MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O TCU e as emendas PIX: não haverá "cheque em branco"!

O TCU e as emendas PIX: não haverá "cheque em branco"!

A EC 105/19 institucionaliza emendas individuais impositivas, permitindo transferências diretas de recursos aos entes federativos. Denominadas "emendas PIX" devido à rapidez e riscos de falta de controle, a Lei Orçamentária de 2024 projeta transferência de 8 bilhões de reais.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Atualizado às 09:43

A EC 105/19 alterou a Constituição Federal de 1988 ao incluir o Art. 166-A na seção que trata dos orçamentos, institucionalizando as emendas individuais impositivas. Essa emenda possibilita a alocação e repasse direto de recursos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, independente de convênios ou instrumentos congêneres. Os valores passam a pertencer aos entes federativos desde a transferência financeira. Em 2024, a lei Orçamentária projetou a transferência de 8 bilhões de reais nessa modalidade.

A rapidez com que esse mecanismo de transferência de recursos públicos pode ser operacionalizado, aliada aos riscos de falta de controle, levou à denominação de "emendas PIX," em referência ao sistema de pagamentos instantâneos que efetua transferências em tempo real.

O anseio dos parlamentares de ver suas emendas à Lei Orçamentária Anual - LOA realizadas não é novo. A primeira tentativa de obrigar a execução de programação orçamentária via Proposta de Emenda à Constituição - PEC ocorreu em 2000, consolidando-se constitucionalmente apenas em 2016 com a EC 8616, posteriormente alterada pela Emenda Constitucional 126/22. A justificativa recorrente é garantir maior efetividade à atividade parlamentar, reduzindo a concentração de competências e recursos no Poder Executivo.

O mecanismo proposto encontrou obstáculos em sua execução, principalmente devido à interveniência de órgãos e entidades do Governo Federal, como a Caixa Econômica Federal, considerada burocrática e desvirtuadora da mensagem constitucional. A EC 105/19 visa garantir que os bens e serviços destinados pelas emendas parlamentares individuais alcancem seus destinatários.

No entanto, uma preocupação surgiu devido à última versão da PEC aprovada, que retirou as referências expressas aos órgãos responsáveis pela fiscalização da aplicação dos recursos, deixando um vácuo normativo. O dilema foi estabelecido.

Normalmente, a natureza do recurso determina o responsável por sua fiscalização. Recursos federais são fiscalizados pelo TCU e pelos respectivos órgãos de controle interno federais, enquanto recursos de outros entes federativos ficam sob responsabilidade dos Tribunais de Contas e órgãos de controle locais. No entanto, os recursos do Art. 166-A não se assemelham às outras espécies de repasses federais, sendo uma verdadeira inovação.

Por isso, as regras gerais que direcionavam a atuação de órgãos de controle, interno e externo, conhecidas e reconhecidas, não pareciam se ajustar satisfatoriamente à sistemática introduzida. Gerou o temor de que, não havendo certeza e segurança jurídica quanto a quem é responsável pela fiscalização, fosse ela ineficaz ou mesmo inexistente.

O TCU vinha enfrentando a questão, especialmente pela via colateral, podendo ser citados os julgados: Acórdão 2098/20-TCU-Plenário, Acórdão 439/21-TCU-Plenário, Acórdão 1219/21-TCU-Plenário, Acórdão de Relação 2.756/21 - TCU- Plenário, Acórdão 130/22-TCU-Plenário. Diretamente, destacam-se os Processos 032.080/21-2 e 045.470/21-9. Este último originou-se de provocação do Congresso Nacional, mais especificamente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, que solicitou à Corte informações "acerca de auditorias voltadas para a modalidade de transferência especial de emendas parlamentares".

Foram encaminhados questionamentos quanto à existência de processos e auditorias que tivessem como objeto as "emendas pix", e se o TCU considerava ter competência para fiscalizar este tipo de transferência ou se esta pertencia a outros órgãos. Também foi questionado das dificuldades de fiscalizar os recursos enviados por esta modalidade e se o Legislativo poderia tomar medidas a fim de aprimorar a modalidade e facilitar sua fiscalização.

As indagações contidas no Processo 045.470/21-9 foram enfrentados no Acórdão 517/23 - Plenário, sob a relatoria do Ministro Vital do Rêgo, que, mesmo prestando informações pontuais e preliminares, remeteu a responsabilidade de maior aprofundamento à outra consulta, tratada no âmbito do Processo 032.080/21-2, também de sua relatoria. Antecipou que haveria manifestação a respeito da natureza jurídica dos recursos de que trata o art. 166-A, inciso I, da CF e que "a resposta em decisão que vier a ser proferida na Consulta terá caráter normativo e constituirá prejulgamento da tese, configurando precedente com entendimento a ser, inexoravelmente, aplicado em todos os demais casos submetidos à Corte de Contas".

Portanto, uma grande expectativa foi criada para manifestação do TCU, o que se materializou no Acórdão 518/23 - Plenário. Definiu-se que a transferência especial é do tipo voluntária, ainda que distinto e peculiar em relação às tradicionais modalidades de transferências, mas que não haveria embaraço legal para se proceder a transmissão da propriedade dos recursos da União aos entes subnacionais.

Também ficou decidido que a partir da liberação da ordem bancária os recursos passariam a pertencer ao ente beneficiário (ocorrendo, portanto, a transferência de propriedade), não havendo mais participação ativa fiscalizatória dos órgãos de controle federais quanto à sua aplicação, migrando-se tal incumbência para seus congêneres estaduais (e do DF). Entretanto, uma peculiar tarefa de exame e controle se manteve vinculada ao TCU.

No texto do Art. 166-A, introduzido pela EC 105/18, foram estabelecidos quatro condicionantes aos entes subnacionais destinatários e beneficiados pelas transferências especiais, cujo descumprimento, infringência ou inobservância pode/deve ensejar a invalidade mesma da transferência, a revogação da "doação" e a consequente restituição dos recursos à União. Esse recorte de controle se manteve com a Corte de Contas da União.

Além disso, acertadamente, o TCU entendeu que, para tornar possível a averiguação quanto às condicionantes seria fundamental que os entes que receberem recursos, via transferência especial, registrem todas as informações no Transferegov.br, plataforma que disponibiliza dados abertos a respeito da informatização e operacionalização das transferências de recursos União destinados a órgãos e entidades dos entes subnacionais. Configurou-se assim, mais um encargo a ser averiguado, cuja omissão poderia gerar a instauração de tomada de contas especial

A complexidade dos temas tratados, provocou a necessidade da elaboração de uma instrução normativa, que regulamentasse a atuação do TCU quanto à fiscalização dos condicionantes constitucionais e da necessária disponibilidade de dados no Transferegov.br, inclusive com a definição de prazos e as tarefas que devem ser desempenhadas pelos órgãos de controle e Cortes de contas regionais, o que foi suprido pela Instrução Normativa - TCU 93, de 17 de janeiro de 2024, que será objeto de outro artigo.

As transferências especiais, ou "emendas pix", podem realmente ser um instrumento legítimo de conferir efetividade à tarefa parlamentar, simplificando a alocação de recursos federais aos entes subnacionais, mas há riscos que não podem ser negados e brechas normativas que poderiam mesmo comprometer princípios constitucionais inegociáveis que se impõem à toda a Administração Pública.

O TCU, como vigilante e proativo órgão responsável pela promoção de uma Administração Pública efetiva, ética, ágil e responsável, assumiu seu papel constitucional, enfrentou e propôs regulamentação à questão, oferecendo diretrizes para todo o Sistema de Controle brasileiro. Definitivamente, as "emendas pix" não se constituirão em um "cheque em branco"! A I.N. - TCU 93/24 deixa isso claro.

Giussepp Mendes

Giussepp Mendes

Advogado especialista em direito administrativo público.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca