Devem os coworkings se afiliar aos conselhos regionais de administração?
Espaços de coworking em todo Brasil vêm sofrendo autuações devido à falta de registro nos conselhos regionais de administração.
sexta-feira, 19 de janeiro de 2024
Atualizado em 26 de janeiro de 2024 14:52
Os Conselhos Profissionais são autarquias federais incumbidas de representar os interesses, fiscalizar, regular os limites de atuação e proteger a sociedade daqueles que exercem a profissão de forma ilegal ou antiética.
O Brasil possui hoje cerca de trinta Conselhos Profissionais voltados àqueles que exercem profissões regulamentadas (e.g., médicos, advogados, contadores, engenheiros e arquitetos). Destacamos, por relevante para este artigo, o Conselho Federal de Administração - CFA, com seus respectivos Conselhos Regionais - CRAs, que congrega os Técnicos em Administração, atualmente denominados Administradores, bacharéis em administração pública ou de empresas, bem como entidades que exercem papel ou tarefas privativas da profissão1.
Há quem sustente, com base na Constituição Federal, que "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado"2 para contestar a obrigatoriedade de inscrever-se no Conselho Profissional de sua atividade. Na realidade, porém, apesar da Constituição Federal garantir o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, certas atividades estão sujeitas a qualificações profissionais estabelecidas em lei3.
Sucede que certos CRAs, sedentos de aumentar a base de contribuintes (sim, apesar da adesão ao órgão de classe ser obrigatória, ela não é gratuita4), tem notificado e, por vezes, autuado sociedades cuja atividade básica, ou natureza dos serviços, não é típica e privativa daquela exercida por Administradores.
Enquanto é certo que toda sociedade desempenha, em maior ou menor grau, certas atividades administrativas, o que importa, para fins de afiliação ao CRA, é a atividade preponderante. Nesta toada, já foi decidido, exemplificativamente, que sociedades de contabilidade, consultoria em gestão empresarial e holdings não estão obrigadas a ingressar nos CRAs5.
Vale registrar que CRAs de diversas regiões vem notificando, e até autuando, empresas de coworking por entender que estas deveriam a elas afiliar-se.
Ao que parece, é o enquadramento da atividade de coworking dentro do Cadastro Nacional das Atividades Econômicas - CNAE 8211-3/00 - "serviços combinados de escritório e apoio administrativo" que provoca a atenção dos CRAs.
Coworkings são sociedades que disponibilizam, mediante retribuição, espaços compartilhados de trabalho (normalmente mobiliados e reformados), bem como serviços de suporte aos seus clientes (e.g., recepção, telefonia, limpeza e manutenção). Assim, a atividade principal dos mesmos consiste em oferecer o local de trabalho, com gestão da infraestrutura e equipamentos, bem como a prestação de certos serviços.
A administração do coworking é atividade de apoio necessária para bem servir os usuários do espaço. Não é sua atividade preponderante, assim como o objeto preponderante do hospital é tratar enfermos, do hotel hospedar viajantes e do restaurante servir comensais. Estas entidades precisam administrar seus negócios, mas o exercício da ciência da administração aqui é meio e não fim.
Lamentavelmente alguns CRAs insistem em ignorar esta distinção, sendo que, por vezes, o recurso as vias judiciais é o único remédio contra as autuações dos CRAs em face dos espaços de coworking.
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1 Lei nº 4.769/65, regulamentada pelo Decreto nº 61.934/67; e Lei nº 6.839/80. A primeira impõe a obrigatoriedade de registro para empresas, entidades e escritórios que exploram atividades do técnico de administração, especificadas nos arts. 2º da Lei nº 6.839/80 e 3º do Decreto nº 61.934/67, enquanto a segunda estabelece que a obrigatoriedade de registro é determinada pela atividade básica da empresa ou pela natureza dos serviços prestados.
2 Constituição Federal, Art. 5º, XX.
3 Constituição Federal, Art. 5º, XIII.
4 Decreto nº 61.934/67, arts. 9, 10, 12, § 2 e 41, "a".
5 STJ - Resp. nº 1.703956/RJ - (2017/0267887-6), Relator: MIN. HERMAN BENJAMIN. Data de julgamento: 28/11/2017.
TRF-2 - Apel.: nº 0029610-91.2016.4.02.5001/ES, Relator: DES. ALCIDES MARTINS. Data de Julgamento: 21/07/2017.
TRF-1 - Apel.: nº 1003048-82.2020.4.01.4300, Relator: DES. FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS. Data de Julgamento: 03/05/2022.
TRF-2 - Apel.: nº 0090898-31.2016.4.02.5101, Relator: ALFREDO JARA MOURA, Data de Julgamento: 01/07/2019.