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Importância da liturgia para o cargo de magistrado

Recentemente, o Brasil enfrenta desrespeito, agressividade e mentiras na vida pública, afetando também a Magistratura.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Atualizado às 14:40

Nos últimos tempos temos visto no Brasil uma onda de descaso com as liturgias dos cargos públicos, de má ou falta de educação, postura inadequadas, agressividade, desrespeito, violência e muitas mentiras veiculadas nas redes sociais. Esses comportamentos têm causado problemas e atritos em todos os espaços da vida pública, sendo que a Magistratura não é exceção.

Causa espanto a conduta de parte da Magistratura, que não respeita a liturgia do cargo, que falam o que pensam, sem se preocuparem com as consequências, que tomam atitudes desrespeitosas com seus pares, especialmente advogados, tanto na vida pública quanto na privada.   

 Quem não se lembra de um juiz, em plena pandemia, que resolveu desrespeitar a lei que pedia o uso de máscara e ofendeu um policial que o abordou, além de não acatar as ordens da autoridade policial.

O Código de Ética da Magistratura, promulgado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2008, e que engloba não apenas os Juízes, mas ainda os Ministros dos Tribunais Superiores e os Desembargadores, prevê que os magistrados devem seguir algumas regras, sendo um compromisso com os deveres inerentes ao cargo, à excelência na distribuição da justiça, fidelidade às leis, à moral ilibada e ao decoro nas funções exercidas. 

Cabe aos Magistrados manter a independência, a imparcialidade, a cortesia, a transparência, o segredo profissional, a prudência e a dignidade, sem deixarem-se influenciar por agentes externos e sempre denunciar qualquer tipo de pressão sofrida quando no exercício profissional. É obrigação dos juízes dispensar tratamento adequado às partes e aos advogados, sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito. 

Entretanto, essas regras vêm sendo desrespeitadas diariamente e as recomendações para evitar autopromoção ou opiniões político-partidárias, confraternização com as partes do processo, entre outras, vem sendo apuradas pelo Conselho Nacional de Justiça. Obviamente, não é vedado aos juízes emitirem seus pontos de vista, expressarem seus conhecimentos, ter perfis em redes sociais, mas é necessário certo comedimento. Muitas vezes, ministros promovem ou participam de eventos públicos sobre causas em andamento, transformando inadvertidamente o processo em espetáculo.  

A pandemia trouxe a tecnologia para dentro do Judiciário e se tornou usual nas audiências e julgamentos on-line. Talvez por estarem em suas casas ou por falta de experiência, teve advogado nu, desembargador em congraçamento com secretária, impropérios indevidos, ruídos inadequados, fundos de tela animados, sonecas inoportunas, cantadas em assistentes, entre outras tantas particularidades e irregularidades. Tanto que a Corregedoria do CNJ  abriu 21 investigações para apurar manifestações políticas de 18 magistrados pelas redes sociais durante o período de campanha eleitoral em 2022, que resultou na derrubada de perfis virtuais de juízes e desembargadores por causa de manifestações políticas. Entre as publicações dessas redes sociais foram encontradas ofensas aos candidatos, críticas à urna eletrônica, preces para a morte de postulantes ao cargo de presidente e até manifestações golpistas. 

Os juízes falastrões e os juízes celebridades, que geralmente opinam sobre assuntos que não dizem respeito à atividade judicial, atacam instâncias superiores e atentam ainda contra a Lei Complementar 35, de 1979, a Loman, (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), em seu artigo 36, inciso III, que dispõe: "é vedado ao magistrado "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério". 

igualmente, a Constituição Federal de1988 veda ao Magistrado "dedicar-se à atividade político-partidária", segundo o artigo 95, parágrafo único, inciso III.  A liturgia do cargo de magistrado garante o respeito às instituições do Estado de Direito e, consequentemente, à democracia. Portanto, seguir essas regras e normas é dever de todo Juiz, Desembargador e Ministros dos Tribunais Superiores.  

O objetivo da liturgia do cargo, segundo o escritor Manoel Hygino , "é uma garantia para os atores da Justiça de uma certa intangibilidade. Essa liturgia irradia ao ator da Justiça uma credibilidade, uma certa majestade que, automaticamente, afasta as partes do conflito da pretensão de querer incluir esse ator dentro de seu conflito. O problema é um juiz lidar anualmente com milhares de processos e sempre em cada um desses processos vai haver um frustrado. O magistrado tem a tendência de acumular com o passar do tempo, cada vez mais desafetos, que são aqueles que foram frustrados nas suas pretensões em juízo e, se o magistrado não tiver essa aura de majestade, de responsabilidade que a liturgia do cargo transmite, ele se equiparará às partes em conflito, ele descerá de seu pódio".1

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1 Disponível em: https://www.hojeemdia.com.br/opiniao/manoel-hygino/magistratura-liturgia-do-cargo-1.57599

Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade

Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade

Advogada, sócia fundadora do escritório Figueiredo Ferraz Advocacia. Graduação USP, Largo de São Francisco, em 1.981. Mestrado em direito do trabalho - USP. ExConselheira da OAB/SP.

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