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É possível a rediscussão do débito habilitado e homologado no plano de recuperação judicial através de ação revisional

Não existe impedimento na lei 11.101/05 (LREF) para a propositura de ação autônoma que tenha como fim a revisão judicial do débito previamente habilitado e homologado no plano de recuperação judicial. A rediscussão do débito não viola a coisa julgada e poderá ser realizada em ação própria, em juízo diverso da recuperação judicial.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Atualizado às 08:25

Uma leitura rápida da LREF pode dar a entender que, após a homologação do plano de recuperação judicial, fica impedida qualquer ação que pretenda rediscutir o débito habilitado no processo de recuperação. A conclusão parece guardar certa lógica jurídica. Conforme o art. 59 da LREF, a homologação do plano de recuperação judicial implica na novação da dívida, logo, o impedimento, aqui, estaria na violação do pacto firmado entre as partes (credores e devedor). Por outro lado, o exercício da pretensão do devedor de rediscutir, em ação autônoma, o débito, eventualmente estaria impedida pela preclusão, sob pena de violação da coisa julgada, na forma como determina o art. 507 do CPC.

De todo modo, a questão é relevante porque a matéria de fundo, em um primeiro momento, diz respeito à possibilidade de o devedor exercer o direito subjetivo de questionar o débito, ainda que já homologado o plano de recuperação judicial. Haveria aí uma mitigação do pacta sunt servanda em favor do devedor, que procura, através da prestação jurisdicional, a proteção de eventual lesão de seus direitos (art. 3º do CPC). Aqui, é a própria LREF que garante ao devedor o direito de ação, quando prevê que terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida (art. 6º, §1º, da LREF). É a própria LREF, portanto, que admite a discussão do débito em ação própria.

Pois bem! Fato é que, na forma como prevê o art. 49, caput, da LREF, todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial (entre outros, o RESP 1.655.705/SP). Daí a conclusão de que, homologado o plano de recuperação, a decisão judicial homologatória acoberta, com a coisa julgada, o que foi deliberado pelos credores e devedor (art. 507 do CPC). E mais, mesmo que o devedor não tenha impugnado ou se manifestado sobre o crédito, a sua omissão não lhe resguarda o direito de rediscutir a matéria. Isto porque o art. 508 do CPC considera como deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido. No direito, a omissão também gera efeito de preclusão.

Apesar da força dos argumentos que parecem impedir a rediscussão do débito já habilitado e homologado no plano de recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende de forma diversa. No entender da Corte Especial, a hipótese é juridicamente possível pois a natureza da novação, prevista no art. 59 da LREF, não impede o exercício da pretensão revisional autônoma do devedor. Isto porque o conteúdo do art. 59 da LREF não alcança a "discussão" específica dos valores nominais dos débitos que estão sendo processados e discutidos na ação revisional autônoma. Na verdade, a novação, prevista na LREF, ocorre pela consolidação de diversos meios que a assembleia geral de credores considere necessários e suficientes para a superação da crise da empresa, à exemplo do rol não taxativo do art. 50 da LREF.

Daí então que a norma do art. 50 da LREF é composta por conceitos abertos, admitindo a interpretação ampliativa. Significa dizer que é possível a adoção de quaisquer condições capazes ou suficientes ao soerguimento da empresa em recuperação, desde que aceita pelos credores. A concessão de condições especiais para pagamento de dívidas vencidas ou a vencer não leva em consideração eventuais alterações no valor da dívida, resultantes de ações judiciais em curso. Inclusive, o §3º do art. 6º da LREF prevê expressamente a possibilidade de reserva de valor quando da existência de ação cuja quantia ainda não tenha sido liquidada.

Neste sentido, estas foram as razões de decidir do Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, quando do julgamento do REsp 1.700.606/PR:

  1. [...]a novação, em regra, ainda que pressuponha a anterior homologação de um plano previamente aprovado pela assembleia geral de credores, não se opera por valores nominais, mas pela consolidação dos mais variados meios que a assembleia geral de credores considerar necessários e suficientes para a superação da crise que acomete a empresa em recuperação;
  2. [...] nada obsta que, sobre o crédito habilitado, ainda que já tenha sido homologado pelo juízo da recuperação, sobrevenham acréscimos ou decréscimos por força de provimento jurisdicional exarado em demandas judiciais em curso, a ensejar a aplicação da condição especial definida no plano de recuperação judicial ao novo valor do débito, judicialmente reconhecido;
  3. [...] sobrevindo decisão judicial que reconheça ser menor a dívida da empresa recuperanda para com a instituição financeira recorrente, a condição especial estabelecida no plano de recuperação deverá ser aplicada sobre esse novo montante. A novação se opera, portanto, no tocante às condições especiais de pagamento estabelecidas no plano de recuperação judicial, e não sobre valores nominais, a afastar a alegação de preclusão ou de ofensa à coisa julgada.

A conclusão (dispositivo) do STJ sobre tema é de que a habilitação do crédito e a posterior homologação do plano de recuperação judicial não impede a rediscussão do seu valor em ação revisional de contrato relativa à mesma dívida.

Vê-se então que nada impede que o crédito habilitado, mesmo que já tenha sido homologado pelo juízo da recuperação judicial, sofra alterações decorrentes de processos judiciais autônomos. Como consequência, as condições especiais definidas no plano de recuperação judicial deverão observar o valor do débito, reconhecido judicialmente em tais processos. Logo, a novação se dá sobre as condições especiais de pagamento (art. 50 da LREF), previamente estabelecidas no plano de recuperação judicial, mas não sobre os valores nominais em si, o que afasta o argumento da preclusão ou de ofensa à coisa julgada.

Daniel Fioreze

Daniel Fioreze

Advogado do núcleo cível no escritório Silva e Silva Advogados Associados. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria - RS (UFSM). Possui pós-graduação em Direito Tributário e Aduaneiro pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus (CEDJ). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - RS (FADISMA).

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