MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. A responsabilidade do fornecedor pelos vícios ocultos

A responsabilidade do fornecedor pelos vícios ocultos

Lara Thatiany Ribeiro de Souza

O CDC diferencia vícios aparentes e ocultos em produtos. Vícios aparentes são facilmente percebidos, enquanto os ocultos requerem análise especializada. O fornecedor é responsável, mesmo desconhecendo os vícios. Prazos para reclamações variam de 30 a 90 dias, conforme durabilidade do produto. Para vícios ocultos, o prazo inicia quando identificados, não na aquisição.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Atualizado às 08:07

O Código de Defesa do Consumidor - CDC distingue dois tipos de vícios dos produtos: os aparentes e os ocultos.  Os vícios aparentes são determinados pela fácil constatação, pois são evidentes e não requerem do consumidor nenhuma habilidade especial, tampouco algum tipo de conhecimento técnico.  Por outro lado, os vícios ocultos são aqueles de difícil identificação, que requerem uma análise profunda e especializada, ou que somente se manifestam depois de algum tempo. Em muitos casos, tais vícios ocultos sequer são de conhecimento do próprio fornecedor. No entanto, conforme narra o art. 23 do CDC, "a ignorância do fornecedor sobre vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade".

Entretanto, para que o consumidor possa reclamar de eventual vício, o CDC indica alguns prazos. Os vícios identificados, ou aparentes, podem ser reclamados no prazo de trinta, quando se referir a produtos não duráveis, ou noventa dias, quando se tratar de produtos duráveis (art. 26, inciso I e II, do CDC). Já em se tratando de vícios ocultos, esses mesmos prazos apenas se iniciam quando o defeito do produto for identificado, e não no momento de sua aquisição (art. 26, parágrafo 3º).

À vista disso, restou declarada pela Terceira Turma do STJ no REsp 1.787.287/SP, julgado em 2022, a responsabilidade civil do fornecedor por vícios ocultos encontrados em produtos que possuíam a garantia contratual vencida. No entanto, para tal responsabilização, é necessário que o produto esteja em seu prazo de vida útil e que não reste caracterizada a culpa exclusiva do uso inadequado pelo consumidor. Tal matéria já havia sido examinada pela Quarta Turma do STJ, ocasião do julgamento do REsp nº 984.106/SC, na assentada de 4/10/12, Relator o Ministro Luís Felipe Salomão.

Embora esses julgados não se configurem como precedentes de observância obrigatória, a confluência de entendimentos das duas Turmas do STJ competentes para análise das matérias de Direito Privado indica um caminho seguro de interpretação. Nessa toada, a legislação atual "não determina prazo legal para que o fornecedor responda pelos vícios do produto. Há apenas um prazo decadencial para que, constatado o defeito, possa o consumidor pleitear a reparação", afirma o Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva1.

Por consequência, para o vício oculto, o prazo de reivindicação pela reparação será iniciado a partir da constatação do defeito, mesmo que tal averiguação tenha ocorrido após o vencimento da garantia contratual. Em cada caso, deve ser levado em consideração o critério da vida útil do bem, que é o período durante o qual é esperado que o produto funcione adequadamente, de acordo com as especificações do fabricante, ou a experiência comum. Esse período pode variar de acordo com o tipo de produto, as condições de uso e a manutenção periódica.

Dessa maneira, com o julgamento do REsp 1.787.287/SP, restou consolidado o entendimento acerca do art. 26, parágrafo 3º, do CDC, no sentido de que o prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto. Assim, o fornecedor responderá, durante o tempo de vida útil do bem, pelos vícios ocultos, ou seja, aqueles constatados somente após algum tempo de uso. Tal responsabilidade persistirá, ainda que tenha expirado o prazo de garantia contratual. Para tanto, o consumidor deverá exercer o seu direito de reclamação no prazo decadencial de 30 (para bens não duráveis) ou 90 dias (para bens duráveis), a contar da identificação do vício. 

---------------------------------

1 STJ. REsp 1.982.047/RS. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 22/06/2022

Lara Thatiany Ribeiro de Souza

Lara Thatiany Ribeiro de Souza

Advogada na Trigueiro Fontes Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca