MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Esta é a forma correta de punir o bullying?

Esta é a forma correta de punir o bullying?

Conflitos sociais são comuns, mas apenas quando ultrapassam limites legais, o Estado deve intervir. Novas leis, como a lei 14.811/24, refletem a tendência de criminalizar comportamentos abusivos, como bullying e cyberbullying.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Atualizado às 10:26

Conflitos sociais são características comuns do convívio em grupo, resultante das individualidades pessoais, intelectuais e físicas de cada um, fator este que não é, por si só, um problema que demande a atuação do Estado enquanto mecanismo repressor de condutas delitivas, exceto quando o desrespeito à individualidade do outro cruza a linha do legalmente admitido, sendo imperativo que o ente estatal coíba os excessos.

Neste contexto, é de esperar a criação de novas leis para reprimir comportamentos abusivos e que dificultam a convivência, ainda que isto seja feito através da inserção de novos crimes no ordenamento jurídico, o que tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, à semelhança da recém promulgada lei 14.811/24, que trouxe as figuras do Bullying e do Cyberbullying ao Código Penal.

Desta forma, a criação dos delitos de bullying e cyberbullying introduz uma notável expressão de uma necessidade social, diante da impossibilidade de se ignorar as terríveis consequências dessas práticas, que variam desde depressão e ansiedade, ao suicídio das vítimas.

Nesta conjectura, a lei 14.811/24 traz uma fundamental providência por parte do Estado mas que, apesar disso, merece determinados contrapontos, que não podem ser ignorados por parte dos que irão aplicar à norma.

Assim sendo, um fator que chama a atenção no tipo penal inserido no Art.146-A do Código Penal é a pena prevista para aquele que praticar o crime de Bullying - descrito como a conduta de intimidação reiterada com o uso de violência -, o qual será punido apenas com uma repressão pecuniária mediante multa.

Ademais, inseriu o legislador, no tópico relativo a pena, a expressão "se a conduta não constituir crime mais grave", o que leva ao entendimento de que o delito poderá ser subsidiário - isto é, só será caracterizado se outro mais grave não for praticado -, ou ainda a possibilidade de uma dupla valoração da conduta, podendo o agente que pratica o Bullying mediante lesão corporal responder por ambos os delitos, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, excluindo-se, portanto, esta segunda possibilidade.

Outrossim, no tópico referente ao ilícito penal de cyberbullying - parágrafo único do Art.146-A -, optou-se por prever a pena de reclusão de 2 a 4 anos para o agente que praticar o mesmo crime em âmbito virtual vedando, portanto, a possibilidade de prisão preventiva e autorizando a concessão de fiança ainda em sede policial.

Todavia, a escolha do legislador por prever a sanção de prisão apenas ao crime cometido em sua modalidade digital desperta questionamentos acerca de sua eficácia, tendo em vista que, de acordo com as disposições legais aplicáveis, dificilmente seria o agente detido para cumprir a pena, devido ao seu patamar de até quatro anos, desautorizando o regime inicial fechado.

É de se ressaltar que, nos casos de denúncia recebida pela suposta prática do crime de cyberbullying, poderá o magistrado determinar medidas cautelares que objetivem a proibição de que o acusado continue utilizando o meio ou ambiente digital com que praticou o ilícito, bem como a remoção de eventual conteúdo abusivo, o que se mostra mais eficaz, para a finalidade de restauração do status cuo, do que a segregação da liberdade.

Em síntese, importante trazer a atenção também para a questionável redação adotada pelo legislador, com emprego e repetição de termos que dificultam a compreensão da aplicabilidade prática dos relevantes delitos criados, beirando até o pleonasmo e contribuindo para que, futuramente, os Tribunais sejam chamados para que interpretem as condições de aplicação da norma.

Leonardo Tajaribe Jr.

VIP Leonardo Tajaribe Jr.

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: [email protected]

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca