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Reajustes abusivos dos planos de saúde coletivos por adesão

Em 2023, reajustes abusivos nos planos de saúde coletivos atingiram até 35%, levando muitos a abandonar o convênio. Para 2024, especula-se um aumento de 25%, gerando preocupações sobre adesões e sobrecarga no sistema público de saúde. A falta de embasamento atuarial nos aumentos destaca a necessidade de avaliação jurídica.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Atualizado às 09:11

No ano de 2023, assistimos, um tanto quanto perplexos, aos reajustes abusivos dos planos de saúde coletivos por adesão, que chegaram ao índice de até 35%, alcançando um patamar impagável para a maior parte da população, o que fez com que um grande contingente de pessoas abandonasse o convênio de saúde.

Se não bastasse o reajuste tão desproporcional do ano passado, os veículos de mídia têm especulado uma majoração de 25% para o ano de 2024, beirando a queda de muitas adesões, sem prejuízo da reflexão de quantas vidas podem ser lançadas à própria sorte, na dependência do já sobrecarregado sistema público de saúde.

De certo que, em busca da posição jurídica sobre a validade ou não dos aumentos, imprescindível que sejam tecidos comentários à luz de dados e da jurisprudência, mormente porque o que se tem visto, na grande maioria dos casos, é a aplicação de majorações genéricas e desproporcionais, sem embasamento atuarial.

Então, diante dos reiterados aumentos, tendo-se esgotados seus recursos financeiros com aumentos tão desproporcionais, diversos segurados procuraram seus direitos, e constataram a abusividade a que vinham sendo submetidos com as cobranças, quando, então, são informados sobre os números de majoração desproporcionais em relação aos índices ANS para contratos individuais/familiares.

Eis que surge então a dúvida se é possível aplicar os reajustes anuais da ANS de planos individuais aos seguros coletivos por adesão?

Ocorre que, para praticar sistematicamente aumentos em patamares acima daqueles autorizados pela ANS, é necessário que os planos apontem a base atuarial para estes reajustes, o que não tem ocorrido.

Ainda, de causar mais impacto financeiro é que os aumentos se operam em cascata, tendo-se, por exemplo, sensível diferença entre o valor que seria o correto e consentâneo com os índices da ANS e o valor efetivamente cobrado pelo convênio com seus aumentos ilegais, abusivos e desprovidos de base atuarial.

De importância sublinhar que os planos de saúde não são impedidos de majorarem mensalidades, ou mesmo de terem cláusulas de reajuste, mas sim de aplicarem índices inexplicáveis e abusivos aos consumidores, com absurda disparidade entre percentuais de aumento, sem base atuarial, mormente porque as empresas de planos de saúde coletivos por adesão não vêm atendendo ao comando do artigo 14, RN 389/15, não conseguindo explicar a razão do aumento.

Digno de nota que os reajustes por sinistralidade, via de regra, são aplicados sem qualquer explicação plausível ou aceitável sobre a composição matemática/percentual, ofendendo o comando do artigo 14, RN 389/15.

Nesse contexto, quando o segurado notar a existência de cobranças exorbitantes em seu plano de saúde, deve pedir orientação jurídica adequada, para que, em sendo o caso, haja o questionamento dos reajustes abusivos perante o Poder Judiciário, para que, eventualmente, sejam afastados os reajustes anuais incidentes na apólice em período decenal, para que haja aplicação apenas dos índices fixados pela ANS aos contratos individuais/familiares; além da devolução dos valores pagos a maior no período de três anos, como forma de evitar o enriquecimento ilícito das seguradoras.

Demais consequências do aumento abusivo dos planos de saúde coletivos por adesão

Não se pode ainda ignorar, que caso os aumentos dos planos de saúde sejam injustificados, tem-se abusiva a conduta do convênio médico, que destrói o binômio lealdade-confiança que deveria nortear a relação contratual, por expressa disposição da lei civil (Código Civil, art. 422), a qual elegeu a boa-fé objetiva como viga mestra em cima da qual se assentam todos os princípios que regem as relações contratuais.

Irrefutável que submeter consumidores a aumentos desproporcionais tão expressivos acentua a vulnerabilidade e hipossuficiência fática-econômica-informacional dos mesmos, motivo pelo qual se faz necessário o restabelecimento do equilíbrio do contrato, de modo urgente, uma vez que o tempo fulmina a suportabilidade de manutenção do contrato.

É ainda de conhecimento que, nos contratos de assistência médica coletivos, existe a proteção geral do CDC, especificamente a contida nos artigos 51, X, que veda o aumento unilateral de preços, e, no art. 6º, V, que permite a revisão do contrato em razão de fatos supervenientes que o tornem excessivamente oneroso, quebrando a base do negócio jurídico.

Sob outro giro, não há como desvincular o preço do contrato ao índice de sinistralidade e dos custos médicos da prestação de serviço - o que não costuma ser demonstrado como razão de aumento pelo plano de saúde.

Como norteador do reajuste do plano de saúde, exige-se obediência a dois requisitos cogentes: (i) a transparência dos cálculos e possibilidade de sua aferição pelo consumidor; (ii) controle da onerosidade excessiva.

De certo que a ofensa a preceitos cogentes não é a previsão em si de aumento das mensalidades, mas sim o seu volume e o seu modo, caso não tenha amarração a critério objetivo e previamente aferível pelo segurado. Irrefutável que a falta de definição de parâmetros do aumento é que torna o preceito potestativo e abusivo.

Ainda, de conhecimento que, pelos comunicados enviados aos segurados sobre os reajustes dos planos de saúde, não há esclarecimento do modo pelo qual a operadora chegou ao percentual aplicado, pela suposta sinistralidade; nem qualquer documento enviado que justifique o índice sobre as majorações impostas, em desatendimento ao comando do artigo 14, RN 389/15, sem haver qualquer extrato pormenorizado da razão contábil que justificasse o índice aplicado.

Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

 "Seguro saúde - Contrato coletivo empresarial - Elevação das mensalidades em função do aumento do índice de sinistralidade - Necessidade de comprovação do fato, não bastando mera manifestação unilateral da operadora - Reajustes que devem ocorrer conforme os índices divulgados pela ANS para os contratos individuais, à falta de comprovação do índice relativo à variação dos custos médico-hospitalares, do período - Devolução dos valores cobrados a maior mantida - Recurso da ré não provido"

TJSP, Apelação 1011779-43.2016.8.26.0011, Des. Augusto Rezende, j. em 15.8.17

De modo que o Egrégio TJ/SP caminhou no sentido supra, isto é: fixou o entendimento de que os reajustes operados pelo convênio de modo aleatório, sem respaldo atuarial e causando onerosidade ao consumidor são abusivos e ilegais, motivo pelo qual são nulos de pleno direito, conforme se pode observar pelos representativos julgados:

PLANO DE SAÚDE. Ação declaratória de nulidade de cláusula contratual e repetição de indébito. Sentença de parcial procedência. Insurgência de ambas as partes. Plano saúde coletivo. Reajustes por aumento dos custos médicos. VCMH. Ausência de esclarecimento sobre a forma de apuração do aumento dos custos aplicados pela seguradora. Restituição dos valores pagos a maior, observado o prazo trienal. Aplicação dos índices da ANS para os planos individuais. Ausência de má-fé da operadora. Devolução em dobro do art. 42 do CDC. Não cabimento. Indenização por danos morais. Mero aborrecimento não indenizável. Sentença mantida. Recursos desprovidos.

TJSP - Apelação 1004809-12.2019.8.26.0079, sendo o Apelante Sul América Companhia de Seguro Saúde, Relatoria de Maria de Lourdes Lopez Gil, julgado em 9/10/20.

"Apelação. Plano de saúde coletivo por adesão. Alegação de abusividade de reajuste anual financeiro e de sinistralidade aplicado. Pleitos de aplicação exclusivamente do reajuste anual, teto autorizado pela ANS para planos individuais e familiares, nos anos de 2011 a 2019, além de pedido de ressarcimento dos valores pagos a maior. Sentença de procedência. Inconformismo da parte ré. Não provimento do apelo. Sentença mantida por seus próprios fundamentos (artigo 252, RITJSP).

  1. Em planos de saúde coletivos, muito embora não haja, aprioristicamente, ilicitude na cláusula contratual que preveja reajuste anual das mensalidades dada a majoração da sinistralidade ou dos custos operacionais [reajuste técnico], não há prova suficiente que justifique os aumentos da mensalidade no montante aplicado, nem a participação efetiva da estipulante do plano de saúde, ou de seus beneficiários individuais, no cômputo de tais reajustamentos, o que os torna, em concreto, abusivo. Limitação da declaração de abusividade, e restituição da quantia paga a maior relacionada aos reajustes impugnados no intervalo discriminado pela petição inicial.
  2. Recurso de apelação da ré Sul América desprovido. 

TJSP, Apelação 1081481-95.2019.8.26.0100, Relator Piva Rodrigues, j. em 9/10/20.

"PLANO DE SAÚDE COLETIVO. Reajustes por sinistralidade e variação dos custos médico-hospitalares - VCMH. Ônus da ré de comprovar a origem dos respectivos aumentos. Regra prevista no artigo 333, II, do CPC de 1973, reproduzida no artigo 373, II, do NCPC. Possibilidade em abstrato de reajustes por sinistralidade e VCMH, pois têm o escopo de manter o equilíbrio contratual. Abusividade, porém, dos índices de reajuste discutidos no caso concreto, em virtude da ausência de prova do incremento da sinistralidade e do aumento dos custos médico-hospitalares. Laudo pericial atesta ausência de sinistralidade correspondente ao reajuste aplicado. Requerida negou-se a juntar documentos indicados pelo perito como essenciais para apuração da efetiva sinistralidade verificada no período. Inviável a exclusão pura e simples dos aumentos, pena de ferir o equilíbrio do contrato. Devida a aplicação dos índices previstos pela ANS para os planos individuais e familiares. Reajuste das mensalidades do plano de saúde por faixa etária. Contrato celebrado no ano de 2003. Contrato viola o precedente vinculante quanto à quantidade de faixas etárias previstas. No mais, apuração de reajustes abusivos pela perícia. Omissão da ré quanto à entrega de documentos que justificassem os índices aplicados. Ônus da ré de comprovar a origem dos respectivos aumentos. Regra prevista no artigo 333, II, do CPC/73, reproduzida no artigo 373, II, do NCPC. Declaração de nulidade dos reajustes não sujeita a prazo prescricional, e provocar efeitos no valor atual do prêmio. Dever da ré de devolver à autora os valores pagos a mais em razão dos injustificados aumentos, respeitado, porém, o prazo prescricional trienal. Sentença em parte reformada, no capítulo da restituição dos valores pagos a maior, que devem ser limitados ao triênio anterior ao ajuizamento. Recurso provido em parte".

TJSP, Apelação 1020888-66.2020.8.26.0100, Relatoria de Francisco Loureiro, j. em 6/6/23.

De certo que a correta interpretação da lei, condenando os reajustes imotivados que rompem com a boa-fé objetiva, traduzida nos deveres de lealdade e transparência é defendida, pela jurisprudência majoritária do Egrégio TJ/SP, restabelecendo-se, ao consumidor, o reequilíbrio esperado para poder cuidar de sua saúde e de sua família, sem ter que esvaziar seu patrimônio construído ao longo de uma vida.

Rodrigo Lopes

Rodrigo Lopes

Sócio do escritório Lopes & Giorno Advogados. Graduado pela USP. Mestre em Direito do Estado pela USP.

Fernanda Giorno de Campos

Fernanda Giorno de Campos

Sócia do escritório Lopes & Giorno Advogados. Pós-graduada em Setores Regulados pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Processual pela EPM.

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