A gravação clandestina e a validade da prova
Trata-se de produção probatória voluntária lícita, uma vez que é oriunda de legítima defesa de um dos envolvidos no diálogo.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024
Atualizado em 20 de fevereiro de 2024 14:20
A gravação clandestina pode ser objetivamente compreendida como aquela feita de forma voluntária, por um dos interlocutores, sem a participação dos órgãos de persecução criminal, cujo propósito se destina à formação de material probatório que poderá ser utilizado para fins de autodefesa ou de instrução de investigação criminal. Trata-se, portanto, de produção probatória voluntária lícita, uma vez que é oriunda de legítima defesa de um dos envolvidos no diálogo:
"Na colisão de interesses, o uso de captações clandestinas se justifica sempre que o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e à imagem do autor de crime, utilizando-se da legítima defesa probatória, a fim de se garantir a licitude da prova." (HC 812.310/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/11/23, DJe de 28/11/23.)
Como afirmado, a gravação clandestina se destina à autodefesa ou à legítima defesa probatória. Isso quer dizer que essa prova não poderá ser utilizada para outro fim, pois o artigo 5º, X, da Constituição Federal considera ilícita a prova produzida com violações a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Isto é, a partir do momento em que a gravação clandestina é desvirtuada da autodefesa ou da legítima defesa probatória, haverá ofensa direta ao referido dispositivo constitucional, o que implicará na nulidade da prova obtida através de gravação clandestina. Confira o teor dessa garantia constitucional:
"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"
Vale destacar que a gravação clandestina poderá ser realizada por terceiro previamente autorizado por um dos interlocutores ou pelo representante legal de uma das partes envolvidas no diálogo, pois a legítima defesa probatória também poderá ser exercida sobre direito de outrem, conforme expressamente previsto no artigo 25 do Código Penal:
"Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem."
No julgamento do AgRg no HC 849.543/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/12/23, DJe de 15/12/23 foi declarada lícita a prova produzida pelo representante legal de menor vítima de crime sexual praticado pelo próprio genitor, uma vez que visou amparar a instrução de investigação criminal dos crimes sexuais praticados contra a menor:
"No caso, a prova produzida pela avó (genitora da madrasta) da vítima de crime sexual praticado pelo próprio pai - consistente em gravação audiovisual ambiental -, é lícita, pois visou amparar os elementos indiciários de prova dos estupros, em tese, consumados contra a menor."
Em outro caso analisado pelo STJ, em que se julgou habeas corpus impetrado contra procedimento investigatório criminal instaurado pelo Ministério Público para apurar eventual conduta ilícita praticada por advogado que gravou o depoimento prestado por seu constituinte de forma clandestina, o colegiado entendeu que esse tipo de gravação é licita, afigurando-se desproporcial e ilegal a instauração de persecução criminal para esse fim, o que levou à anulação de todas as provas produzidas a partir da instauração do procedimento investigatório criminal:
"A realização da gravação, nas circunstâncias em que levada a efeito - em oitiva formal de assistido seu, oficial e notoriamente registrada em sistema audiovisual pela autoridade administrativa responsável pelo ato - não se confunde com a escuta ambiental indevida e é legalmente permitida, independentemente de prévia autorização da autoridade incumbida da presidência do ato, nos explícitos termos do art. 387, § 6º, do CPC, diploma jurídico de aplicação supletiva aos procedimentos administrativos em geral.
Adequação típica alvitrada pelo Ministério Público como justificativa para a instauração do procedimento investigativo carente de mínima plausibilidade, afigurando-se insuficiência de justa causa à persecução. Consequente decisão judicial de busca e apreensão fulminada pela nulidade por desdobramento (fruits of the poisonous tree)." (HC 662.690/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 17/5/22, DJe de 19/5/22)
Recentemente, na analise do AgRg no RHC 150.343/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 15/8/23, DJe de 30/8/23, onde houve alteração de entendimento sobre a possibilidade de participação do Ministério Público nos atos prepatatórios à gravação clandestina, por maioria de votos, o colegiado reputou nulas as captações ambientais realizadas com auxílio do órgão de acusação, pois deliberou-se que a gravação clandestina só tem validade quando produzida sem o prévio conhecimento dos órgãos de persecução criminal. Confira trechos do voto vencedor:
"(...) Não estamos mais diante de uma conversa privada em que um dos interlocutores toma a iniciativa de gravar a conversa para eventual ação futura. Estamos diante de uma conversa entre particulares, gravada por iniciativa de um dos interlocutores, mas com orientação e acompanhamento direto do órgão de investigação estatal. São situações bem distintas.
Quando o Ministério Público fornece equipamento, entra, indubitavelmente, em contato com o agente particular, aproximando-o da figura de um agente colaborador ou de um agente infiltrado e, consequentemente, de suas restrições. Insisto: difícil crer que, em situações assim, o Ministério Público não oriente o interlocutor a como conduzir a conversa quanto às quais as informações seriam necessárias e relevantes, limitando-se apenas a fornecer o equipamento necessário para a gravação.
(...) No caso concreto, considerando a efetiva e reconhecida participação do órgão de persecução estatal na obtenção da prova aqui questionada sem prévia autorização judicial, entendo como ilegal a gravação obtida e, por isso, deve ser excluída, bem como todas as provas derivadas."
Portanto, de acordo com o entendimento do STJ, a gravação clandestina será válida quando estiverem presentes os seguintes requisitos: a) voluntariedade de um dos interlocutores; b) ausência de participação dos órgaões de persecução criminal; c) destina à autodefesa ou à legítima defesa probatória.
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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
HC n. 812.310/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023.
AgRg no HC n. 849.543/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 15/12/2023.
HC n. 662.690/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 19/5/2022.
AgRg no RHC n. 150.343/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 15/8/2023, DJe de 30/8/2023.
Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.