Plano de saúde pode cancelar o contrato sem justificativa?
Imagine que você, beneficiário de um plano de saúde coletivo, apesar de cumprir suas obrigações mantendo as mensalidades em dia, é surpreendido com um e-mail do plano de saúde informando que o contrato será cancelado. Essa atitude é correta, o que fazer? Não! vamos entender com calma.
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024
Atualizado em 9 de fevereiro de 2024 14:51
Introdução
Ao analisar a postura de diversas operadoras de planos de saúde, nota-se que a tentativa de cancelar o contrato unilateralmente é uma queixa cada vez mais frequente por parte dos consumidores.
Esse tipo de rescisão almejada pelas administradoras de plano de saúde, por não ser acompanhada de qualquer justificativa, causa enorme surpresa nos beneficiários que estão arcando mensalmente com suas obrigações contratuais, com o adimplemento regular da mensalidade.
O motivo das rescisões, segundo as próprias operadoras, é a ausência de conveniência da manutenção do contrato, sob a alegação de que se trata de uma prerrogativa prevista em lei, o que acaba colocando milhares de consumidores em situação extremamente desvantajosa, uma vez que são obrigados a migrarem para outras operadoras e celebrarem novos contratos, tendo que desembolsar valores muito superiores.
Feitas essas considerações, indaga-se, de fato, as operadoras dos planos de saúde possuem a prerrogativa de rescindir o contrato unilateralmente, sem qualquer fundamentação? Como se verá adiante, a resposta é que na grande maioria dos casos a rescisão será abusiva, uma vez que essa possibilidade é restringida tanto pelas normas regulamentadoras do setor, como pela jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.
A lei 9.656/98 (lei dos planos de saúde) permite a rescisão unilateral e injustificada do plano de saúde?
O art. 16, VII, da lei 9.656/98 prevê que existem três modalidades de planos de saúde sendo elas as seguintes: a) individual ou familiar; b) coletivo empresarial e c) coletivo por adesão.
Em relação aos planos individuais e familiares, o art. 13 da lei 9.656/98 proíbe a rescisão unilateral imotivada do plano privado de assistência à saúde individual ou familiar por iniciativa da operadora. Nessa modalidade, a rescisão somente pode se dar por fraude ou falta de pagamento.
No tocante aos planos coletivos, a operadora pode fazer a rescisão unilateral e imotivada do contrato coletivo se cumpridos três requisitos a) o contrato contenha cláusula expressa prevendo a possibilidade de rescisão unilateral; b) o contrato esteja em vigência por período de pelo menos 12 meses; c) haja a prévia notificação da rescisão com antecedência mínima de 60 dias. Esses requisitos estão previstos no art. 17 da Resolução Normativa DC/ANS 195/09.
Até aí tudo bem, o problema é que alguns planos coletivos, devido a ínfima quantidade de vidas, na prática possuem as mesmas vulnerabilidades dos planos de saúde individuais e familiares, devido ao reduzido poder de negociação com a operadora dos planos. Esses planos são chamados de "falsos coletivos", notadamente por possuírem menos de 30 usuários.
Com base nisso, a jurisprudência consolidou o entendimento de que nos contratos coletivos de plano de saúde com menos de 30 usuários, devido a semelhança com os planos individuais ou familiares, não pode haver a rescisão unilateral injustificada.
Tal premissa é baseada na incidência do código de defesa do consumidor nessas relações, obrigando a operadora a apresentar uma justificativa idônea para validar a rescisão unilateral, justamente devido ao escasso poder de barganha dos estipulantes, o que os coloca em situação de vulnerabilidade parecida com a das pessoas que possuem planos individuais ou familiares.
Recapitulando, até aqui, podemos afirmar categoricamente que a rescisão unilateral imotivada, por iniciativa da operadora, de planos de saúde individuais, familiares e coletivos com menos de 30 (trinta) usuários é proibida e constituirá prática abusiva.
Já os planos de saúde coletivos com mais de 30 usuários podem ser objeto de rescisão unilateral, desde que, preenchidos os requisitos acima indicados, o beneficiário não esteja no meio de um tratamento médico contínuo e essencial para assegurar sua sobrevivência ou a preservar sua incolumidade física e/ou psíquica.
Nesse contexto, podemos finalmente responder à pergunta acima, fornecendo a seguinte resposta: apenas os planos de saúde coletivos com quantidade igual ou superior a 30 beneficiários poderão ser rescindidos unilateralmente e imotivadamente pela operadora desde que o paciente não esteja no meio de um tratamento e cumpridos três requisitos: 1- o contrato contenha cláusula expressa prevendo a possibilidade de rescisão unilateral; 2 - o contrato esteja em vigência por período de pelo menos 12 meses; 3 - haja a prévia notificação da rescisão com antecedência mínima de 60 dias.
Isso coloca uma pá de cal no intuito das administradoras de aumentar seus lucros rescindindo os contratos coletivos mais onerosos, pois são justamente os que possuem poucos usuários e contam com usuários realizando tratamentos médicos contínuos.
Na prática, as operadoras de planos de saúde respeitam essas restrições?
Aqui está o grande problema, pois os planos de saúde continuam cancelando contratos somente pelo fato de serem coletivos, o que incluem os que possuem menos de 30 usuários (falsos coletivos) e aqueles nos quais os beneficiários estão no meio de tratamentos contínuos, o que, como já visto, mostra-se abusivo.
Uma das administradoras que vem promovendo de maneira massiva políticas de rescisão unilateral como essa é a "Unimed" que cancelou recentemente cerca de 2.484 contratos, atingindo aproximadamente 7.633 beneficiários que se encontram vinculados aos contratos cancelados, conforme estimado pela própria empresa, que justifica que a medida se dá em razão da busca pelo equilíbrio econômico-financeiro e atuarial da empresa, sustentando que os cancelamentos realizados restringiram-se a contratos coletivos empresariais e por adesão e não atinge contratos individuais, mas sem respeitar as restrições jurisprudenciais. Confira o teor do e-mail enviado pela Unimed aos contratantes de planos coletivos, informando a rescisão unilateral:
"Ref.: Rescisão do instrumento de comercialização
Prezado Sr(a),
A Unimed Nacional valoriza a transparência em todas as suas relações.
Comunicamos, portanto, a rescisão do plano de saúde celebrado com a sua empresa, encerrando a vigência do seu plano o dia 1/julho/23. Todos os valores pendentes devem ser pagos até a data de término do contrato, incluindo faturas que ainda serão emitidas em virtude de serviços médicos prestados aos seus clientes.
O contrato firmado com a Unimed Nacional, ao qual seu plano de saúde está vinculado, prevê a possibilidade de rescisão, e assegura prévia informação, com antecedência de 60 dias para o encerramento das coberturas contratuais, o que é feito com o envio desta notificação, e toma o cancelamento do plano de saúde totalmente regular, de acordo com a clausula Décima do Contrato para fins de extinção contratual. 10.2. Estando vigente por prazo indeterminado, o presente instrumento poderá ser denunciado imotivadamente por qualquer das partes, mediante comunicação por escrito, com 60 dias de antecedência, sem quaisquer ônus."
Colocamos à disposição planos de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência, disponíveis para as seguintes cidades do estado da Bahia:
"Água Fria", "Amargosa", "Amélia Rodrigues", "Andaraí", "Anguera", "Antônio Cardoso", "Araci", "Aratuípe", "Baixa Grande", "Biritinga", "Boa Vista do Tupim", "Boninal", "Bonito", "Boquira", "Cairu", "Camamu", "Candeal", "Cansanção", "Canudos", "Capela do Alto Alegre", "Castro Alves", "Conceição da Feira", "Conceição do Almeida", "Conceição do Coité", "Conceição do Jacuípe", "Coração de Maria", "Cruz das Almas", "Dom Macedo Costa", "Elísio Medrado", "Euclides da Cunha", "Fátima", "Feira de Santana", "Gandu", "Gavião", "Iaçu", "Ibiquera", "Ibitiara", "Ichu", "Igrapiúna", "Ipecaetá", "Ipirá", "Iraquara", "Irará", "Itaberaba", "Itaetê", "Itamari", "Itatim", "Ituberá", "Laje", "Lajedinho", "Lençóis", "Macajuba", "Marcionílio Souza", "Monte Santo", "Mucugê", "Muniz Ferreira", "Mutuípe", "Nazaré", "Nilo Peçanha", "Nordestina", "Nova Fátima", "Nova Ibiá", "Nova Redenção", "Novo Horizonte", "Novo Triunfo", "Palmeiras", "Pé de Serra", "Piatã", "Pintadas", "Piraí do Norte", "Piritiba", "Presidente Tancredo Neves", "Queimadas", "Quijingue", "Rafael Jambeiro", "Retirolândia", "Riachão do Jacuípe", "Ruy Barbosa", "Salinas da Margarida", "Santa Bárbara", "Santa Teresinha", "Santaluz", "Santanópolis", "Santo Antônio de Jesus", "Santo Estêvão", "São Domingos", "São Felipe", "São Félix", "São Gonçalo dos Campos", "São Miguel das Matas", "Sapeaçu", "Seabra", "Serra Preta", "Serrinha", "Souto Soares", "Tanque Novo", "Tanquinho", "Taperoá", "Tapiramutá", "Teofilândia", "Teolândia", "Terra Nova", "Tucano", "Utinga", "Valença", "Valente", "Varzedo", "Wagner" e "Wenceslau Guimarães". Sendo assim, os planos individuais disponíveis para contratação dão direito apenas à atendimentos nos municípios supracitados. Havendo beneficiários residentes em tais localidades e que possuam interesse na contratação do plano individual estes deverão contatar a UNIMED NACIONAL
Caso haja carteirinhas de identificação em posse dos clientes, é necessário devolvê-las à Unimed Nacional, para não haver prejuízos resultantes do uso indevido do cartão.
Informamos que nossas equipes estão à disposição para mais informações e esclarecimento de eventuais dúvidas nos canais de atendimento abaixo.
O que fazer nessa situação?
Caso você tenha recebido essa notificação, verifique a quantidade de vidas cobertas pelo seu contrato, sendo menos de 30 vidas, saiba que a rescisão imotivada é abusiva e não poderá ser feita em nenhuma hipótese, ainda que haja previsão contratual. Agora, se o seu plano de saúde contemplar 30 beneficiários ou mais, ainda assim o contrato não poderá ser rescindido caso você esteja no meio de algum tratamento de saúde imprescindível para manter sua saúde.
Além disso, os beneficiários de plano de saúde coletivo com mais de trinta usuários e que não estejam sendo utilizados para custear tratamentos contínuos, possuem o direito de migrar para os planos individuais comercializados pelas operadoras após a resilição unilateral do contrato.
Não sendo o caso das vedações acima citadas, caberá à operadora - que rescindiu unilateralmente o plano coletivo e que não comercializa plano individual - comunicar diretamente aos usuários sobre o direito ao exercício da portabilidade, "indicando o valor da mensalidade do plano de origem, discriminado por beneficiário", assim como o início e o fim da contagem do prazo de 60 dias (art. 8º, § 1º, da Resolução Normativa DC/ANS 438/18).
Por último, vale ressaltar que os beneficiários possuem o direito à portabilidade de carências, ao contratarem novo plano, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito.
Conclusão
A análise até o momento reforça que a rescisão unilateral e imotivada de planos de saúde individuais, familiares e coletivos com menos de 30 usuários configura prática abusiva, sendo proibida. No entanto, nos planos coletivos com mais de 30 usuários, a rescisão é permitida, desde que respeitados requisitos como cláusula expressa no contrato, vigência mínima de 12 meses e notificação prévia de 60 dias, exceto quando o beneficiário estiver no meio de um tratamento médico contínuo essencial para sua sobrevivência ou preservação física e/ou psíquica.
Essa limitação protege os usuários, principalmente aqueles em tratamentos médicos críticos, como cardiopatias, câncer, HIV/AIDS, transtornos mentais graves e outras condições, impedindo rescisões arbitrárias que possam comprometer sua saúde e qualidade de vida.
A medida visa coibir práticas que priorizem o lucro da operadora em detrimento do cuidado essencial aos beneficiários. Em casos de descumprimento, é imperativo responsabilizar a operadora, visto que a rescisão nesses contextos não é apenas uma questão contratual, mas uma ação que impacta diretamente na vida e bem-estar dos segurados, demandando uma abordagem ética e humanizada no setor de saúde.
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1 Site oficial do escritório de advocacia Nascimento e Peixoto Advogados, de David Vinícius do Nascimento Maranhão Peixoto. Disponível em: https://nascimentopeixotoadvogados.com.br/contato. Acesso em: 01/11/2023, em Brasília, DF.
2 MARANHÃO PEIXOTO, David Vinicius do Nascimento. Obrigação dos planos de saúde de custear cuidados a crianças autistas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/390770/obrigacao-dos-planos-de-saude-de-custear-cuidados-a-criancas-autistas. Acesso em: 01/11/2023.
3 MARANHÃO PEIXOTO, David Vinicius do Nascimento. Direitos dos pacientes autistas: plano de saúde e documento necessário. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/391648/direitos-dos-pacientes-autistas-plano-de-saude-e-documento-necessario. Acesso em: 01/11/2023.
4 MARANHÃO PEIXOTO, David Vinicius do Nascimento. Ampla cobertura de tratamento multidisciplinar para autismo. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/392528/ampla-cobertura-de-tratamento-multidisciplinar-para-autismo. Acesso em: 01/11/2023.
5 MARANHÃO PEIXOTO, David Vinicius do Nascimento. Planos de saúde são obrigados a aceitar a inscrição de recém-nascidos. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/395371/planos-de-saude-sao-obrigados-a-aceitar-a-inscricao-de-recem-nascidos. Acesso em: 01/11/2023.
6 MARANHÃO PEIXOTO, David Vinicius do Nascimento. Plano de saúde cancelado de forma unilateral e sem justificativa. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/393300/plano-de-saude-cancelado-de-forma-unilateral-e-sem-justificativa. Acesso em: 01/11/2023.
7 "Direito da saúde" "advocacia," "Brasília - DF" "advogado liminar contra plano de saúde" "rescisão unilateral" "advogado em Brasília". Disponível em: [https://www.google.com/search?q=advogado+bras%C3%ADlia+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+putativa&rlz=1C1FKPE_pt-PTBR1070BR1070&oq=advogado+bras%C3%ADlia+uni%C3%A3o+es&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUqBwgCECEYoAEyBggAEEUYOTIHCAEQIRigATIHCAIQIRigATIGCAMQIRgVMgoIBBAhGBYYHRgeMgoIBRAhGBYYHRge0gEJMTI1MDBqMGo3qAIAsAIA&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em: 20/09/2023.
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10 RECLAMEAQUI. Central Nacional Unimed - Rescisão Unilateral de Plano de Saúde pela Central Nacional Unimed. Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/central-nacional-unimed/rescisao-unilateral-de-plano-de-saude-pela-central-nacional-unimed_0E_6GoH2UivaPDQS/. Acesso em: 01/11/2023.
11 RECLAMEAQUI. G2C Administradora - Plano de Saúde Rompido Unilateral - Rescisão com a ANCE. Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/g2c-administradora/plano-de-saude-rompido-unilateral-rescisao-com-a-ance_9xbRPyMGwrspqAEi/. Acesso em: 01/11/2023.
12 RECLAMEAQUI. Bradesco Saúde - Conhecimento de Futura Rescisão Unilateral Indevida de Plano de Saúde. Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/bradesco-saude/conhecimento-de-futura-rescisao-unilateral-indevida-de-plano-de-saude__7vuHI08VaBPKapE/. Acesso em: 01/11/2023.
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15 RECLAMEAQUI. Bradesco Saúde - Cancelamento Unilateral de Seguro Saúde. Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/bradesco-saude/cancelamento-unilateral-de-seguro-saude_dtyxqa4Qn_cLcGHF/. Acesso em: 01/11/2023.
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20 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não é possível a resilição unilateral de contrato de plano de saúde durante o curso de tratamento médico. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/59accb9fe696ce55e28b7d23a009e2d1. Acesso em: 02/02/2024.