente uma empresa mas uma comparsa com CNPJ a serviço de uma empresa corruptora.
Outro mecanismo necessário para a garantia da exequibilidade/inexequibilidade é que a prova da exequibilidade pelo licitante vencedor esteja disponível na plataforma eletrônica para que os demais licitantes possam, na fase de recursal, demonstrar eventuais equívocos nessa demonstração e reverter a decisão da administração pública.
Assim, a exigência da prova da exequibilidade é um mecanismo de julgamento criado com a finalidade de prestigiar o preço substancialmente menor em produtos e serviços em detrimento do preço nominalmente menor, subproduto da corrupção de baixo meretrício que ainda sobrevive e resiste no seio da administração pública.
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1 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jan-17/nova-lei-de-licitacoes-matriz-de-riscos-e-a-inversao-do-risco-qualitativo
2 Notas sobre Derecho y Lenguaje, ed. Abeledo Perrot, 2006, passim