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Descarte de "bicicletas abandonadas" em condomínio

Abordaremos o descarte legal de bicicletas abandonadas em condomínios, incluindo medidas, prazos e implicações jurídicas, com enfoque na cidade de Praia Grande, SP.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Atualizado às 14:51

O descarte de bicicletas em condomínio é uma questão que envolve aspectos civis, ambientais e condominiais. A seguir, serão apresentados os principais pontos a serem considerados pelo síndico para realizar o descarte de forma legal e segura.

1) Aspectos condominiais: As bicicletas estão guardadas no bicicletário do Condomínio, que é uma área comum de uso coletivo, conforme o artigo 1.331, § 2°, do Código Civil. Essa área comum deve ser utilizada pelos condôminos de forma a não prejudicar o uso dos demais, conforme o artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil. Além disso, essa área comum deve ser administrada pelo síndico, que tem o dever de zelar pela sua conservação e manutenção, conforme o artigo 1.348, inciso V, do Código Civil. Nesse sentido, o síndico deve observar se a convenção do condomínio possui alguma previsão sobre o uso e o descarte de bicicletas no bicicletário.

Se a convenção do condomínio possuir essa previsão, o síndico deve segui-la, respeitando os direitos e os deveres dos condôminos, bem como as normas civis e ambientais aplicáveis. Se a convenção do condomínio não possuir essa previsão, é recomendável que o condomínio regularize essa situação, através de um regimento interno, devidamente aprovado por meio de uma assembleia geral, para regulamentar o uso e o descarte de bicicletas no bicicletário. Essas regras deverão conter previsão clara acerca dos critérios para identificação das bicicletas, o prazo para retirada das bicicletas abandonadas, a forma de notificação dos proprietários das bicicletas, o destino das bicicletas descartadas, a responsabilidade pelo custo do descarte, a possibilidade de doação das bicicletas, a penalidade pelo descumprimento das regras, entre outros aspectos relevantes. O síndico deve comunicar aos condôminos sobre a alteração na convenção e/ou do regulamento, por meio de edital afixado em local visível e de fácil acesso, informando os principais pontos da alteração e a data de sua vigência.

2) Aspectos civis: Independentemente da existência de previsão condominial ou não atinente à guarda e descarte de bicicletas abandonadas, a questão pode ser tratada com base na lei.

As bicicletas são bens móveis que pertencem aos seus proprietários, os quais, por sua vez, têm o direito de usá-las, gozá-las e dispor delas, conforme o artigo 524 do Código Civil. No entanto, esse direito não é absoluto e pode ser limitado por normas de convivência social e de proteção ao meio ambiente.

É certo, 'a priori', que o abandono de bens móveis pode acarretar a perda da propriedade, conforme o artigo 1.275, inciso II, do Código Civil. Nesse sentido, antes de se cogitar o descarte de bicicleta alheia, o síndico deve observar se as bicicletas estão realmente abandonadas, ou seja, se os proprietários não manifestam interesse em recuperá-las, nem pagam as despesas de sua conservação, nem exercem qualquer ato de posse sobre elas. Para isso, o síndico deve notificar os proprietários das bicicletas, por meio de carta com aviso de recebimento ou outro meio idôneo, informando sobre a intenção de descartar as bicicletas e concedendo um prazo razoável para que eles se manifestem. Esse prazo pode variar de acordo com as circunstâncias do caso, mas recomenda-se que seja de no mínimo 30 dias, conforme o artigo 1.276 do Código Civil. Se os proprietários não se manifestarem dentro do prazo, o síndico pode entender que houve o abandono das bicicletas e proceder ao seu descarte, desde que respeitadas as normas ambientais e condominiais aplicáveis. Se porventura os proprietários se manifestarem dentro do prazo, o síndico deve devolver as bicicletas aos seus donos, mediante o pagamento das despesas de conservação, se houver. Se os proprietários se manifestarem após o prazo, mas antes do descarte, o síndico deve devolver as bicicletas aos seus donos, mediante o pagamento das despesas de conservação, se houver, e de uma multa pelo atraso, caso esta seja prevista na convenção ou no regulamento do condomínio. Se os proprietários se manifestarem após o descarte, entende-se por precluso o direito, eis que o condomínio agiu de boa-fé ao dar ciência ao proprietário acerca da necessidade de retirada da bicicleta, bem como iminente descarte caso o prazo previsto na notificação não fosse observado

É importante que todas as etapas sejam devidamente documentadas, desde as tentativas de contactar o proprietário, até as provas de que o descarte da bicicleta foi, de fato, realizado após exaurimento do prazo. Isso porque se os proprietários podem recorrer à via judicial para reclamar danos, mas terão que provar que não houve abandono das bicicletas e que o síndico agiu de má-fé ou com negligência. Se o dono da bicicleta não for condômino nem morador, como por exemplo, uma pessoa que já se mudou do prédio, o síndico deve tentar localizá-lo por meio dos dados cadastrais que ele forneceu ao condomínio ou por outros meios disponíveis.

Se ele não for condômino nem morador, o condomínio pode considerar o descarte como um serviço público. Nesse caso, o condomínio pode assumir a responsabilidade pelo descarte e pagar as taxas associadas.

3) Aspectos ambientais: o descarte de bicicletas abandonadas em um condomínio é possível desde que seja feito de maneira legal e de acordo com as normas ambientais.

As bicicletas são consideradas resíduos sólidos, que devem ser gerenciados de forma adequada, conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 12.305/10). Essa lei estabelece que os resíduos sólidos devem ser submetidos à coleta seletiva, à reciclagem, ao reuso, ao tratamento ou à disposição final ambientalmente adequada, de acordo com as normas técnicas e sanitárias vigentes. Além disso, essa lei determina que os geradores de resíduos sólidos devem ser responsáveis pelo seu manejo, desde a geração até a destinação final, observando a hierarquia de prioridades: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final. Nesse sentido, o síndico deve verificar se o condomínio possui um plano de gerenciamento de resíduos sólidos, que contemple as ações e os procedimentos para o manejo adequado dos resíduos gerados no condomínio, incluindo as bicicletas. Se o condomínio não possuir esse plano, o síndico deve providenciá-lo, seguindo as orientações do órgão municipal competente. Recomenda-se também fazer uso de uma empresa especializada na coleta, no transporte e na destinação final dos resíduos sólidos, que atenda às exigências legais e técnicas.

Uma alternativa ao descarte das bicicletas é a doação das mesmas para alguma instituição de caridade, que possa aproveitá-las para fins sociais, educacionais ou ambientais. Essa alternativa pode ser mais vantajosa para o condomínio, pois além de evitar o desperdício de recursos e a geração de resíduos, pode contribuir para a promoção da cidadania, da solidariedade e da sustentabilidade. No entanto, essa alternativa também requer alguns cuidados por parte do síndico, tais como:

  • Obter a autorização dos proprietários das bicicletas para a doação das mesmas, ainda que tacitamente, por meio de notificação, conforme já explicado anteriormente. Se os proprietários não se manifestarem dentro do prazo, o condomínio pode entender que houve o abandono das bicicletas e proceder à doação, desde que respeite as normas ambientais e condominiais aplicáveis.
  • Escolher uma instituição de caridade idônea e reconhecida, que tenha interesse e capacidade para receber as bicicletas e utilizá-las de forma adequada. Nesse sentido, o projeto Bicicleta velha, bota pra rodar, iniciado em 2017 como resultado de uma parceria entre a Associação Brasileira de Ciclistas (ABS), a ONG Sem Fronteiras e a Secretaria de Governo de Santos, tem como intuito a revitalização de bicicletas para posterior disponibilização para pessoas carentes. A retirada das bicicletas pode ser agendada através do telefone (13) 3025-7373 ou 99135-0360. É possível realizar o agendamento também por e-mail, basta encaminhar para [email protected].
  • O síndico deve formalizar a doação das bicicletas por meio de um termo de doação, que deve conter os dados do doador (o condomínio) e do donatário (a instituição de caridade), a descrição e a quantidade das bicicletas doadas, as condições e as finalidades da doação, a data e o local da entrega das bicicletas, a assinatura das partes e de duas testemunhas. O termo de doação pode ser inclusive registrado em cartório, para dar maior segurança jurídica à transação. O síndico deve guardar uma cópia do termo de doação e exigir um recibo da instituição de caridade, comprovando a entrega e o recebimento das bicicletas.
  • O síndico deve comunicar aos condôminos sobre a doação das bicicletas, por meio de edital afixado em local visível e de fácil acesso, informando os dados da instituição de caridade, o número e o tipo das bicicletas doadas, a data e o local da entrega das bicicletas, o valor estimado das bicicletas e o benefício social ou ambiental gerado pela doação. O síndico deve também prestar contas aos condôminos sobre a doação das bicicletas, por meio de relatório apresentado na assembleia geral ordinária ou extraordinária do condomínio, demonstrando a regularidade e a transparência da operação.

Conclusão: O descarte de bicicletas em condomínio é uma questão que envolve aspectos civis, ambientais e condominiais, que devem ser observados pelo síndico para realizar o descarte de forma legal e segura. O síndico deve notificar os proprietários das bicicletas, conceder um prazo para que eles se manifestem, verificar se as bicicletas estão abandonadas, respeitar as normas ambientais e condominiais aplicáveis, contratar uma empresa especializada ou participar de um programa de coleta seletiva, escolher uma destinação final ambientalmente adequada e economicamente viável para as bicicletas, formalizar o descarte por meio de um termo de descarte, comunicar e prestar contas aos condôminos sobre o descarte. Uma alternativa ao descarte é a doação das bicicletas para alguma instituição de caridade, que possa aproveitá-las para fins sociais, educacionais ou ambientais, observado apenas que essa alternativa requer os mesmos cuidados do descarte, para fins de evitar possíveis conflitos futuros com a pessoa que se sentir eventualmente lesada pelo descarte realizado.   

Thyago Garcia

VIP Thyago Garcia

Advogado, Sócio-Fundador do escritório "Garcia Advogados", Diretor da OAB/PG, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/UniSantos.

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