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Inteligência artificial, ChatTCU e as contratações públicas

O boom da IA, notável com o ChatGPT em novembro de 2022, democratizou a tecnologia. Baseado em processamento de linguagem natural, o ChatGPT permite a comunicação coerente entre computadores e humanos, tornando-se a ferramenta mais conhecida na versão 4.0.

domingo, 21 de janeiro de 2024

Atualizado em 19 de janeiro de 2024 14:51

Um "boom" tecnológico no âmbito da IA ocorreu a partir da apresentação do ChatGPT pela OpenAI em novembro de 2022 e de sua difusão gratuita na versão GPT-3 pela internet. Efetivamente, a tecnologia que estava em desenvolvimento em diversas frentes, mas restrita a determinados círculos de iniciados, popularizou-se rapidamente, promovendo fascínio e temor.

Trata-se de uma ferramenta de IA baseada em processamento de linguagem natural, ou seja, permite que computadores se comuniquem com seres humanos em sua própria linguagem, possibilitando a leitura de textos, a audição e a interpretação de manifestações humanas, estabelecendo diálogos que pretendem ser coerentes e contextuais. Existem dezenas de ferramentas de IA disponibilizadas, sendo o ChatGPT apenas a mais conhecida, já estando em sua versão 4.0.

A Administração Pública no Brasil, que já vinha investindo em tecnologia e em IA há algum tempo, citando o uso de chatbots por diversos órgãos, não ignorou a potencialidade da IA generativa, especialmente na busca incessante por eficiência na prestação de serviços públicos. Como a IA tem a capacidade de analisar e interpretar uma enorme quantidade de dados em segundos, pode otimizar tempo e recursos, aumentando assim a produtividade.

O Tribunal de Contas da União - TCU, desde 2015, já utiliza IA (robôs) para rastrear informações no Diário Oficial da União - DOU e nos sites de compras de licitações e contratações, identificando indícios de irregularidade que a auditoria da Corte precisa avaliar. Este mecanismo foi usado com destaque durante a pandemia da COVID-19, filtrando dezenas de contratações suspeitas, especialmente aquelas realizadas com dispensas e inexigibilidades.

Em 2022, o TCU promoveu levantamento avaliativo quanto ao emprego da IA na administração pública federal, levando em conta os cinco níveis reconhecidos de maturidade na sua utilização. Nenhum órgão ou entidade federal foi classificado no nível 5, de "Transformação", quando o uso da IA é rotineiro em todos os procedimentos administrativos dos órgãos. Uma pequena parcela foi considerada de nível 4, de "Expansão", que se configura quando todos os novos projetos digitais consideram que a IA agrega valor às ações de órgãos e entidades públicas.

A maioria da Administração Pública federal encontrava-se nos três primeiros estratos de maturidade: "Planejamento", quando as tratativas a respeito de IA são consideradas especulativas; "Experimentação", na existência de projetos iniciais elaborados ou em fase piloto; "Estabilização", na presença dos primeiros projetos de IA em produção. Ainda se constatou que 38% das organizações públicas nem projetaram utilizar IA em seus processos, o que as coloca no nível de maturidade "zero". Obviamente, os números podem ter sofrido alterações na velocidade das inovações ocorridas nos últimos dois anos.

Destaque-se que a Corte de Contas da União já possui diversos sistemas baseados em IA que facilitam atividades de auditoria, como Alice (Análise de Licitações e Editais), Monica (Monitoramento Integrado para o Controle de Aquisições), Adele (Análise de Disputa em Licitações Eletrônicas), Sofia (Sistema de Orientação sobre Fatos e Indícios para o Auditor), Carina (Crawler e Analisador de Registros da Imprensa Nacional) e Ágata (Aplicação Geradora de Análise Textual com Aprendizado). E mais recentemente, lançou uma ferramenta baseada no ChatGPT, denominada ChatTCU. Como a utilização se dá em ambiente restrito, é considerada mais segura que a versão aberta, sendo que sua usabilidade está direcionada à produção de textos, adaptações para linguagem simples, traduções e ações de controle externo, tudo com redução de tempo já comprovada.

Especificamente no âmbito das contratações públicas, têm sido identificadas ou projetadas vantagens ao uso da IA:

  1. Reforço à integridade e à governança, pois a automatização aplicada à supervisão e ao controle de processos administrativos pode facilitar a prevenção e a identificação de irregularidades. Além disso, como a IA tem a capacidade, via algoritmos, de analisar e comparar dados de contratações atuais e pretéritas, pode apontar rapidamente a presença de riscos.
  2. Refinamento nas tomadas de decisão, visto que a quantidade de dados que processa permite que deliberações sejam assumidas com mais segurança e rapidez, promovendo uma melhor destinação de recursos públicos.
  3. Transparência e responsabilidade, pois decisões baseadas em dados podem ser mais facilmente auditadas e justificadas.
  4. Eficiência, já que a automação de determinadas tarefas repetitivas, bem como a análise de dados, ao reduzirem o tempo e os custos dos processos de contratação pública, possibilitam que os esforços se concentrem em tarefas mais relevantes.

Para além de vantagens, há também desafios e potenciais problemas que não podem ser negados, como:

  1. Dificuldades na compreensão dos processos decisórios, pois os algoritmos utilizados nem sempre são de fácil explicação e entendimento, podendo gerar desconfianças quanto à higidez dos processos e exigir grandes investimentos em capacitação.
  2. Insegurança no tratamento de dados, especialmente das denominadas "informações sensíveis", já que a IA requer acesso a um grande e amplo conjunto de dados para alcançar seus objetivos.
  3. Custos de Implementação, atualização e manutenção, já que o desenvolvimento de sistemas de IA é reconhecidamente custoso, bem como suas atualizações, que exigirão contínuos e constantes upgrades garantidores de segurança e confiabilidade. Além disso, existem questões envolvendo a interoperabilidade com as estruturas de TI existentes e a dependência excessiva de fornecedores privados de tecnologia, especialmente diante de monopólios.
  4. Responsabilização e desafios legais, daí a necessidade de leis atualizadas que garantam o respeito aos princípios de direito público diante da nova realidade trazida pela IA, inclusive quanto à determinação de responsabilidade, em casos de danos, pelas decisões tomadas e fundamentadas nos algoritmos.

Como se percebe, todas as situações colocadas são superáveis com tempo, vontade e recursos. Quanto ao que depende de regulamentação, já tramita no Congresso Nacional o PL 2338/23, que Dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco. No art. 1°, estabelece como objetivo maior "proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico".

O processo, portanto, é irreversível. Quanto mais rápido o Estado e a Sociedade se prepararem para a boa utilização da IA, mais benefícios serão acessados, e os desafios serão enfrentados e superados. Se o machine learning é uma novidade que ainda assusta, cabe ao human learning reafirmar seu protagonismo e essencialidade.

Giussepp Mendes

Giussepp Mendes

Advogado especialista em direito administrativo público.

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