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O CNJ, a administração dos Tribunais de Justiça e a prestação jurisdicional

O texto aborda como o CNJ vem impactando na eficiência da prestação jurisdicional, especialmente quando os Tribunais de Justiça implementam, com êxito, as ações recomendadas pelo Conselho.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Atualizado em 21 de fevereiro de 2024 13:47

O CNJ foi concebido pela Emenda Constitucional 45/04, como um órgão de controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário. Sua criação teve o objetivo de promover a eficiência, a transparência e a uniformidade de procedimentos no âmbito judicial. Além disso, o CNJ deverá atuar na fiscalização e no aprimoramento do sistema judiciário brasileiro.

Desde sua criação, o CNJ vem impactando diversas áreas do direito brasileiro de maneira antes não imaginada. No âmbito do direito civil, um dos exemplos mais significativos disso é a Resolução CNJ 175, de 14 de maio de 2013 , que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo. Essa resolução estabeleceu o reconhecimento e a regulamentação do casamento entre pessoas do mesmo sexo no país.

Sabe-se que o tema sempre foi controvertido, não apenas no Brasil; e diversos países somente conseguiram regulamentar o casamento de pessoas do mesmo sexo pela via judicial, ante a inércia do Poder Legislativo em fazê-lo. Mas a forma como se deu tal o avanço no Direito Civil Brasileiro - evolução de importância histórica e social - é bastante peculiar, pois ocorreu a partir da iniciativa do CNJ, órgão administrativo. 

No âmbito do direito processual, o CNJ, por meio de suas resoluções, instruções normativas e recomendações, vem provocando relevantes impactos na prestação jurisdicional. O tema não passou desapercebido e foi, inclusive, tratado por um dos maiores processualistas brasileiro. Na obra O Conselho Nacional de Justiça e o Direito Processual, Fredie Didier e Leandro Fernandes  discorrem acerca do quão importante é o papel do CNJ como ator do sistema brasileiro de justiça, com foco especial na sua relação com o Direito Processual.

Na esfera do Processo Civil, talvez a mais significativa atuação do CNJ tenha sido a materializada pela Resolução CNJ 125, de 20 de novembro de 2010 , que instituiu a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses e inaugurou no sistema jurídico brasileiro a cultura da busca de solução consensual de conflitos, alterando totalmente o paradigma vigente, como se vê consagrado no artigo art. 3º, § 2º, do CPC. 

Também é digno de destaque o esforço do CNJ no combate às violações dos Direitos Humanos no sistema carcerário brasileiro. Por meio de vários levantamentos e diagnósticos, o CNJ tem apontado possíveis melhorias e, sobretudo, tem buscado um maior comprometimento e atuação do Poder Judiciário em relação a um problema que, até há pouco tempo, era visto como exclusivo do Poder Executivo. 

Os Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário - GMF, criados com a edição da Resolução CNJ 214, de 15 de dezembro de 2015 , vêm promovendo o fortalecimento de políticas para enfrentamento dos problemas há muito conhecidos, mas relegados a segundo plano.

Mas é na esfera da eficácia administrativa dos Tribunais de Justiça que o CNJ vem atuando com mais ênfase e, embora as ações sejam fomentadas pelo órgão para a área administrativa dos tribunais, é no âmbito da prestação jurisdicional que se verifica os maiores avanços e melhores resultados obtidos. Houve uma verdadeira mudança de paradigma na atuação dos administradores de Tribunais de Justiça e isso reflete de maneira contundente na prestação jurisdicional, como passaremos a expor. 

Há algum tempo, a administração dos tribunais de justiça se resumia ao gerenciamento do orçamento, à gestão de pessoas e à implementação de alguns avanços tecnológicos. A maioria dos presidentes de tribunais assumia sem sequer possuir um plano de trabalho organizado e definido. As corregedorias de justiça se limitavam quase sempre a receber reclamações, investigar e punir, quando necessário. Poucas mudanças ocorriam ao longo de cada gestão, ou, em alguns casos, se verificavam câmbios repentinos, que rompiam com o mínimo de planejamento iniciado na gestão pretérita.

Contudo, o CNJ passou a dispor sobre a estratégia nacional do Poder Judiciário para o sexênio seguinte. Uma vez fixados os macrodesafios, a partir de consultas públicas e trabalhos desenvolvidos no âmbito do Comitê Gestor Nacional da Rede de Governança Colaborativa, se estabelece o monitoramento e a avaliação de indicadores de desempenho. Desta maneira, os órgãos do Poder Judiciário devem aliar seus respectivos planos estratégicos à Estratégia Nacional. Atualmente a Resolução CNJ 325, de 29 de junho de 2020, trata do período referente a 2021-2026 .

Outro ponto relevante refere-se à estrutura organizacional dos Tribunais de Justiça estaduais, a qual permanecia inerte por anos, tornando-se obsoleta em razão das mudanças demográficas naturais, que resultam no crescimento de algumas cidades e até desaparecimento de outras. A consequência disso era a má distribuição da força de trabalho, com juízes e servidores assoberbados de trabalho em algumas unidades judiciais, e a baixa demanda processual em outras.

A partir da Resolução CNJ 184, de 6 de dezembro de 2013 , foram estabelecidos critérios objetivos para criação de cargos, funções e unidades judiciárias no âmbito do Poder Judiciário, evitando o descompasso entre o tamanho da estrutura organizacional e sua efetiva necessidade para a prestação jurisdicional.

Referida resolução passou a permitir as alterações internas, estabelecendo diretrizes para a organização e a estruturação do Judiciário, visando a adequação da força de trabalho às necessidades do sistema judicial, sempre com foco na eficiência. 

A Resolução CNJ 184/13 já determinava que os Tribunais de Justiça deveriam adotar providências para extinção, transformação ou transferência de unidades judiciárias e/ou comarcas para maior equilíbrio na força de trabalho, mas, a partir da redação dada pela Resolução CNJ 385, de 6 de abril de 2021, os tribunais também foram autorizados a adotar as mesmas providências para a conversão de unidades em Núcleos de Justiça 4.0, estes previstos na Resolução CNJ 385, de 6 de abril de 2021 . 

A permissão referente à instalação dos Núcleos de Justiça 4.0, aliada ao juízo 100% digital, previsto na Resolução CNJ 345, de 9 de outubro de 2020 , e somada às equipes de trabalho remoto, possibilitam a maior utilização da tecnologia disponível, além da contínua adequação da organização judiciária, segundo a efetiva demanda.

A criação dos postos avançados, por meio da Resolução CNJ 184/13, e, mais recentemente, dos Pontos de Inclusão Digital , em locais que não são sede do Poder Judiciário, além da justiça itinerante , representam um enorme passo para o acesso à justiça, sem elevação de custos, além de serem ações alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS 16 e 17, de maneira a integrar o Judiciário com outros parceiros na busca por mais igualdade, justiça e instituições eficazes.

Mais recentemente o CNJ inaugurou a disseminação da linguagem simples, por meio do Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, como mais uma importante ferramenta para a inclusão e acesso à justiça. Espera-se que, a partir da adesão dos Tribunais de Justiça de todo o país, ocorra o acesso efetivo dos cidadãos aos serviços públicos prestados pelo Poder Judiciário e o pleno entendimento de seus direitos e deveres.

Por fim, o prêmio CNJ de qualidade, que vem sendo aperfeiçoado ao longo dos anos, representa um importante incentivo para o aprimoramento do Poder Judiciário, pois todos os Tribunais de Justiça se empenham para alcançar as metas e os diversos itens de premiação que integram os quatro eixos principais do concurso: governança; produtividade; transparência; dados e tecnologia.

A cada ano os Tribunais de Justiça buscam obter melhor avaliação no referido prêmio, atingindo índices mais elevados em cada item computado e isso eleva significativamente a qualidade da prestação jurisdicional. 

Por todas essas razões, pode-se concluir que o CNJ superou, em grande medida, o objetivo para o qual foi criado, uma vez que sua atuação tem gerado resultados muito além daqueles esperados inicialmente, representando, assim, uma verdadeira revolução na prática administrativa dos Tribunais de Justiça e impactando positivamente na prestação jurisdicional.

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1 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1754. Acessado em 15.2.2024.

2 Didier Jr. Fredie. O Conselho Nacional de Justiça e o Direito Processual - Administração Judiciária. Boas práticas e Competência Normativa. 2 ed. rev. Atual. E ampl. - São Paulo. Editora JusPodiuvm. 2023.

3 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 125, de 20 de novembro de 2010. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156. Acessado em 15.02.2024.

4 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 214, de 15 de dezembro de 2015. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2237. Acessado em 15.02.2024.

5 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 325, de 29 de junho de 2020. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3365. Acessado em 15.02.2024.

6 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 184, de 6 de dezembro de 2013. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1917. Acessado em 15.02.2024.

7 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 385, de 6 de abril de 2021. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3843. Acessado em 15.02.2024.

8 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 345, de 9 de outubro de 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3512#:~:text=O%20%E2%80%9CJu%C3%ADzo%20100%25%20Digital%E2%80%9D%20dever%C3%A1%20prestar%20atendimento%20remoto%20durante,a%20ser%20definidos%20pelo%20tribunal. Acessado em 15.02.2024

9 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 508, de 22 de junho de 2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5166. Acessado em 15.02.2024.

10 Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 406, de 6 de maio de 2022. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4575. Acessado em 15.02.2024.

Carlos Alberto França

Carlos Alberto França

Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás nos biênios 2021/2023 e 2023/2025 e Presidente do CONSEPRE no período entre 2023 e 2025.

Sirlei Martins da Costa

Sirlei Martins da Costa

Juíza Substituta em 2º Grau. Atuou como Juíza Auxiliar da presidência do TJGO entre 2019 e 2023.

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