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Intimação das partes sobre o acórdão na própria sessão de julgamento (TJ/SP): Intenção legítima, mas com consequências lesivas e preocupantes

A volta à rotina de trabalho no TJ/SP tem dado o que falar na comunidade jurídica pelo julgamento do processo nº 1004314-54.2021.8.26.0642.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Atualizado em 29 de janeiro de 2024 13:44

A volta à rotina de trabalho no TJ/SP tem dado o que falar na comunidade jurídica (principalmente a turma do contencioso cível) por conta de decisão da 10ª Câmara de Direito Privado, no processo nº 1004314-54.2021.8.26.0642.

Em 5/1/24, a turma julgadora não conheceu de dois embargos de declaração por intempestividade, sob a premissa elementar de que as partes saíram intimadas da sessão de julgamento na qual foi julgado o recurso de apelação. O racional da decisão considerou os seguintes pontos:

  1. o julgamento foi realizado na forma telepresencial, em razão de oposição formal ao julgamento virtual da apelação;
  2. as partes foram representadas por seus advogados, que inclusive realizaram sustentação oral;
  3. na sessão, houve leitura do voto pelo relator e divulgada a súmula de julgamento nos autos digitais no mesmo dia da sessão;
  4. também no mesmo dia da sessão, o acórdão que veio a ser embargado foi disponibilizado nos autos digitais;
  5. o art. 718, das Normas Judiciais da Corregedoria Geral da Justiça, do Tribunal de São Paulo, prevê expressamente que ''A intimação do acórdão, que será assinado apenas pelo relator, far-se-á mediante publicação da súmula de julgamento no Diário da Justiça Eletrônico, ou na própria sessão de julgamento, passando a fluir prazo para eventual interposição de recurso."

Apesar de não escrito, aparenta ter a turma julgadora buscado dar eficiência e celeridade ao ato de intimação, preceitos esses inquestionavelmente relevantes e, talvez, em seu maior momento de relevância, dado o atolamento do Poder Judiciário com infindáveis processos judiciais.

Primeiro ponto: este que vos escreve não cairá na armadilha - muitas vezes convidativa - de sair tecendo críticas desenfreadas ao Poder Judiciário, porque acredito fortemente que o problema do citado atolamento, além de muito complexo, deriva do comportamento de todas as figuras atuantes.

Provavelmente em proporção consideravelmente maior está a ânsia das partes em litigar insistentemente e de advogados, sem pertinência, peticionarem, acessarem magistrados e fazerem uso do direito à sustentação oral.

A abordagem é política, mas é importante. A famosa fila da crítica excessiva já é grande demais.

Dito isso, vem a crítica construtiva, como forma de humildemente colaborar na reflexão do tema.

Por mais que o art. 718 da NSCGJ traga a previsão de intimação do acórdão na própria sessão de julgamento - e eu externo minha dúvida sincera sobre a legalidade desse dispositivo -, o CPC, as particularidades do caso e, não menos importante, a legítima expectativa dos advogados/as e das partes, afasta qualquer possibilidade de se concordar com a posição da turma julgadora.

Iniciando com a lei e sem nenhuma pretensão de exaurir os dispositivos aplicáveis, pode-se mencionar os arts. 224, §2º1, 2702, 2723 e 2734, todos do Código de Processo Civil. A despeito de não tratarem concretamente do problema aqui enfrentado, estes artigos evidenciam a sistemática de intimação/prazo pela via eletrônica (seja por intimação eletrônica, seja pelo Diário da Justiça eletrônico). Não há, ao menos de forma clara e direcionada, artigo que aponte a viabilidade de intimação do acórdão na própria sessão de julgamento, via patronos ali presentes.

Analisando o caso concreto, em que pese a menção do acórdão à disponibilização da súmula e da própria decisão no mesmo dia do julgamento, não há qualquer formalização, indicação, anúncio ou advertência de que as partes estavam saindo dali intimadas. Nem mesmo nos autos digitais há algum despacho, certidão ou elemento - prévio ou posterior à sessão de julgamento - informando às partes e aos seus advogados/as que o procedimento se daria de tal forma. A este respeito, os arts. 5º, LX5, 37, caput6, e 93, IX7, da Constituição Federal, além dos arts. 1º8 e 8º9, do CPC, asseguram a publicidade dos atos processuais.

Este contexto, por si só, já deveria ser suficiente para caracterizar a nulidade da intimação.

Não bastasse, é absolutamente certo que as partes e seus respectivos advogados/as tinham legítima expectativa de que o prazo recursal se daria na forma eletrônica prevista na legislação processual, até por ser a forma utilizada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo há muito tempo. Usualmente, a intimação do resultado do julgamento é veiculada e, posteriormente, procede-se com a intimação do acórdão, sendo esta última a considerada para início do prazo recursal. Em última instância, tal prática nos parece verdadeiro costume, que igualmente deveria ter sido considerado pela turma julgadora (art. 4º da LINDB10).

Ocorre que, além de não ter havido qualquer sinalização da intimação em sessão de julgamento, o acórdão foi posterior e normalmente publicado no Diário da Justiça eletrônico (vide certidão de fls. 3.986 dos autos), não se podendo conceber hipótese em que as figuras envolvidas extrairiam uma conclusão de início do prazo de forma diversa à da intimação pelo DJe.

Sobre o art. 718 da NSCGJ - única ponta solta de toda a problemática -, salvo melhor juízo, vale dizer se tratar de disposição que se encontra vigente desde os idos de 2013, quando se alterou as Normas de Serviço via Provimento CG 30/13 (vide informação constante no site do TJ/SP11). Apesar disso, é a primeira oportunidade que o entendimento é aplicado, ao menos que se tenha conhecimento e após nova pesquisa jurisprudencial no repositório do Tribunal de São Paulo.

Não se nega a existência de controvérsias com relação a intimações12, mas nos parece que aqui não reside controvérsia ante o flagrante prejuízo à parte pela falta de publicidade e transparência. Conveniente transcrever entendimento do Min. Raul Araújo, relator do EAREsp 1663952/RJ julgado pela Corte Especial do STJ, acerca do tema de duplicidade de intimações:

Embora não haja antinomia entre as duas formas de intimação previstas na lei, ambas aptas a ensejar a válida intimação das partes e de seus advogados, não se pode perder de vista que, caso aconteçam em duplicidade e em diferentes datas, deve ser garantida aos intimados a previsibilidade e segurança objetivas acerca de qual delas deve prevalecer, evitando-se confusão e incerteza na contagem dos prazos processuais peremptórios.

Refletindo sobre o causo, também pesa em desfavor do entendimento da turma julgadora o pouquíssimo (para não se dizer inexistente) benefício da intimação na própria sessão de julgamento, pois o acórdão foi publicado apenas 14 dias depois e o TJ/SP vem o fazendo de forma célere. É razoável imaginar que, "em troca" de 14 dias, o Tribunal Paulista deva aplicar uma mudança drástica, desconhecida e pouco efetiva, se, ao fazê-lo, os jurisdicionados e seus advogados/as são irremediavelmente prejudicados? Por certo que não!

Os arts. 5º e 6º do CPC determinam (dever) que os sujeitos do processo comportem-se com boa-fé e em cooperação, princípios estes que, se razoavelmente aplicados à polêmica em questão, levariam ao procedimento usualmente praticado pelo Tribunal de São Paulo, em preservação dos direitos dos demais sujeitos envolvidos.

Pede-se última licença para mencionar as palavras da eminente Min. Nancy Andrighi, quem, ainda nos idos de 2008, tratou com enorme sensibilidade sobre "armadilhas" criadas no plano do processo civil brasileiro:

Com efeito, o Processo Civil muito comumente vem sendo distorcido de forma a prestar enorme desserviço ao Estado Democrático de Direito, deixando de ser instrumento da Justiça, para se tornar terreno incerto, recheado de armadilhas e percalços, onde só se aventuram aqueles que não têm mais nada a perder.

A razoabilidade deve ser aliada do Poder Judiciário nessa tarefa, de forma que se alcance efetiva distribuição de Justiça. Não se deve, portanto, impor surpresas processuais, pois estas só prejudicam a parte que tem razão no mérito da disputa. Tenho dito, neste sentido, que o processo civil dos óbices e das armadilhas é o processo civil dos rábulas. (...) O direito das partes não pode depender de tão pouco. Nas questões controvertidas, convém que se adote, sempre que possível, a opção que aumente a viabilidade do processo e as chances de julgamento da causa. Basta do processo como fim em si mesmo. O processo deve viabilizar, tanto quanto possível, a resolução de mérito.13

Por todas essas é que se vê com enorme ressalva a decisão proferida pela 10ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, no processo nº 1004314-54.2021.8.26.0642, que será monitorado na expectativa de revisão do entendimento ali firmado.

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1 Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.

(...) § 2º Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.

2 As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.

3 Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.

4 Art. 273. Se inviável a intimação por meio eletrônico e não houver na localidade publicação em órgão oficial, incumbirá ao escrivão ou chefe de secretaria intimar de todos os atos do processo os advogados das partes:

I - pessoalmente, se tiverem domicílio na sede do juízo;

II - por carta registrada, com aviso de recebimento, quando forem domiciliados fora do juízo.

5 LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

6 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

7 IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

8 Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil , observando-se as disposições deste Código.

9 Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

10 Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

11 https://www.tjsp.jus.br/Corregedoria/Comunicados/NormasJudiciais

12 Exemplos: (i) a Corte Especial do STJ vai definir o marco inicial do prazo recursal nos casos de intimação eletrônica e de publicação no Diário da Justiça eletrônico (DJe), via afetação a recursos repetitivos dos processos REsp 1.995.908 e REsp 2.004.485; (ii) a Corte Especial do STJ definiu que, em caso de duplicidade de intimações, prevalecerá a intimação eletrônica (EAREsp 1.663.952/RJ).

13 REsp n. 963.977/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26/8/2008, DJe de 5/9/2008.

Bruno Landini Carvalho

Bruno Landini Carvalho

Advogado e Cocoordenador da equipe de Prevenção e Resolução de Conflitos do /asbz.

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