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Visão monocular e incapacidade laborativa

Visão monocular não constitui, por si só, elemento incapacitante para fins previdenciários, dependendo de análise no caso concreto. Mas há atividades que a jurisprudência reconhece apenas poderem ser exercidas com visão binocular.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Atualizado às 14:34

Visão monocular é a perda da acuidade visual em um dos olhos, sendo caracterizada, segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, quando a pessoa tem visão igual ou inferior a 20% em qualquer dos olhos, mantendo visão normal no outro (CID 10 H54. 4).

Suas causas mais comuns são doenças como o glaucoma, distúrbios infecciosos intraoculares (toxoplasmose), disfunções da córnea ou retina, tumores intraoculares, ambliopia (visão preguiçosa) e traumas oculares.

A visão monocular passou a ser classificada como deficiência pela legislação federal a partir de 22 de março de 2021, com a promulgação da lei 14.126/21, embora, antes disso, a jurisprudência já a reconhecesse como tal1.

São variadas as implicações jurídicas do reconhecimento da visão monocular como deficiência, como a possibilidade de antecipação da aposentadoria (de acordo com a LC n° 142/2003), de concessão do benefício de prestação continuada (LOAS-deficiente), de isenção do IRPF sobre proventos de aposentadoria ou reforma (artigo 6º, inc. XIV, lei 7.713/88), dentre outros.

Não se pode confundir, todavia, o reconhecimento de deficiência com o de incapacidade laborativa.

A deficiência diz respeito à condição física, mental, intelectual ou sensorial da pessoa, ou seja, se ela possui algum tipo de impedimento que, em interação com uma ou mais barreiras, possa obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Não se confunde com incapacidade laborativa, que se refere, propriamente, à inaptidão para o exercício do trabalho de forma habitual.

O conceito de deficiência vai além da análise da capacidade para o trabalho. Noutras palavras, uma pessoa pode ter deficiência e, ainda assim, ser capaz de trabalhar e manter vida independente. Tanto é verdade que a LC 142/03 regula, justamente, a aposentadoria do portador de deficiência, isto é, daqueles que, com algum grau de deficiência, conseguiram exercer atividade laborativa.

A incapacidade laboral para fins previdenciários, portanto, não pode ser confundida com deficiência e deve ser analisada em cada caso concreto, mesmo no tocante ao portador de visão monocular, que necessitará, para a obtenção de benefícios previdenciários por incapacidade no âmbito do RGPS - como o auxílio por incapacidade temporária e a aposentadoria por incapacidade permanente - comprovar a existência de incapacidade para a atividade habitual.

Há algumas atividades, todavia, que a jurisprudência tem reconhecido como incompatíveis de ser exercidas pelo portador de visão monocular, como nos casos da costureira, do relojoeiro, do motorista profissional, do piloto de aeronave e do vigilante armado.

As pessoas que não enxergam com um dos olhos têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, prejudicando, com isso, a coordenação motora e o equilíbrio. Reconhecem a forma, as cores e o tamanho dos objetos, no entanto, possuem restrições em avaliar a profundidade e as distâncias, características da visão tridimensional (binocular).

Inexistem dúvidas de que o exercício das atividades de costureira e de relojoeiro, por exemplo, tornam-se prejudicadas pelo comprometimento da visão de profundidade, enquanto que o motorista profissional, o piloto de aeronave e o vigilante armado, por terem comprometida a visão periférica, colocam em risco não somente a própria vida, mas a de terceiros.

Em relação a tais atividades, portanto, diante da necessidade de acuidade visual bilateral para o exercício profissional, a jurisprudência tem reconhecido a existência de incapacidade laborativa pela cegueira monocular, isto muitas vezes contrariando o próprio laudo pericial existente nos autos, como se nota dos precedentes a seguir:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. [...] 3. Ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência da moléstia incapacitante referida na exordial (cegueira de um olho/visão monocular), corroborada pela documentação clínica, associada às suas condições pessoais - habilitação profissional (costureira) e idade atual (49 anos de idade) - demonstra a efetiva incapacidade para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio por incapacidade temporária, desde 22-2-19 (DER), até a efetiva reabilitação profissional...(TRF-4 - AC: 50238661220194049999, Relator: PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 18/4/23, NONA TURMA)

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PERMANENTE. VERIFICAÇÃO. [...] 2. Considerando-se a atividade habitual desenvolvida pela autora (costureira), a visão monocular revela-se incompatível com a continuidade do labor, indicando incapacidade permanente. 3. Ainda que a autora não seja idosa suas condições pessoais, aliadas à visão monocular e a outros males que, embora não incapacitantes de forma isolada, também devem ser considerados no conjunto, apontam para a inviabilidade da reabilitação profissional (TRF-4 - AC: 50194762820214049999 5019476-28.2021.4.04.9999, Relator: ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Data de Julgamento: 14/12/21, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACIDADE LABORAL. PROVA. VISÃO MONOCULAR. MOTORISTA DE CAMINHÃO. [...] 2. Embora a visão monocular, em regra, não seja elemento incapacitante para o exercício de atividades laborais que não exijam a acuidade visual binocular, nota-se que o autor exercia a profissão de motorista de caminhão, sendo notória a necessidade de perfeita visão em ambos os olhos para que se desempenhe a referida função... (TRF-4 - APL: 50258962020194049999 5025896-20.2019.4.04.9999, Relator: MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Data de Julgamento: 27/10/20, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUXÍLIO-DOENÇA. VISÃO MONOCULAR. EFEITOS INFRINGENTES. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO DEVIDO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS PROVIDOS. 1. Como mencionado na decisão embargada, a perícia judicial constatou que o autor, motorista, "está acometido por neurite óptica em olho esquerdo com visão sub-normal em olho esquerdo", concluindo pela ausência de incapacidade para o trabalho. [...] 7. Não há dúvidas, portanto, quanto à limitação que essa deficiência oferece ao desempenho de determinadas atividades laborativas, como a de motorista profissional. 8. Nesse contexto, considerando que não há possibilidade de cura, parece-me claro que o autor está incapacitado, permanentemente, para o exercício de sua atividade habitual (motorista), que exige a visão binocular. [...] 11. Embargos de declaração providos. Benefício concedido. (TRF-3 - ApCiv: 51730997620204039999 SP, Relator: Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI, Data de Julgamento: 23/11/21, 8ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 26/11/21)

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. VISÃO MONOCULAR VIGILANTE ARMADO. INCAPACIDADE. [...] 2. A despeito das conclusões periciais, a Turma entendeu que a função de vigilante armado se enquadra dentre as que exigem acuidade visual, pois o uso de arma de fogo em condições diversas coloca não só a vida do autor em risco, como a de terceiros. 4. Incapacidade parcial e permanente, e considerando que as condições pessoais e sociais dos autos não recomendam, ao menos por ora, a aposentadoria, caberá ao INSS avaliar a elegibilidade do autor à reabilitação profissional, adotando como premissa o entendimento de que ele está permanentemente incapaz para a função de vigilante armado, ressalvada a possibilidade de constatação de modificação das circunstâncias fáticas após a sentença... (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50198024520184047201 SC 5019802-45.2018.4.04.7201, Relator: JAIRO GILBERTO SCHAFER, Data de Julgamento: 25/9/19, SEGUNDA TURMA RECURSAL DE SC)

Previdenciário. Benefício por incapacidade. Cegueira monocular. Vigilante armado. Necessidade de visão bilateral. Encaminhamento para análise administrativa de elegibilidade de reabilitação profissional. Tema 177 da TNU. Recurso da parte autora parcialmente provido (TRF-3 - RecInoCiv: 00034008120204036311 SP, Relator: Juiz Federal DOUGLAS CAMARINHA GONZALES, Data de Julgamento: 12/08/22, 7ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: DJEN DATA: 18/8/22)

Desse modo, embora a identificação da incapacidade laborativa, mesmo em se tratando de visão monocular, dependa da análise de cada caso concreto, há atividades que, por sua própria natureza, exigem visão binocular, e a jurisprudência assim as vêm reconhecendo, autorizando-se, dessa forma, a constatação da incapacidade, desde que a condição seja atestada por laudo médico e comprovada pela perícia judicial.

Já a delimitação da incapacidade - se parcial ou total, propiciando a concessão de auxílio por incapacidade temporária ou de aposentadoria por incapacidade permanente - dependerá, precisamente, da avaliação em concreto, sobretudo levando-se em consideração as condições pessoais e sociais do segurado2.

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1 Súmula n° 377/STJ - "O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes".

2 Súmula n° 47/TNU - Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.

Gabriel Tápias

Gabriel Tápias

Analista judiciário na Justiça Federal de Primeiro Grau no Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Direito Privado pela Faculdade de São Vicente - FSV.

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