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O crime de intimidação sistemática ("bullying" e "cyberbullying") aplicado aos condomínios edilícios

Alteração recente no Código Penal cria o "crime de intimidação sistemática" (bullying e cyberbullying) originado do PL 4224/21.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Atualizado às 09:07

Recente alteração no Código Penal brasileiro houve prever um novo crime, passando a denominar a conduta delituosa com a rubrica de "crime de intimidação sistemática", mais conhecido por bullying e cyberbullying.

A inovação legislativa encontra a sua origem no PL 4224/21, da autoria do deputado Osmar Terra (MDB-RS) e altera o diploma criminal, criando um tipo penal no art. 146-A do códex.

O texto de lei prevê como crime a conduta típica de "intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação, ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais". A pena é de multa, caso o comportamento do sujeito ativo não se apresente como um delito de maior gravidade.

Por sua vez, o "cyberbullying" é apresentado com a mesma conduta típica, desde que praticada no ambiente virtual. Sendo efetivado por meio da rede mundial de computadores (internet), rede social (instagram, facebook, whatsapp), aplicativos, jogos on-line ou transmitida em tempo real, a pena será majorada, passando a ser de 2 a 4 anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Uma relevante fonte de consulta do legislador foi a lei que estabelece o "Programa de Combate à Intimidação Sistemática" (lei 13.185/15), a qual define o "bullying", mas não estabelece qualquer tipo de sanção a quem venha praticar a conduta típica em exame.

Apesar das sérias críticas incidentes sobre os gravíssimos erros de técnica legislativa presentes no novel texto de lei (dentre eles o "pleonasmo jurídico" de falar em "intimidar...por meio de intimidação", "sistematicamente...e repetitivo", "de modo intencional", cuidando-se de um crime doloso por natureza, dentre outras não conformidades técnicas), não como olvidar, a importância que a prevenção e a repressão a tais comportamentos antissociais representa para a sociedade, denotadamente a que vive em espaços comunitários de convivência, como é o caso das escolas, dos clubes e dos condomínios edilícios.

Com efeito, discorrer sobre bullying implica em abrir uma oportunidade para considerar um fenômeno que acontece com muita frequência nos mais diversos espaços de convivência humana, no qual os condomínios estão exemplarmente inseridos.

A nosso ver, há um ganho social com o advento da previsão do novo crime, na medida em que a lei passa a sinalizar para a sociedade que comportamentos intimidatórios reiterados, associados às mais diversas formas de violência física ou psicológica são absolutamente inadmissíveis.

É verdade que outras gerações viram no bullying uma hipótese de mero conflito, muitas vezes restrito ao ambiente próprio a crianças ou adolescentes, contudo, a distinção entre a intimidação sistemática e um conflito próprio da convivência, é o fato de que o bullying encontra a sua base de ocorrência na agressão a seres humanos, não somente infantes, mas igualmente a pessoas de todas as faixas etárias, especialmente os mais vulneráveis, como pessoas idosas, de baixa escolaridade, os mais pobres e as pessoas com deficiência.

Exemplificando, o condômino que é "intimidado sistematicamente", seja no ambiente de uma assembleia presencial, seja no espaço virtual dos "grupos de whatsapp", pode se sentir humilhado e aviltado, tornando-se vítima do novo crime.

Não acidentalmente, a palavra bullying encontra a sua definição na língua inglesa para designar a prática de "atos de agressão entre pessoas"; já na língua portuguesa, "intimidar" possui dois significados: a) provocar medo, valendo dizer, amedrontar, assombrar, aterrorizar, inquietar, atemorizar ou terrificar, e b) provocar constrangimento, significando inibir, constranger, envergonhar, embaraçar ou vexar.

A intimidação sistemática possui um elemento intrínseco sempre presente que é o assédio cotidiano, que pode, doravante, erigir como crime, a título de exemplo, os abusos praticados pelo síndico ou pelo zelador em face de funcionários do condomínio ou terceirizados, o conhecido "assédio moral", até então, um delito restrito à esfera civil ou trabalhista.

Outro componente endógeno do novo delito de bullying é a prática de um conjunto de agressões intencionais e reiteradas, cometidas, por vezes, por um grupo de pessoas, concentradamente dirigido a um único indivíduo, seja na esfera presencial, seja no plano virtual, como é o caso do grupo de conselheiros que passam a intimidar um condômino inadimplente, de forma pública, reiterada e invasiva.

Importante registrar que não se trata de uma simples brincadeira que acontece vez ou outra, que de per si já seria censurável pelo mal gosto pela opção  comportamental, como dizer de forma iterativa que a pessoa está "comendo demais", "sou eu que pago o seu salário", ou que "você está aqui para fazer o que eu mando".

O crime de intimidação sistemática vai além disso, e se materializa por meio de comportamentos associados ao emprego de contato físico ou expressões verbais maturadas, por meio de ações calculadas, sopesadas, previamente elaboradas, perpetradas de forma reiterada contra um mesmo alvo.

Recorrendo ao direito comparado, sabe-se que no Reino Unido, o delito em exame exige para a sua conformação a presença de condutas delineadas com a qualidade de agressões dolosas e habituais, sempre com uma vítima escolhida como foco.

Por seu turno, no Brasil, não houve o legislador delimitar o sujeito passivo do delito às crianças ou adolescentes, mas permitir o enquadramento como vítimas as pessoas de qualquer idade, sexo, orientação sexual, gênero, cor, origem, raça ou religião.

Doravante, gestores condominiais deverão estar mais atentos a prática deste tipo de conduta típica, seja na esfera privada (no âmbito das unidades privativas ou na seara familiar), onde haverá de se impor o dever de denúncia do cometimento de tais crimes às autoridades, seja no relacionamento com condôminos, demais moradores, visitantes, empregados ou prestadores de serviço, não olvidando que, para além da responsabilidade civil, inerente ao cometimento de tais ilícitos, temos agora a possibilidade da responsabilidade penal, de todos aqueles que venham a intimidar pessoas, num plano de elevada censurabilidade e reprovabilidade social.

Vander Andrade

VIP Vander Andrade

Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário e de Pós-Graduação. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

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