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A substituição da pena

A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos pode ser interpretada como uma espécie de política criminal criada pelo legislador para o aperfeiçoamento da Justiça Criminal, pois concede uma oportunidade àquele que não representa risco de despretígio à Justiça Criminal.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Atualizado às 07:42

A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos pode ser interpretada como uma oportunidade concedida pelo legislador àquele que praticou crime sem violência ou grave ameaça à pessoa, que não é criminoso contumaz, que foi sentenciado à pena privativa de liberdade inferior a quatro anos ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo (sem intenção).

Essa norma legal se encontra prevista no artigo 44 do Código Penal, e pode ser interpretada como uma espécie de política criminal criada pelo legislador para o aperfeiçoamento da Justiça Criminal, pois concede uma oportunidade àquele que não representa risco de despretígio à Justiça Criminal.

Em síntese, esse benefício só poderá ser autorizado quando a medida for socialmente recomendada, ou seja, não se deferirá a substituição da pena quando se tratar de pessoa com maus antecedentes:

"A Corte estadual consignou que a dosimetria da pena e o regime prisional semiaberto, foram devidamente fundamentados, com destaque "em especial pelos péssimos antecedentes e reincidência do Apelante, que bem demonstram que faz do crime seu meio de vida, a justificar o maior rigor. Pelos mesmos motivos acima descritos, a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos não se mostra socialmente recomendável", inexistindo constrangimento ilegal a ser aqui reparado. (AgRg no HC 823.929/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/12/23, DJe de 18/12/23.)"

Nesse sentido, como a individualização da pena é atividade discricionária do julgador, uma vez que o magistrado possui liberdade para proferir uma decisão judicial, se as instancias ordinárias entenderem pela inviabilidade de aplicação do benefício legal, essa motivação só poderá ser revista pelo STJ nas hipóteses de flagrante ilegalidade ou teratologia:

"A individualização da pena, como atividade discricionária do julgador, está sujeita à revisão apenas nas hipóteses de flagrante ilegalidade ou teratologia, quando não observados os parâmetros legais estabelecidos ou o princípio da proporcionalidade.

Mudança do entendimento das instâncias ordinárias que demandaria necessário reexame do contexto fático-probatório dos autos. (AgRg no HC 839.770/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/12/23, DJe de 11/12/23.)"

Cita-se como exemplo o julgamento do AgRg no HC 830.421/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 11/12/23, DJe de 14/12/23, onde foi cocedida ordem de habeas corpus para afastar flagrante ilegalidade da decisão que negou à aplicação do benefício legal sem a devida motivação individualizada. Confira trechos do voto do eminente relator:

"Na hipo'tese, o regime fechado foi mantido com base em considerac¸o~es vagas e gene'ricas relativas a` gravidade abstrata do crime, bem como a` suposta gravidade concreta do fato, sem apontamento de qualquer elemento nesse sentido, oriundo dos autos, em clara violac¸a~o aos enunciados das Su'mulas n.o 718 e n.o 719, STF, e Su'mula n.o 440, STJ, configurando-se, assim, o constrangimento ilegal. (...)

Ressalto que a basilar da paciente foi estabelecida no patamar mi'nimo legal, assim como o aco'rda~o estadual apontou na~o haver agravantes, nem atenuantes, na segunda fase. Foi ainda reconhecida a redutora do tra'fico privilegiado, na terceira etapa da dosimetria da pena. (...)

Assim, forc¸oso concluir que a paciente faz jus ao regime inicial aberto para ini'cio de cumprimento de pena, consoante art. 33, § 2o, ali'nea c, e § 3o, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das su'mulas 718 e 719, STF, da su'mula Vinculante n.o 559, STF, e da su'mula n.o 440 , STJ. (...)

Por fim, preenchidos os requisitos do art. 44 do Co'digo Penal, quais sejam, pena na~o superior a 4 anos, crime na~o cometido com viole^ncia ou grave ameac¸a a` pessoa, re'u na~o reincidente e circunsta^ncias judiciais que indicam que essa substituic¸a~o seja suficiente, na~o ha' ilegalidade na substituic¸a~o da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, em moldes a serem especificados pelo Jui'zo da Execuc¸a~o Penal."

Em outro caso julgado pelo STF, onde se analisou a viabilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ao reincidente, foi decidido que o indeferimento da pretensão exige motivação individualizada, sendo ilegal a negativa de aplicação do benefício sem a apreciação articulada das razões ao afastamento da substituição da pena. Confira trechos do voto proferido pelo eminente relator do HC 124974, Ministro Gilmar Mendes:

"De fato, o inciso II do artigo 44 do Código Penal veda a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em casos de reincidência em crime doloso.

Todavia, o § 3o do mesmo dispositivo legal permite que, não se tratando de reincidência específica, situação em que a vedação é absoluta, ao juiz é facultado conceder o benefício caso a medida seja recomendável em face das circunstâncias da condenação anterior.

Sem adentrar na questão de ser ou não tal benesse, em casos de reincidência, direito subjetivo do sentenciado, entendo que ao menos deve o magistrado fundamentar a contento a decisão, trazendo as razões palpáveis pelas quais entende não ser socialmente recomendável a substituição da pena no caso concreto.

O TJ/SC acolheu, no ponto, o pedido ministerial e reformou a sentença monocrática para negar a substituição da pena pela configuração da reincidência. Todavia, não foi adiante e deixou de manifestar-se quanto às razões pelas quais não seria socialmente recomendável a substituição, considerando as circunstâncias da condenação anterior, conforme alinhado no § 3o do artigo 44 do Código Penal.

Dessa forma, na medida em que não houve apreciação articulada das razões ao afastamento da substituição da pena, em ofensa ao princípio da individualização da pena, resta patente o constrangimento ilegal."

Posto isso, a discricionariedade conferida ao julgador para denegar a aplicação do benefício ao reincidente não específico exige motivação idônea e individualizada. Isto é, se as instâncias ordinárias, motivadamente, indeferiram a aplicação do benefício legal, os Tribunais Superiores só poderão altear tal posicionamento caso seja constatado que a decisão recorrida não foi adequadamente fundamentada.

No julgamento do AgRg no AREsp 2.160.614/RS, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 14/8/23, DJe de 17/8/23, onde se reputou adequada a fundamentação da decisão que indeferiu a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ao reincidente, foi indeferida a pretensão defensiva que buscava a aplicação do benefício. Confira trechos da ementa desse julgamento:

"No caso, em que pese não se tratar de reincidente específico, a substituição da pena foi negada com fundamento em elementos concretos dos autos que, segundo o convencimento motivado do magistrado, evidenciam que a medida não se mostra socialmente recomendável. Alterar a conclusão do acórdão demandaria reexame de provas, o que não se admi te na via eleita (súmula 7/STJ)."

Portanto, preenchidos os critérios objetivos estabelecidos pelo artigo 44, I, do Código Penal, quais sejam: crime sem violência ou grave ameaça à pessoa, criminoso não contumaz, sentença condenatória inferior a quatro anos ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo (sem intenção), a aplicação do benefício dependerá da análise discricionária do julgador, que só poderá denegar a substituição da pena através de decisão indivudualizada, onde constará as razões ao afastamento da substituição da pena.

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.

Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

AgRg no HC n. 823.929/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 18/12/2023.

AgRg no HC n. 839.770/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/12/2023, DJe de 11/12/2023.

AgRg no HC n. 830.421/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 14/12/2023.

HC 124974, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 19-05-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-109  DIVULG 08-06-2015  PUBLIC 09-06-2015.

AgRg no AREsp n. 2.160.614/RS, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 17/8/2023.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

VIP Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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