A mudança institucional e a inovação tecnológica na agricultura do Brasil
Mudanças institucionais e inovações tecnológicas impulsionaram o crescimento da agricultura brasileira, destacando evoluções no Financiamento Rural e adaptação de fatores produtivos ao clima tropical pela EMBRAPA. O Brasil é um dos principais exportadores globais de commodities, incluindo açúcar, cereais, soja, milho, oleaginosas e frutas cítricas (FAO-ONU, 2019-2020).
terça-feira, 16 de janeiro de 2024
Atualizado às 07:47
A mudança institucional e a inovação tecnológica na agricultura do Brasil, foram pontos de impacto no crescimento da produção da agricultura brasileira, ressaltando a evolução dos regimes jurídicos, em especial sobre o Financiamento Rural e a cultura de desenvolvimento de fatores produtivos adaptados ao clima tropical, capitaneada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA.
Agricultura brasileira na atualidade:
O Brasil nos últimos anos tem estado entre os maiores exportadores mundiais de commodities, e de acordo com dados da FAO-ONU, 20201, e no ano de 2019, apareceu entre os cinco maiores exportadores mundiais de 30 produtos, com maior destaque para açúcar, cereais, soja, milho, oleaginosas e frutas cítricas.
Alcançando no ano de 2020 o valor da produção agrícola de R$ 470,5 bilhões de reais2, cerca de US$ 83,421 bilhões de doláres3, com as exportações do setor representando 45 bilhões de dólares no mesmo período.
Como panorama geral da magnitude econômica do Agronegócio Brasileiro, apesar do Produto Interno Brasileiro ter sofrido uma queda de 4,6% em 2020, o PIB do Agronegócio cresceu 24,31% naquele ano, alcançando o montante de R$ 1,97 trilhões de reais, equivalente a US$ 349,290 bilhões de dólares.
A mudança institucional dos regimes jurídicos relacionados ao financiamento rural:
Entre os anos de 1948 e 1970, a atividade agrícola brasileira sofreu uma forte redução, sendo necessária a intervenção direta do Estado no financiamento rural, resultando na criação em 1.965 do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, instituído pela lei 4.829/65, que tratou o Crédito Rural como instituto jurídico especial.
Com 03 componentes de financiamento, crédito de custeio, crédito de investimento e crédito de comercialização, o governo federal por meio do decreto-lei 167/67 criou as Cédulas de Crédito Rurais, a Duplicata Rural e Nota Promissória Rural, ferramentas utilizadas ainda hoje no financiamento agropecuário do Brasil.
Em 1976 os empréstimos oficiais chegaram a 90% do produto interno da agricultura, alcançando o auge da cultura de financiamento público do agronegócio brasileiro4.
Em meados da década de 1980 houve uma drástica redução do financiamento rural pelo governo, com o sucateamento do SNCR, o que levou o mercado em busca de soluções alternativas de financiamento.
No início da década de 1980, inicia-se uma tendência de financiamento privado da agricultura, com a procura de mecanismos capazes de instrumentalizar as operações de crédito privado na agricultura brasileira.
Com a necessidade de novas fontes de financiamento rural o governo criou mecanismos legais a fim de institucionalizar o fornecimento do crédito privado ao agronegócio, criando-se em 1994 a Cédula de Produto Rural - CPR, pela lei 8.929/94, em 2004 a criação dos novos títulos do agronegócio - CDA/WA, CDCA, LCA e CRA, por meio da lei 11.076/04, a Política Nacional de Biocombustível (RenovaBio) e o Crédito de Descarbonização (CBio) pela lei 13.567/17 e em 2020 com a lei 13.986/20, denominada Nova Lei do Agro, foram criados a Cédula Imobiliária Rural, o Fundo Garantidor Solidário e o Patrimônio Rural em Afetação5.
E mais recentemente com a preocupação mundial com o meio ambiente e com a sustentabilidade amplia-se uma nova mudança institucional com o decreto 10.828 de 1º de outubro de 2021, que permite que produtores rurais emitam a Cédual de Produto Rural - CPR Verde, em função de atividades certificadas que resultem em benefícios ecossistêmicos.
Toda evolução do arcabouço institucional regulando o Crédito Rural no Brasil e amparando a evolução da agricultura brasileira em sua busca por novas fontes de financiamentos, naõ deixaram de lado o papel do Estado em seu dever de fornecer meios de financiamento agrícola, mesmo que de forma indireta, com a regulação institucional dos meios de captação, respeitando a premissa de que o Crédito Rural está tratado na Constituição Federal de 1.988, em seu artigo 187, inciso I, como instrumento de planejamento da política agrícola, ressaltando no artigo 23 da CF, a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios de fomentar a produção agropecuária.
Portanto, sendo o crédito um dos pilares do crescimento da agricultura brasileira, observo que a mudança institucional do financiamento público para o privado tem sido uma constante das últimas décadas, o que em termos práticos, tem gerado a necessidade de uma readequação cultural do produtor rural brasileiro em absorver os níveis de governança corporativa e de sustentabilidade exigidos pelos fornecedores privados de crédito.
A criação de um sistema nacional de inovação tecnológica adaptado ao clima tropical:
Na agricultura, o processo de aprendizagem e a transferência de conhecimentos de uma região para outra são severamente limitados6, o que leva as mudanças institucionais a considerarem a solução dos problemas locais para influenciar no aumento da produtividade. Tal premissa, fez o Brasil desenvolver um ambiente institucional interno capaz de absorver conhecimento gerado nas redes internacionais de pesquisa na produção agrícola, bem como gerar conhecimento próprio na chamada tropicalização dos cultivos.
Anteriormente a década de 1970, o Brasil possuía apenas algumas escolas especializadas em atividades agropecuárias, como a Esalq/USP, UFLA, UFV, época em que a exportação brasileira era dependente do café, mais 50% das exportações totais, e exportador líquido de alimentos, como cereais e carne de frango, com as produções de soja, milho e carne bovina que mal cobriam o consumo interno. Foi neste cenário que a Embrapa foi criada em 1973, com a missão de aumentar a produção brasileira. Como um programa de inovação institucional induzida a Embrapa foi responsável por mudar a cultura de simples incorporação de conhecimento externo, para a cultura inicial de adaptação do conhecimento oriundos dos centros internacionais de pesquisa, para a adaptação às condições tropicais, e posteriormente para a cultura institucional de provedor de tecnologia da agricultura tropical.
No ato de instalação da Embrapa, foi criado um projeto de treinamento no âmbito de pós-graduação para cerca de 2 mil pesquisadores, atingindo a marca de 1973 a 1979 de 1.375 pesquisadores mestres e doutores conjuntamente, chegando no ano de 2013 a 2.429 pesquisadores, com 83% com titulação de doutor.
A Embrapa desenvolveu uma rede estratégica de inovação, com destaque para a cooperação com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos - USDA, especialmente na transferência de conhecimento para adaptar o cultivo de soja ao clima tropical. Na França, foram assinados acordos com três instituições: O (INRA), o (CIRARD) e o (IRD). No Japão buscou-se parceria com o (JIRCAS), e foram firmados vários acordos de cooperação bilateral com outros países, como INTA-Argentina, CSIRO-Austrália, BBSRC-Reino Unido.
Com a missão orientada a viabilizar soluções de pesquisa para o desenvolvimento tecnológico aplicado, foi criado um modelo organizacional estruturado em unidades descentralizadas de pesquisas, mas vinculadas a um planejamento central, de modo a estimular os mecanismos de mercado.
O que aliado a mudança institucional objetivando a segurança jurídica das pesquisas, promovida pela Lei de Proteção de Cultivares em 1997 e da lei da Biossegurança em 2005, fez com que de 1998 a 2016, houvesse um crescimento do número de cultivares protegidas no mercado brasileiro, saltando de 104 para 2.212, com grande relevância da Embrapa, possuindo 22% da propriedade dos cultivares de soja, 78% milho, 37% algodão, 32% trigo, e cerca de 20% de outras variedades registradas no Brasil.
Ressaltando, que a proteção intelectual foi essencial para o desenvolvimento da cultura de pesquisa e desenvolvimento no agronegócio brasileiro, a Embrapa sedimentou sua cultura de pesquisa pública na agricultura brasileira, o que viabilizou soluções sustentáveis por meio da geração, adaptação e transferência de tecnologias e, assim, aumentou a produção agrícola do Brasil.
Os estudos concluem que o crescimento produtivo do setor agropecuário brasileiro é fortemente baseado em ciência e tecnologia, onde um aglomerado de inovações e conhecimentos (tais como técnicas de calagem e correção do solo, tropicalização dos cultivos, controle de novas pragas, intensificação da mecanização, fixação biológica de nitrogênio, melhoramento nutricional da ração animal, cruzamento genético de animais e plantas, biotecnologia, plantio direto e integração produtiva), juntamente com inovações institucionais (organização do sistema nacional de inovação e políticas públicas de fomento), propiciaram ganhos significativos de produtividade desde a década de 1970. (VIEIRA, CONTINI, HENZ, NOGUEIRA, 2019). Portanto, o crescimento da agricultura brasileira, está intensamente relacionado com a mudança institucional e inovação tecnológica.
1 Instituto Millenium, ODX Octahedron Data eXperts - Agronegócio: Exportação, Emprego e Produtividade - Questões acerca da cadeia produtiva do setor no Brasil, 30/10/2021, p. 34. [Consult. 30/10/2021]. Disponível na internet: URL: https://institutomillenium.org.br/images/campanha/setor-privado/.
2 https://www.gov.br/pt-br/noticias/agricultura-e-pecuaria/2021/09/valor-da-producao-agricola-nacional-tem-recorde-em-2020-com-r-470-5-bilhoes.
3 PTAX BCB em 29/10/2021, vide https://www.bcb.gov.br/
4 Reis, Marcus, Crédito rural: teoria e prática - 2. Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2021, pag. 5
5 Reis, Marcus, Crédito rural: teoria e prática - 2. Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2021, pag. 6.
6 VIEIRA FILHO, José Eustáquio Ribeiro. FISHLOW, Albert - Agricultura e Indústria no Brasil: inovação e competitividade. Brasília: Ipea, 2017. p.96. ISBN: 978-85-7811-294-3.
Bruno Curado
Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG, Pós-graduado em Direito Tributário pela UFG, MBA em Agronegócios pela USP/ESALQ, Certificado em Agronegócio Crédito Rural pela Febraban, Mestrando em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto - Portugal. Advogado, membro das Comissões da OAB/GO de Direito Bancário e Comissão Especial do Direito do Agronegócio.