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Entre a liberdade e os limites legais: uma análise da decisão da Corregedoria Permanente da capital de São Paulo sobre a alteração de prenomes

Decisão recente proíbe alteração de prenomes não convencionais em São Paulo, levantando debate sobre liberdade na escolha do nome versus limites legais. Pedido negado por registrador, alegando falta de respaldo ancestral e dificuldade de identificação.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Atualizado às 07:53

A recente decisão da Corregedoria Permanente da Capital de São Paulo, publicada em 17 de janeiro de 2024 no Diário Oficial do Estado, proibiu a a alteração de prenomes que fogem do senso comum, suscitando reflexões essenciais sobre a dinâmica entre a liberdade individual na escolha do nome e os limites impostos pela legislação brasileira.

O pedido de providências foi elaborado pelo Oficial Registrador Civil das Pessoas Naturais do 9º subdistrito - Vila Mariana. Segundo consta nos autos, o registrador negou o pedido de alteração administrativa com fulcro no fato de que os prenomes escolhidos pelo requerente fogem do senso comum por não se tratar de prenomes propriamente dito; além de não encontrarem qualquer respaldo na ancestralidade do interessado, o que, por sua vez, dificultaria a sua individualização e identificação.

O pedido em questão buscava a modificação do primeiro prenome do requerente para "DON". O registrador, contudo, concluiu que tal alteração poderia causar confusão com o título honorário "DOM", anteriormente utilizado por membros da nobreza e do alto clero. Os outros dois nomes pleiteados, não divulgados, foram rejeitados sob a justificativa de serem patronímicos comuns, destituídos de qualquer fundamento na linhagem ancestral do solicitante.

Na r. decisão, a corregedoria esclareceu que há uma clara diferenciação entre prenome e sobrenome e que esses exercem funções primordiais de individualização e identificação dos indivíduos pelo Estado. Ressalta, ainda, que a inclusão de patronímico familiar como prenome não é permitido, assim como a inclusão de sobrenome que não possua relação com a ancestralidade familiar.

A decisão da Corregedoria ganha contornos ainda mais interessantes quando contextualizada nas transformações normativas introduzidas em 2022 pela lei Federal 14.382/22 (Lei de Registros Públicos). A objetivar a facilitação para com a modificação de nomes sob um processo administrativo célere, os novos textos dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos desempenham um papel crucial na simplificação desse procedimento, conferindo maior autonomia aos indivíduos em questões vinculadas à sua identidade. O artigo 56 possibilita a alteração do prenome de maneira desburocratizada, eliminando a necessidade de intervenção judicial, desde que o solicitante tenha atingido a maioridade civil; de maneira complementar, o artigo 57 aborda a modificação de sobrenomes, abrangendo diversos contextos, como situações de união estável, e permitindo a inclusão do sobrenome do padrasto ou madrasta para enteados, mediante concordância expressa.

Essas transformações normativas, implementadas em 2022, refletem uma abordagem contemporânea na gestão dos registros públicos, visando adequar-se às necessidades individuais e descomplicar os procedimentos relacionados à identificação pessoal. Contudo, é essencial reconhecer que persistem restrições e critérios no processo de alteração de nomes, especialmente diante de situações consideradas excepcionais. Este cenário ressalta a profundidade e a sensibilidade envolvidas na administração dos registros públicos e na construção da identidade civil dos indivíduos.

O Código Civil brasileiro assegura o direito ao nome, abrangendo tanto o prenome quanto o sobrenome, conforme estabelece seu artigo 16. De acordo com o Professor Caio Mario Pereira1, o nome civil é um "elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade"; ou seja, o nome não somente representa a expressão mais característica da personalidade, sendo inalienável e imprescritível na individualidade da pessoa, como também expõe sua ancestralidade, a identificação da origem familiar, a ser um componente essencial que pertence à entidade familiar e identifica vínculos de parentesco.

Essa percepção evidencia a distinção fundamental entre nome e prenome, ressaltando a importância de garantir que o prenome seja claramente discernido do sobrenome. Essa precaução não só previne potenciais confusões no âmbito familiar, mas também desempenha um papel essencial na identificação e individualização do cidadão, destacando a necessidade premente de estabelecer com precisão e clareza a ancestralidade de cada indivíduo.

O cuidado nesse processo não apenas contribui para a integridade e identificação pessoal, mas também assegura a consistência e a fidedignidade dos registros, sendo crucial para a manutenção da ordem e da confiabilidade nos sistemas legais e administrativos. De mesmo modo, expomos jurisprudência do STJ, que coaduna com a decisão da Corregedoria de São Paulo, reforçando a relevância da ancestralidade na adoção de sobrenomes, estabelecendo critérios para evitar mudanças arbitrárias:

REGISTRO CIVIL. NOME DE PESSOA NATURAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. SUPRESSÃO COMPLETA DO NOME REGISTRAL PARA ADOÇÃO DE NOVO NOME INDÍGENA, SEM COMPROVAÇÃO DE ORIGEM AUTÓCTONE BRASILEIRA. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRINCÍPIO DA DEFINITIVIDADE DO REGISTRO CIVIL DA PESSOA NATURAL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. A legislação pátria adota o princípio da definitividade do registro civil da pessoa natural, prestigiado com o recente advento da lei 14.382/22, de modo que o prenome e o nome são, em regra, definitivos a fim de garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas e sociais. 2. As hipóteses que relativizam o princípio da definitividade do nome, elencadas na Lei de Registros Publicos, não contemplam a possibilidade de exclusão total dos patronímicos materno e paterno registrados, com substituição destes por outros, de livre escolha e criação do titular e sem nenhuma comprovação ou mínima relação com as linhas ascendentes acenadas, com concomitante alteração voluntária também do prenome registrado. 3. A Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 3/2012 admite a retificação do assento de nascimento de pessoa natural de origem indígena, para inclusão das informações constantes do art. 2º, § 1º, daquela Resolução, referentes ao nome e à respectiva etnia, sem previsão, no entanto, de adoção das mesmas medidas para pessoa que, sem qualquer comprovação de origem autóctone brasileira, deseja tornar-se indígena, por razões meramente subjetivas e voluntárias, com substituição completa do nome registrado, inclusive exclusão dos apelidos de família. 4. Recurso especial improvido. (STJ - REsp: 1927090 RJ 2021/0073790-3, Relator: LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 21/3/23, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/4/23)

Com isso, temos que a determinação proferida pela Corregedoria Permanente da Capital de São Paulo, nos autos do processo sob 1165832-59.2023.8.26.0100, revela uma compreensão esclarecedora e meticulosa do intrincado equilíbrio entre a liberdade prenomeativa, a salvaguarda da ancestralidade e a imprescindível segurança jurídica inerente aos registros públicos. Esta decisão ressalta de maneira proeminente a significativa contribuição das serventias extrajudiciais, não apenas como meros executores do direito, mas como guardiãs essenciais na administração de questões profundas relacionadas aos direitos fundamentais. A decisão reflete um discernimento jurídico aguçado, a servir como guia para ponderar os direitos individuais em consonância com os imperativos coletivos e construir uma sociedade justa e equitativa.

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1 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. 1. 19ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 155.

Rachel Leticia Curcio Ximenes

Rachel Leticia Curcio Ximenes

Sócia do CM Advogados, mestra e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, especialista em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e em Proteção de Dados e Privacidade pelo Insper, e presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SP.

Gustavo Magalhães Cazuze

Gustavo Magalhães Cazuze

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduado em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito - EPD. Secretário Geral da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo. Advogado do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.

Ana Luísa Oliveira de Faria

Ana Luísa Oliveira de Faria

Advogada do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados. Especialista em Startups, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito do Estado e Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).

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