MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Carona no RP: dupla anuência e "carona híbrida"

Carona no RP: dupla anuência e "carona híbrida"

O texto aborda a "carona no registro de preços", explorando tipos, requisitos, limites e aspectos federativos. Destaca a importância da anuência do órgão gerenciador e fornecedor, sendo crucial para evitar transferência de problemas e garantir a reserva do possível.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Atualizado às 08:44

Tema pouco abordado pela doutrina são os limites para a "carona no registro de preços". Nosso objetivo neste texto é elencar os tipos de carona, requisitos, limites quantitativos e qualitativos e "caminhos federativos para a carona".

Todos os temas, porém, devem ser interpretados, sistematicamente, com a regra do art. 86,§2º, III da NLLC: a anuência do órgão gerenciador e do fornecedor.

Tal regra é a principal "bússola" no tema da corona em Registro de Preços. 

O motivo é óbvio: reserva do possível por parte do fornecedor e vedação da mera "transferência do problema" de um ente para outro se houver insuficiência física de produtos/serviços da ata de registro de preços.

Comecemos pelas figuras mais simples de carona: a "carona prévia", "carona no caminho" e "carona compulsória".

A carona prévia não apresenta maiores divagações já que se trata de uma "carona" antes do início da "viagem". Assim, o artigo 86 da NLLC prevê que pode haver a participação antes do início do procedimento licitatório com a fixação conjunta do quantitativo. Pode haver concessão de prazo (mínimo 8 dias) para interessados na "carona prévia".

Já a carona "compulsória" é aquela em que a transferência de recursos poderá exigir a carona no registro de preços do ente que irá transferir os valores (art. 86,§6º da NLLC).

A "carona no caminho" apresenta alguma complexidade prática. Trata-se da carona prevista do "órgão não participante" previsto no art. 86,§2º da NLLC.

Os requisitos da "carona no caminho" são óbvios: justificativa da adesão, compatibilidade com os preços de mercado e concordância dos "donos do carro" (órgão gerenciador e fornecedor). Esses requisitos são os incisos I a III a §2º do art. 86 da NLLC.  O requisito da dupla anuência é o requisito mais relevante do ponto de vista prático já que os outros dois são corriqueiros nas licitações em geral.

Os limites quantitativos são: 50% da ata de registro de preços (art. 86,§4º da NLLC) e o dobro de cada item (art. 86,§5º da NLLC). Tais quantitativos dependem de prévia anuência dos "donos do carro" (fornecedor e órgão gerenciador, art. 86,§2º, III da NLLC). O motivo da imperiosa necessidade da anuência dupla já foi mencionado.

O limite quantitativo cede espaço quando o objeto da "carona" for qualitativamente relevante. A relevância qualitativa que afasta o limite quantitativo está prevista no artigo 86,§7º na hipótese de aquisição emergencial de medicamentos e material médico-hospitalar. O afastamento do limite quantitativo não afasta, porém, a necessidade de anuência dos "donos do carro" (órgão gerenciador e fornecedor, art. 86,§2, III) já que não seria admissível fornecimento fisicamente impossível por parte do fornecedor nem a mera transferência do problema de um ente político para outro.

A diferença, em nosso modesto entendimento, é que os "donos do carro" tem, a princípio, um dever de aceitação desta carona qualitativa e a recusa deve ser devidamente fundamentada já que a previsão envolve situação emergencial que, por definição, envolve perigo de paralisação de serviços e segurança de pessoas e/ou bens.

Mesmo na carona que "a princípio" não teria limite quantitativo, esse limite acaba existindo (implicitamente) pois não se pode exigir o fornecimento de produto/serviço impossível de ser fornecido por questões da física e não do direito.

O direito não pode "revogar" a lei da gravidade tampouco a lei da oferta e procura nem mudar o conceito de existência material de bens e/ou serviços.

A anuência dupla existe no sentido de respeitar a reserva do possível por parte do fornecedor e do órgão gerenciador.

A novidade digna de registo ocorreu no final do ano de 2023 com a publicação da lei federal 14.770 que criou a figura da "carona horizontal" até então não prevista na lei federal 14.133/21.

Desta forma os municípios podem "pegar carona" entre si e, da mesma forma, entes estaduais e federais dentro mesmo âmbito federativo.

A carona em verticalidade ascendente já tinha previsão na lei federal 14.133/21  como decorrência hermenêutica da regra da carona compulsória na transferência de valores que é feita "de cima para baixo" e, consequentemente, a carona é feita de "baixo para cima". Logo, a carona que pode ser exigida na transferência de valores, pode ser autorizada noutras hipóteses.

 A vedação da carona em verticalidade descendente é discutível do ponto de vista estritamente jurídico já que o artigo 86,§3º em seus incisos I e II prevê caronas no mesmo âmbito federativo.

Assim:

"(...)

§ 3º A faculdade de aderir à ata de registro de preços na condição de não participante poderá ser exercida: (Redação dada pela lei 14.770/23)

I - por órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, relativamente a ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital; ou (Incluído pela lei 14.770/23)

II - por órgãos e entidades da Administração Pública municipal, relativamente a ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora municipal, desde que o sistema de registro de preços tenha sido formalizado mediante licitação.   (Incluído pela lei 14.770/23)"

Além disso, só há previsão de caronas "ascendentes" na carona compulsória e na carona de emergência (art. 86,§6º e art. 86,§7º).

Há expressa e inequívoca vedação de adesão da União em relação aos Estados. Assim, prevê o art. 86,§8º:

"(...)

§ 8º Será vedada aos órgãos e entidades da Administração Pública federal a adesão à ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal."

Pela aplicação do princípio da simetria muito utilizado em decisões do C. STF sobre regras Constitucionais em relação aos Estados e Municípios chegaríamos à conclusão da vedação de adesão de Estados em Registros de Preços de Municípios. Além disso, o princípio da legalidade previsto no artigo 37 "caput" da Constituição Federal (princípio da legalidade) também nos conduz à mesma conclusão em razão da inexistência de autorização legal expressa. 

 De qualquer maneira a "carona horizontal", ou carona dentro do mesmo nível federativo tem como requisito mais relevante (do ponto de vista prático) a necessidade da já mencionada dupla anuência (fornecedor e órgão gerenciador), pois não se admite a mera "transferência do caos gerencial", tampouco o fornecimento de produto/serviço além do quantitativo fisicamente existe neste mundo.

Tema igualmente pouco abordado, também é o da "carona híbrida": carona em que o "caronista", após a revogação da lei 8.666/93 pretende aderir a ata realizada sob a égide da lei revogada. Opinamos pela possibilidade jurídica desde que observadas as restrições constantes na ata de registro de preços (respeito ao ato jurídico perfeito) e, ainda, aos requisitos já mencionados na lei 14.133/21.

Laércio José Loureiro dos Santos

VIP Laércio José Loureiro dos Santos

Laércio José Loureiro dos Santos, é mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Nova Lei de Licitações", 2ª Ed. Dialética, 2.023.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca