O que esperar do julgamento da revisão da vida toda?
Em uma aparente disputa entre segurados e INSS, que vença a previdência social.
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
Atualizado em 31 de janeiro de 2024 09:36
Quem atua na área da previdência social sabe que, de tempos em tempos, surge alguma nova tese que permite a garantia de uma melhor aposentadoria ou uma revisão em relação aos vencimentos obtidos inicialmente. Em parte, o aparato normativo previdenciário tem culpa desse movimento.
Os termos são, até mesmo, bem criativos: já passamos pela revisão do "buraco negro" e "buraco verde", pelo "milagre da contribuição única", e por outras de nome mais técnico, como a do IRSM, ORTN e do art. 29. A "bola da vez", porém, é a "revisão da vida toda".
Não raro, quando estou em sala de aula, passo por alguns momentos de espanto de alunos iniciantes quando introduzo a matéria a partir da fala: "Lembram da boa e velha pirâmide de Kelsen? Preparem-se para uma incursão por um terreno um pouco mais instável". E não é para menos.
A depender do benefício e do direito, podemos defender a aplicação da constituição, da lei, do decreto, da instrução normativa, das portarias e, se nada bastar no campo administrativo, temos um grande rol de temas repetitivos para recorrer. Isso não representa necessariamente uma falha, mas uma ampla demonstração de que o direito previdenciário não é para aventureiros e, principalmente, que os advogados têm exercido seu ofício com muita destreza. Independentemente disso, porém, verdade seja dita: os potenciais valores vultosos de atrasados podem chamar a atenção, mas o que está em voga aqui é outra coisa - o direito dos segurados e beneficiários.
Os segurados do INSS estão um pouco acostumados a viradas de mesa. Foi assim com a extensão do adicional de 25%, quando o STF entendeu, no Tema 1.125 da Repercussão Geral, que não seria devida a extensão do adicional para outras aposentadorias que não a por invalidez devido à ausência de previsão legal - diferentemente do entendido pelo STJ no seu tema de 982. O mesmo ocorreu com a desaposentação - e posteriormente com a reaposentação -, cujo tema pode ser bem aprofundado a partir da obra do Dr. Fábio Zambitte Ibrahim1.
Dessa vez, porém, a situação é diferente. Antes, cumpre esclarecer que não é ideal considerar que a decisão representa uma disputa entre INSS e segurados, dado que a administração pública não deve ser contra o direito dos segurados, pelo contrário: o interesse público representa a reunião dos interesses de particulares. Se um cidadão não tem um direito, o papel do administrador é conduzi-lo para que vislumbre uma situação em que o tenha, como bem aponta a obra do Dr. José Antonio Savaris, atualizado pela Dra. Maria Fernanda Wirth, no chamado "princípio do acertamento da relação jurídica de proteção social"2.
Entretanto, dado que estamos nessa lógica processual de INSS versus beneficiários, é cristalino o fato de que os beneficiários já ganharam no caso da revisão da vida toda - e não poderiam os embargos se prestarem a modificar o julgado. Aliás, quem é advogado já conhece essa expressão até, mesmo, de trás para frente: os embargos de declaração não se prestam a modificar o julgado, mas a corrigir eventual omissão, contradição ou obscuridade. Por que a atuação do INSS conduziria para outro entendimento?
Não adentrarei, neste texto, na seara processual, tema que foi muito bem abordado por recentes notas técnicas de diversas entidades - de modo que faço destaque, aqui, ao trabalho excepcional do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP e do Instituto de Estudos Previdenciários - IEPREV.
O fato é que, por certo, não há motivo para prolongar ainda mais a indefinição da situação jurídica dos segurados que têm direito à revisão. Nesse ponto, relembro que, em um artigo publicado junto à Dra. Cristiane Mussi na Revista Brasileira de Direito Previdenciário3, analisamos o perfil dos segurados que possuíam ações no âmbito da Justiça Federal do Rio de Janeiro sobre a extensão do adicional de 25% para as demais aposentadorias.
Ao final do levantamento de dados, aproximadamente 22% dos autores haviam falecido enquanto o tema aguardava julgamento - um caso sensível, dado que os autores, por mais que não tivessem o direito ao adicional, ajuizavam a ação por estarem acometidos de grande invalidez.
Dessa vez, o que corre o risco de falecer é o direito dos segurados. Veja-se que a janela está se fechando a cada dia que passa: somente têm direito a requerer a revisão da vida toda, antes de tudo, aqueles segurados que se aposentaram de acordo com a regra de transição da lei 9.876/99 - o que significa que aqueles que se aposentaram de acordo com as regras da Emenda Constitucional 103/19 já não podem requerer.
Isso poderia significar uma janela de 20 anos de beneficiários, mas ainda precisamos lembrar que a decadência fulmina o direito de revisão se transcorrido, por regra geral, o prazo de 10 anos após o primeiro dia do mês seguinte à competência de início do pagamento. Isso quer dizer que, hoje, se um segurado começou a receber seu benefício em janeiro de 2014, está em vias de perder a chance de requerer a revisão com a chegada do mês de fevereiro de 2024. Ou seja, a cada novo mês, uma gama de segurados perde a possibilidade de requerer a revisão.
Até se poderia apontar que esses segurados poderiam entrar com a ação e aguardar o resultado. Mas agiria, aqui, aquela que é amiga do advogado vencedor e o terror das partes vencidas nas ações: a sucumbência. Imagine-se a situação: alguém ajuiza uma ação esperando receber R$ 300.000,00 de atrasados do INSS e, ao final, termina o processo devendo R$ 30.000,00 em decorrência da sucumbência. Correto é o advogado cauteloso que aguarda a definição da situação quando o risco desse fato acontecer é iminente.
Como falei, o acontecido identificado no caso das ações de extensão do adicional de 25% foi o falecimento de alguns autores, enquanto agora perecem o direito e a justiça social - sem contar a possibilidade de óbito dos próprios titulares dos benefícios. A esse respeito, cumpre concluir com as palavras atribuídas a José Saramago4:
"[.] a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias.
Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça".
Que o julgamento, porém, represente o respeito da Justiça para com os milhares de segurados que precisam e devem confiar no sistema previdenciário, para que ele continue com a possibilidade de ofertar a ampla e devida proteção.
1 ZAMBITTE IBRAHIM, Fábio. Desaposentação: o caminho para uma melhor aposentadoria. 5ª edição, revista e atualizada. Niterói/RJ: Impetus, 2011.
2 SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. Atualizado por Maria Fernanda Wirth. 11ª edição, revista e atualizada. Curitiba: Alteridade, 2023, p. 137.
3 FERREIRA, Carlos Vinicius Ribeiro; MUSSI, Cristiane Miziara. A possibilidade do adicional de 25% por grande invalidez (art. 45 da Lei nº 8.213/91 ser conferido às aposentadorias espontâneas: aportes principiológicos e impactos na Seção Judiciária do Rio de Janeiro. In: Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 53, out./nov. 2019. Porto Alegre/RS: LexMagister, 2019.
4 FOLHA ONLINE. Leia texto de Saramago lido no encerramento do FSM. Porto Alegre, 05 de fevereiro de 2002. Jornal Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u29003.shtml. Acesso em: 16 jan. 2024.
Carlos Vinicius Ribeiro Ferreira
Doutorando em Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na linha de Direito do Trabalho e Previdenciário (PPGD/UERJ). Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na linha de Direito do Trabalho e Previdenciário (PPGD/UERJ). Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Campus Nova Iguaçu. Advogado, sócio do escritório Fábio Zambitte Ibrahim & Advogados. Parecerista. Professor Substituto da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (FND/UFRJ). Professor de Pós-Graduação.