A responsabilidade do Poder Judiciário no combate ao abandono paterno: mudança de mentalidade e amparo ao pai presente
O Judiciário deve adaptar-se ao novo perfil paterno, atuando para facilitar, e não obstruir, o vínculo afetivo e educacional com os filhos.
terça-feira, 20 de fevereiro de 2024
Atualizado em 6 de março de 2024 08:12
A instituição familiar sofreu marcantes transformações nas últimas décadas. Hodiernamente, a figura paterna emerge no Direito de Família não apenas como sustentáculo financeiro, mas como protagonista ativo no ambiente de desenvolvimento da criança. Diante dessa evolução social, é imprescindível que o judiciário reestruture seus paradigmas e abordagens frente aos pais que efetivamente desejam cumprir seu papel na educação e formação dos filhos.
O cerne do abandono paterno transita, predominante, pela ausência afetiva e pelo descumprimento das obrigações alimentares. Habitualmente, o sistema judicial lida com inúmeros casos de pais relapsos que rechaçam o dever de assistir materialmente a seus descendentes. Ao recepcionar um pai diligente e comprometido, porém, o judiciário defronta-se com um cenário ao qual não costuma estar tão aclimatado.
Quando um genitor postula a ampliação das visitas, a implementação da custódia compartilhada ou alternada, almejando uma participação efetiva na vida do filho, é imperioso que o judiciário atue não como um obstáculo, mas como facilitador desse vínculo. Negligenciar um pedido desta índole, sobretudo quando desprovido de justificativas válidas, é negar à criança a chance de uma convivência fraterna e construtiva.
A realidade mostra que, frequentemente, o judiciário subsidia, mesmo que inadvertidamente, o afastamento paterno, capitulando diante de alegações infundadas que visam à alienação parental, sem a devida investigação ou consideração das consequências psicoemocionais a longo prazo. As implicações da alienação parental são graves e de difícil reversão, impactando severamente na formação e na estabilidade emocional do menor.
É tempo de responsabilizar, ainda que moralmente, o judiciário pela negligência em casos onde o abandono afetivo é instigado não pela omissão do pai, mas pela intransigência do sistema em reconhecer os esforços desse genitor. Há de se considerar a reparação dos danos causados ao vínculo parental, quando a obstrução parte de uma autoridade investida no poder de proteger e fomentar relações familiares saudáveis.
O apelo é por uma prestação jurisdicional que contextualize cada realidade, que distinga o inadimplente do impedido. As soluções paliativas e homogêneas não mais se coadunam às demandas contemporâneas. A justiça deve ser efetivamente justa, equilibrada e, principalmente, capacitada a identificar casos distintos, promovendo a presença paterna quando assim é requerido.
A responsabilização passa, pois, pela autoanálise judicial, pelo acolhimento de novos perfis parentais e pela valorização do interesse do menor. Afinal, a criança privada da figura paterna, em razão de embaraços judiciais injustificados, será uma adulta carente dos pilares construídos a partir da convivência equilibrada com ambos os progenitores.
O desafio é complexo, mas a solução é clara: reformular as práticas e reconhecer que o pai que luta pelo direito de estar presente merece mais do que o dever de pagar - merece o direito de participar. A família, como núcleo essencial da sociedade, e os menores, como nosso bem maior, apelam por essa evolução. A saída? Uma mudança de mentalidade, respaldada na sensibilidade e na modernização de estruturas conceituais que outrora serviram ao seu tempo, mas que não mais refletem a dinâmica atual das relações familiares.
Catiucia A. Hessler Hönnicke
Advogada, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas/RS, especializada em Direito de Família e Direito Empresarial. Mestre pela Universidade Florida da Espanha, Palestrante. Membra do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), sócia-fundadora do escritório Hönnicke/Advogados.